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XXVIII Seminário de Verão

Em Portugal, professor Gabriel Chalita homenageia Lewandowski

Discurso de homenagem ocorreu no XXVIII Seminário de Verão, na Universidade de Coimbra. Confira a íntegra.

Da Redação

sexta-feira, 21 de julho de 2023

Atualizado às 12:16

Uma homenagem ao ministro aposentado do STF Ricardo Lewandowski foi proferida pelo professor e escritor Gabriel Chalita, em Portugal. A apresentação foi realizada durante o XXVIII Seminário de Verão, na Universidade de Coimbra.

No texto, Chalita enaltece as virtudes do homenageado em todas as suas funções, tanto profissionais quanto pessoais. 

"Ricardo Lewandowski como advogado, como desembargador, como ministro do STF, como presidente dos três poderes da República, em momentos diferentes, jamais se deixou inebriar pelo poder, ao contrário, prosseguiu cioso do seu ofício de fazer o certo, de jamais negligenciar sua intenção de abraçar o bem-comum como consequência do exercício do poder."

Lembra, ainda, de seu importante papel como professor, que inspirou e inspira seus alunos, e destacou o senso de ética de Lewandowski, que jamais se deixou inebriar pelo poder. 

 (Imagem: Gabriela Biló/Folhapress | Bruno Poletti/Folhapress)

Ricardo Lewandowski, ministro aposentado do STF, é homenageado em Portugal pelo professor e escritor Gabriel Chalita.(Imagem: Gabriela Biló/Folhapress | Bruno Poletti/Folhapress)

Leia a íntegra: 

O Direito na Encruzilhada - Economia, Proteção, Clima, Saúde e Alimentação

Esta é uma noite especial.

É o encerramento de mais uma jornada em que mulheres e homens se debruçaram sobre temas que dialogam o cabedal de repertórios teóricos com as vivências cotidianas no fazer justiça.

Foram dias de intensa convivência, com as pessoas e com os saberes. Com os pensadores consagrados do direito de Portugal e do Brasil e com os jovens estudantes que olham para o futuro com os olhos de esperança. Não da esperança que espera. Da esperança que faz!

E, nesse jantar de encerramento, decidiu o Seminário homenagear um grande jurista brasileiro, o professor, o ministro, o homem consciente do compromisso civilizatório de ser justo, Ricardo Lewandowski. 

Quero dizer, em palavras iniciais, que vou respeitar o gentil pedido do homenageado. Jantamos em Lisboa, na véspera da nossa vinda a Coimbra, e ele, com seu habitual bom humor e com sua visível virtude da humildade, disse que eu não me preocupasse em discorrer sobre o seu currículo, que isso cansaria as pessoas em um jantar de confraternização. E sugeriu que eu falasse sobre a nossa amizade.

Pois bem, pedido de ministro da Suprema Corte não se discute, cumpre-se! Ou melhor, pedido de amigo, nascido de tanta gentileza, cumpre-se!

Quero, então, caro Ministro, cara Yara, a mulher que constrói com ele os cotidianos de uma história de amor há mais de 40 anos, discorrer modestamente sobre a amizade.

Para isso, vou me valer de três tempos da história e de alguns de seus pensadores.

O primeiro tempo é o tempo de Aristóteles e de sua fundante obra "Ética a Nicômaco". Nessa obra, escrita ao seu filho para que ele compreendesse os caminhos da felicidade, para que ele soubesse que o bom é ser bom, para que ele abraçasse as virtudes, Aristóteles escreve sobre a amizade. Compara a amizade com a justiça. Chama a justiça de mais bela do que a estrela vespertina, tamanha sua importância para a pacificação das relações sociais e para o atingimento da grande vocação humana que é a felicidade. 

E, depois da justiça, diz que ainda superior a ela é a amizade. Porque quem é justo precisa de amigos. E quem é amigo já é justo. Não há amizade na injustiça. Não há amizade nas relações interesseiras, nos comportamentos egóicos, no descasamento da razão com a emoção.

Ricardo Lewandowski poderia, também, ter escrito um livro sobre a ética. Ética a Ricardo ou Ética a Lívia ou Ética a Enrique. Seus filhos. Seus amados filhos. E ele e Yara escreveram com a vida esse tratado da ética. Aristóteles falava do hábito de fazer o correto. O hábito que vem dos ensinamentos e dos exemplos. Que família incrível. Que exemplo de elegância, de respeito ao próximo, de compreensão de que o poder é um serviço não uma exibição de arrogâncias.

Ricardo Lewandowski como advogado, como desembargador, como ministro do STF, como presidente dos três poderes da República, em momentos diferentes, jamais se deixou inebriar pelo poder, ao contrário, prosseguiu cioso do seu ofício de fazer o certo, de jamais negligenciar sua intenção de abraçar o bem-comum como consequência do exercício do poder. 

Como professor, inspirou e inspira uma plêiade de alunos. Porque acredita no que diz, porque diz o que vive, porque vive a coerência dos que cultivam a sabedoria nos discursos e nas ações. 

Que bela sabedoria a resposta de Montaigne à pergunta sobre sua amizade com Étienne de La Boétie. Por que um amor amigo tão amigo? Por que a experiência profunda do amor na amizade? Esse é o segundo tempo no tema da amizade.

La Boétie foi um filósofo que escreveu, em sua juventude, um belo tratado sobre a liberdade. Incompreendia ele a razão de deixarem os humanos a vocação para a liberdade para abraçarem as correntes da escravidão. Escravos voluntários. Por quê? Dá ele três razões, pelo medo, pelo costume e pela participação na tirania. Montaigne é o pensador dos ensaios belíssimos sobre o existir humano, sobre a política como instrumento de construção de sociedades livres e solidárias. 

Eram amigos. Muito amigos. E a resposta que deu Montaigne à pergunta sobre sua amizade com La Boétie, por que se amavam tanto, foi:

"Porque era ele, porque era eu". Apenas isso.

A compreensão de que as diferenças jamais podem resultar em desigualdades. A filosofia, hoje, valoriza, cada vez mais, o princípio da singularidade. Não há duas pessoas iguais no mundo. Cada um é artista da sua arte, é escritor da sua escrita, é julgador dos seus julgamentos internos, é responsável pela responsabilidade essencial de conviver no mundo. 

E o Ministro Lewandowski foi sempre um defensor incansável dos princípios que nascem do princípio nuclear da Constituição Federal de 1988, a dignidade da pessoa humana. Dignamente, defendeu as minorias, ousou em seus acórdãos ao enxergar os que mais sofriam e compreendeu agindo que sem compaixão não há justiça.

Na terceira incursão do tema da amizade ou no terceiro tempo, quero destacar o "enxergar", o prestar atenção, o ouvir com respeito.

Estamos em Portugal, terra de tantas e de tantos que poetizaram a vida em seus textos e que foram além-mar nos inspirar.

Terra de Pessoa, de Fernando Pessoa. O poeta que é um e que é tantos. O poeta que assim disse:

Para ser grande, 

Sê inteiro.

Nada teu

Exagera ou exclui.

Sê todo em cada coisa.

Põe quanto és no mínimo que fazes.

Assim, 

em cada lago, 

A lua toda brilha 

Porque alta vive. 

E diz mais...

Ó sino da minha aldeia, 

Dolente na tarde calma, 

Cada tua badalada 

Soa dentro da minha alma. 

E prossegue...

Valeu a pena? 

Tudo vale a pena, 

Se a alma não é pequena. 

A alma de Lewandowski, definitivamente, não é pequena. 

Quero falar para vocês de um jovem garçom que nos abordou nesse jantar em que o meu amigo Lewandowski pediu que eu falasse apenas da nossa amizade. O jovem garçom é um brasileiro trabalhando em Lisboa. Fez ele o curso de direito. Fez um curso que o autoriza a pilotar helicópteros. É casado. Tem uma filha com sua esposa. Tem uma enteada do primeiro casamento de sua mulher que não pôde vir com eles para Portugal. Contou essa e algumas outras histórias no pouco tempo daquele jantar. 

E por que ele se sentiu tão à vontade para narrar a história de sua vida? Porque o ministro Lewandowski o enxergou, o tratou com respeito, se debruçou sobre os seus problemas e ainda pediu ao querido amigo Pablo Meneses, tão distribuidor de bondades, que o ajudasse. E isso já está acontecendo.

Amigas e amigos, se não podemos resolver os problemas do mundo, tentemos ajudar a resolver os problemas dos mundos que de nós se aproximam. 

O amor ao próximo. O lindo ensinamento do jovem de Nazaré, que nos explicou a conjugação do verbo amar com seu derivativo mais palpável, o cuidar. 

Cuidemos dos nossos próximos. Esse é o ensinamento desse pai, esposo, professor, jurista, amigo, Ricardo Lewandowski. 

Cuidemos de sermos inteiros em nossas ações. Cuidemos de vencer o que nos diminui para sermos grandes, para, em nossa grandeza, convidarmos mais e mais mundos a brilhar conosco.

Homens como Lewandowski sintetizam a lua de Pessoa que brilha inteira, que brilha grande nos lagos tantos que temos a oportunidade de conhecer no espaço/tempo do nosso existir. 

Agradeço a oportunidade de proferir essa oração e de conviver com as senhoras e os senhores nessa noite da justiça e da amizade. Encerramos, aqui, um belo seminário. Iniciamos, aqui, a obrigação de não desistirmos da incansável tarefa de fazer o bem. 

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