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Caso Kiss

STJ mantém anulação do Júri da Boate Kiss

Maioria dos ministros da 6ª turma reconheceu nulidades processuais.

Da Redação

terça-feira, 5 de setembro de 2023

Atualizado às 17:26

Nesta terça-feira, 5, a 6ª turma do STJ decidiu manter anulado o Júri da Boate Kiss, realizado em dezembro de 2021, que condenou os quatro acusados pela tragédia em Santa Maria/RS. O incêndio na casa de shows, em janeiro de 2013, causou a morte de 242 pessoas e deixou feridas outras 636. O Júri foi anulado no ano passado pelo TJ/RS. Com a decisão, o Júri e as penas perdem a validade por conta de nulidades processuais.

O caso começou a ser analisado em junho, ocasião em que o relator, ministro Rogerio Schietti Cruz, votou pelo acolhimento do recurso do MP/RS, para restabelecer o Júri popular. O julgamento, contudo, foi suspenso por pedidos de vista dos ministros Sebastião Reis Júnior e Antonio Saldanha Palheiro.

Na sessão de hoje, com a retomada do caso, foi inaugurada a divergência pelo ministro Saldanha para reconhecer as nulidades e manter o Júri anulado. A maioria do colegiado o acompanhou.

 (Imagem: Arte Migalhas)

STJ volta a julgar recurso contra anulação do Júri da Kiss.(Imagem: Arte Migalhas)

Relembre

Em dezembro de 2021, o Tribunal do Júri condenou Elissandro Callegaro Spohr a 22 anos e seis meses de reclusão; Mauro Londero Hoffmann a 19 anos e seis meses; e Marcelo de Jesus dos Santos e Luciano Augusto Bonilha Leão, ambos à pena de 18 anos. O juiz estabeleceu o regime fechado para todos os réus e determinou a execução provisória das penas.

O TJ/RS, porém, anulou o Júri por quatro motivos principais:

  • irregularidades na escolha dos jurados, inclusive com a realização de um sorteio fora do prazo previsto pelo CPP;
  • a realização, durante a sessão de julgamento, de uma reunião reservada entre o juiz presidente do Júri e os jurados, sem a participação das defesas ou do Ministério Público;
  • ilegalidades na elaboração dos quesitos;
  • e a suposta inovação da acusação na fase de réplica.

Nulidades absolutas também exigem comprovação de prejuízo

Na primeira sessão, em junho, ao iniciar o seu voto, o ministro Rogerio Schietti manifestou solidariedade aos familiares, aos amigos e às centenas de vítimas da tragédia. O relator ressaltou a complexidade do processo (que já conta com mais de 68 mil páginas) e elogiou o comportamento de todas as partes, inclusive durante os dez dias de julgamento pelo Júri popular.

Exatamente pela magnitude do episódio e pelo caráter dramático do caso, o ministro destacou a necessidade de que o julgamento pelo Júri fosse conduzido "com certa flexibilidade, não a ponto de sacrificar os direitos dos acusados, mas na medida certa para não impedir a sua conclusão em tempo e modo devidos".

Em relação às nulidades no processo penal, Schietti comentou que a divisão clássica entre as relativas - que exigiriam comprovação de prejuízo e estariam sujeitas à preclusão - e as absolutas - as quais, em tese, não estariam sujeitas à preclusão e poderiam ser reconhecidas de ofício pela Justiça - vem sendo objeto de nova interpretação tanto pelo STF quanto pelo STJ, com a fixação de jurisprudência no sentido de que também as nulidades absolutas dependem da demonstração de efetivo prejuízo e podem ser atingidas pela preclusão.

Preocupação do juiz foi evitar adiamento da sessão

No tocante à escolha dos jurados, Schietti comentou que o juiz presidente fez três sorteios para a escolha de 150 jurados (entre 25 deles seriam sorteados os integrantes do conselho de sentença). Para o TJ/RS, o número foi excessivo, além de um dos sorteios ter ocorrido em 24 de novembro de 2021, fora do prazo previsto pelo CPP.

Na avaliação do ministro, contudo, a intenção do magistrado foi evitar o chamado "estouro de urna" (quando há impossibilidade de se formar o conselho de sentença pela insuficiência de jurados), em razão das dificuldades para encontrar pessoas aptas a participar do julgamento e por causa da pandemia da covid-19.

Além disso, enfatizou, o juiz definiu a forma de sorteio com o objetivo de evitar o risco de adiamento da sessão, o que levaria não só a grandes prejuízos materiais e problemas operacionais, mas também teria um grave "custo emocional" para aqueles que aguardavam o julgamento.

O relator lembrou ainda que os quatro jurados escolhidos no sorteio fora do prazo legal não participaram do julgamento. "O conselho de sentença não contou com nenhum dos jurados que foram sorteados no dia 24/11/2021, o que evidencia a ausência de prejuízo em razão da realização do último sorteio de jurados extemporaneamente", disse.

Nulidades ocorridas em sessão plenária devem ser apontadas logo após ocorrência

Já em relação à suposta ilegalidade da reunião reservada entre o juiz e os jurados, Schietti destacou que as nulidades do julgamento em plenário devem ser atacadas logo após sua ocorrência, sob pena de preclusão, nos termos do artigo 571, incisos V e VII, do CPP. Além disso, é indispensável que a alegação de nulidade seja consignada na ata da sessão.

De acordo com Rogerio Schietti, não houve impugnação da reunião reservada na ata, mas apenas no recurso de apelação. "Assim, considerando que não houve impugnação da realização da referida reunião oportunamente em plenário, a matéria está preclusa", afirmou.

Segundo o relator, como consequência do restabelecimento da sentença condenatória, também deveria ser restabelecida a decisão na parte em que o magistrado de 1º grau determinou a prisão imediata dos réus. Ele entendeu ser necessário o retorno dos autos ao TJ/RS para que, afastadas as nulidades, a Corte analise as outras questões levantadas nas apelações.

Divergência

A sessão desta terça-feira, 5, foi iniciada com os votos-vista dos ministros Sebastião Reis Júnior e Antonio Saldanha Palheiro.

Primeiro a falar foi o ministro Saldanha Palheiro, inaugurando a divergência. S. Exa. ponderou, inicialmente, que se tratando de Tribunal do Júri, quanto mais controvertido for o processo, maior deve ser o cuidado na observância da legalidade estrita.

O ministro votou para que as nulidades reconhecidas pelo TJ/RS sejam mantidas. No tocante ao sorteio dos jurados, considerou que ainda que se pudesse cogitar a flexibilização da norma, as circunstâncias apresentadas não são suficientes para justificar o número exacerbado de jurados.

A respeito da reunião reservada, entendeu que o recurso sequer poderia ser conhecido. E destacou que, no Tribunal do Júri, a postura do juiz tem que ser extremamente cuidadosa. "O cuidado tem que ser redobrado, ainda mais em um julgamento com essa publicidade."

Segundo Saldanha Palheiro, o fato de o juiz se reunir reservadamente com os jurados traz uma fundada preocupação de que possa ter ocorrido algum tipo de influência, ainda que não proposital.

Sobre a suposta inovação, disse que pode, sim, ter influenciado na avaliação dos jurados e, por esse motivo, votou pelo reconhecimento da nulidade.

No que tange a formulação dos quesitos, salientou que é causa de nulidade absoluta, afastando a hipótese de preclusão.

Assim sendo, negou provimento ao recurso do MP/RS, mantendo a anulação do Júri conforme decidido pelo TJ/RS.

Veja a íntegra do voto:

O ministro Sebastião Reis acompanhou a divergência, deixando o placar em 2 a 1 pela manutenção da anulação.

Terceiro a votar na sessão foi o desembargador convocado Jesuíno Rissato. S. Exa. acompanhou o relator para afastar as nulidades referentes ao sorteio de jurados e alegado excesso de acusação, mas acompanhou a divergência para negar provimento ao recurso do MP/RS em relação às ilegalidades na elaboração dos quesitos e na reunião reservada do juiz com os jurados.

A última a proferir voto foi a ministra Laurita Vaz, também para acompanhar a divergência, porém com menor extensão.

Nota do MP/RS

Sobre o julgamento desta terça-feira, 05 de setembro, que manteve a anulação do júri da boate Kiss, o Ministério Público do Rio Grande do Sul ressalta que respeita a decisão do Superior Tribunal de Justiça (STJ), mas lamenta profundamente que o recurso da instituição não tenha sido aceito.

O MPRS se solidariza com as vítimas e seus familiares e entende que a demora na finalização do processo revitimiza a todos e gera a sensação de injustiça. O Ministério Público continuará lutando pela responsabilização de todos os envolvidos.

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