STF valida federalização de crimes contra direitos humanos
EC 45/04 permite que PGR suscite deslocamento de competência para Justiça Federal.
Da Redação
terça-feira, 12 de setembro de 2023
Atualizado às 09:12
Por entender que não afronta cláusulas pétreas, o STF, por unanimidade, validou a EC 45/04, a qual dispõe sobre a federalização dos crimes contra direitos humanos.
A emenda dispõe que, na hipótese de grave violação de direitos humanos, o PGR pode, com a finalidade de assegurar o cumprimento de obrigações decorrentes de tratados internacionais, suscitar perante o STJ o incidente de deslocamento de competência para a Justiça Federal.
Os ministros, por unanimidade, seguiram o voto do relator, ministro Dias Toffoli, para quem, além de condizente com a finalidade constitucional, o incidente de deslocamento de competência finca-se na máxima proteção dos direitos humanos e na possibilidade de a União garantir o cumprimento das obrigações internacionais assumidas pelo Estado brasileiro.
Questionamento
O plenário julgou duas ações diretas de inconstitucionalidade propostas em 2005 pela AMB e pela Anamages, por meio das quais as entidades buscam invalidar o art. 1º da EC 45/04 quanto à inserção do inciso V-A e do § 5º ao art. 109 da CF.
Eis o teor dos dispositivos:
"Art. 109. Aos juízes federais compete processar e julgar:
(.)
V-A. as causas relativas a direitos humanos a que se refere o § 5º deste artigo;
(.)
§ 5º. Nas hipóteses de grave violação de direitos humanos, o Procurador-Geral da República, com a finalidade de assegurar o cumprimento de obrigações decorrentes de tratados internacionais de direitos humanos dos quais o Brasil seja parte, poderá suscitar, perante o Superior Tribunal de Justiça, em qualquer fase do inquérito ou processo, incidente de deslocamento de competência para a Justiça Federal."
A AMB alegou que a fixação de critério de competência com base em conceitos vagos e ambíguos, como a expressão "crimes graves contra direitos humanos", viola o princípio da segurança jurídica. Afirma, ademais, que a previsão ofende a cláusula do juiz natural, já que a definição da competência para a apreciação do ilícito penal teria vez após a ocorrência do fato criminoso e dependeria de ato discricionário do PGR ao interpretar a possível gravidade da infração.
Acrescentou, por fim, que os dispositivos violam o princípio do devido processo legal na medida em que introduzem um elemento de incerteza - a possível alteração de competência - no âmbito do processo penal, além de subtrair competência atribuída, pelo constituinte originário, ao júri popular, quanto aos crimes dolosos contra a vida.
De modo semelhante, a Anamages aduziu que a EC atenta contra o princípio do juiz natural, e que a alteração da competência posteriormente à ocorrência do fato delituoso configuraria juízo de exceção. Ademais, sustenta que os dispositivos atacados criam espécie de intervenção federal disfarçada, o que atentaria contra o pacto federativo e a autonomia dos Estados-membros.
Por fim, disse que essa causa de modificação de competência atenta contra os princípios do devido processo legal, do contraditório, da ampla defesa e da razoabilidade/proporcionalidade.
Os processos passaram pelo ministro Cezar Peluso e Sepúlveda Pertence até chegarem à relatoria do ministro Dias Toffoli.
Voto
Em seu voto, ministro Toffoli observou que um dos objetivos da reforma constitucional foi, justamente, a proteção do Estado Brasileiro contra a penalização, em nível internacional, pelo descumprimento das normas de garantia dos direitos humanos, nos casos de ineficiência das instituições internas de persecução e punição das violações aos direitos humanos. E que, "em verdade, a criação do nominado incidente de deslocamento de competência foi fruto da sucessiva frustração institucional na apuração e na condenação dos autores de ilícitos penais que atentavam gravemente contra os direitos humanos".
Para o ministro, o incidente de deslocamento deixa de ter como fundamento uma suposta debilidade da Justiça estadual ou uma putativa superioridade da Justiça Federal, fincando-se na máxima proteção dos direitos humanos e na possibilidade de a União atuar, inclusive internamente, como garantidora do cumprimento das obrigações internacionais assumidas pelo Estado brasileiro.
"Dessa forma, para além dos casos de ineficiência do aparato estadual, o incidente se justifica por fatores outros que estejam pondo ou possam pôr em ameaça o cumprimento de normas internacionais."
Concluindo que o dispositivo questionado não afronta cláusulas pétreas, o ministro concluiu pela insubsistência dos pedidos, no que foi acompanhado por todos os integrantes da Corte.
Leia a íntegra do voto.