STJ: É ilegal gravação com auxílio do MP sem autorização judicial
Decisão da 6ª turma supera entendimento aplicado até então pela Corte sobre a licitude desse tipo de prova.
Da Redação
quarta-feira, 16 de agosto de 2023
Atualizado às 16:35
São nulas captações ambientais realizadas sem conhecimento do interlocutor e com auxílio do Ministério Público sem autorização judicial. Assim decidiu a 6ª turma do STJ, seguindo voto do ministro Sebastião Reis Jr.
A decisão do colegiado supera entendimento da Corte sobre o tema. Em 2018, por exemplo, a 5ª turma legitimou a gravação feita por vítima de um crime com objetivo de assegurar seu direito.
Ao apresentar voto-vista, Sebastião Reis observou que, diferentemente dos precedentes - em que a captação ambiental foi feita pela vítima com auxílio de material da polícia -, no caso em julgamento tratou-se de coautor preparado e monitorado pelo MP, como se fosse agente infiltrado, situação para a qual a legislação vigente à época dos fatos exige decisão judicial.
"Não divirjo quanto à validade em tese de gravação realizada por um dos interlocutores sem o conhecimento do outro, não protegida por um sigilo legal. (...) No entanto, tenho ressalvas quanto a gravação realizada por interlocutor com apoio dos órgãos de persecução penal, à revelia das formas legais. (...) A participação da polícia ou do MP na produção da prova exerce a atração dos marcos legais, que, no caso, exigiam 'circunstanciada autorização judicial'. Não obtida a chancela do Poder Judiciário, opera a regra de exclusão, pois a prova em questão é ilícita."
Os ministros da 6ª turma, por maioria, seguiram o voto de S. Exa.
O caso
Os réus, funcionários públicos, foram acusados de peculato e de integrarem organização criminosa. Ocorre que um dos integrantes do grupo dirigiu-se até o MP/GO e, ao realizar denúncia, recebeu aparamento de captação de áudio para gravar encontro com outro participante da organização denunciada.
No processo, os acusados sustentaram que as captações ambientais foram ilícitas, pois realizadas sem autorização judicial, de forma que todo o processo deveria ser anulado, pois eivado de vício probatório. O pedido foi negado pelas instâncias anteriores.
Em recurso ao STJ, os réus pediram o trancamento do processo, com o reconhecimento da nulidade das captações, dos registros e das análises promovidas, bem como o reconhecimento da ilicitude do uso de particular como agente infiltrado e das provas derivadas.
Em decisão monocrática, ministro Rogério Schietti Cruz negou provimento ao recurso, por considerar a desnecessidade de autorização judicial prévia para que gravação ambiental, realizada por um dos interlocutores, seja utilizada como meio de prova em processo penal.
Irresignados, os réus interpuseram agravo para julgamento pelo colegiado, alegando, em suma, que a decisão do relator trouxe precedentes não aplicáveis à situação concreta, pois, nestes, a captação ambiental fora feita pela vítima dos crimes. No caso julgado, por sua vez, tratava-se de coautor preparado e monitorado pelo MP como agente infiltrado.
Orientação do MP
Após o voto do relator, negando provimento ao agravo, ministro Sebastião Reis Jr. apresentou voto-vista manifestando-se por prover o pedido.
Ele destacou que o caso em análise não é de conversa privada em que um dos interlocutores toma a iniciativa de gravar, mas de conversa gravada com orientação e acompanhamento direto do órgão de investigação estatal. "São situações bem distintas." S. Exa. concluiu que, no caso, o parâmetro normativo a ser usado deveria ser o da lei 9.034/95, tendo em vista que vigente à época da produção da prova. Essa lei exigia, expressamente, circunstanciada autorização judicial para a captação ambiental.
"Aqui é importante afirmar que a produção da prova obtida com colaboração de órgão estatal deve observar as fórmulas legais, tendo em conta a contenção da atuação estatal, cingindo-o, por princípio, às fórmulas do devido processo legal. Ao permitir a cooperação de órgão de persecução, a jurisprudência pode encorajar atuação abusiva, violadora de direitos e garantias do cidadão, até porque sempre vai pairar a dúvida se a iniciativa da gravação partiu da própria parte envolvida ou do órgão estatal envolvido."
O ministro entendeu que, mesmo se o órgão tiver sido procurado de forma espontânea pela parte interessada, é difícil acreditar que o MP não tenha orientado quanto ao teor do diálogo a ser tentado. Segundo Sebastião Reis, quando o MP fornece equipamento, ele entra em contato com o particular, aproximando-o da figura de um agente colaborador, ou infiltrado, e de suas restrições.
Assim, considerando a efetiva e reconhecida participação do MP na obtenção da prova sem prévia autorização judicial, o ministro considerou a gravação ilegal, devendo ser excluída, bem como todas as provas dela derivadas.
O voto foi acompanhado pelo ministro Antonio Saldanha Palheiro e pelo desembargador convocado Jesuíno Rissato, ficando o ministro Sebastião Reis designado para lavrar o acórdão.
- Processo: RHC 150.343
Confira o voto-vista.