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Caso Boate Kiss

Boate Kiss: Schietti vota por prisão de réus; vista suspende análise

Os ministros Antonio Saldanha e Sebastião Reis interromperam o julgamento.

Da Redação

terça-feira, 13 de junho de 2023

Atualizado em 14 de junho de 2023 09:16

Nesta terça-feira, 13, a 6ª turma do STJ começou a julgar recurso no qual o Ministério Público pretende restabelecer a condenação dos acusados pelo incêndio na Boate Kiss, ocorrido em 2013, em Santa Maria/RS, e que deixou 242 mortos e mais de 600 feridos.

Após o voto do relator, ministro Rogerio Schietti Cruz, acolhendo o apelo ministerial e determinando a prisão imediata dos quatro condenados, o julgamento foi suspenso por pedidos de vista dos ministros Antonio Saldanha Palheiro e Sebastião Reis Jr. Não há prazo para retomada do julgamento.

Processo

Em agosto do ano passado, a 1ª câmara Criminal do TJ/RS aceitou recurso protocolado pela defesa dos acusados e reconheceu nulidades processuais ocorridas durante sessão do Tribunal do Júri de Porto Alegre, realizada em dezembro de 2021. Após a decisão, os acusados passaram a responder ao processo em liberdade, e o MP/RS recorreu da decisão.

 (Imagem: Arte Migalhas)

6ª turma do STJ julga recurso do Ministério Público contra anulação do Júri da Boate Kiss.(Imagem: Arte Migalhas)

Sustentações orais

No início do julgamento, a presidente da 6ª turma, ministra Laurita Vaz, disse que o caso Kiss foi uma das piores tragédias vivenciadas pela nação. "Sensibilizou a todos os brasileiros e especialmente a população de Santa Maria."

Logo em seguida, começaram as sustentações orais. Pelo MP/RS falou a procuradora Irene Soares Quadros. Em sua fala, ela ponderou que existem dois tipos de nulidades - as absolutas e as relativas. "As absolutas violam questões constitucionais, já as relativas atingem normas que tutelam não o interesse público, mas o interesse privado da parte."

Segundo Irene, no caso da Kiss, tratam-se de nulidades relativas, que estão sujeitas a preclusão e prova do prejuízo.

"Para quem sofre 10 minutos é uma eternidade. Eles estão esperando há 10 anos. Essas nulidades não ocorreram."

Ato contínuo sustentou o advogado Jean de Menezes Severo em defesa de Luciano Bonilha, produtor musical. "Eu estou defendendo um homem trabalhador, honesto, íntegro e injustiçado. Não me venha falar que não ocorreram nulidades."

Ele disse, ainda, que Santa Maria está "madura" e "pronta" para realizar um novo Júri.

O próximo a subir na tribuna foi o advogado Jader da Silveira Marques, pelo réu Elissandro Callegaro Spohr, ex-sócio da boate. Assim como seu antecessor, também apontou que houve nulidades absolutas no Júri.

Bruno de Menezes sustentou em defesa de Mauro Londero Hoffmann, também ex-sócio da Kiss. Segundo o advogado, não pode o caminho para uma das partes ser mais tortuoso do que para a outra.

"A tônica das nulidades aqui discutidas resume-se a surpresas, senhores ministros. Jurados sorteados as vésperas do julgamento, reunião secreta entre juiz e jurados, argumentos acusatórios criados em sede de réplicas e quesitos construídos a partir de elementos fáticos que foram afastados na decisão de pronúncia."

A palavra em seguida foi passada para a única mulher na bancada, a advogada Tatiana Vizzoto Borsa, que falou pelo músico Marcelo de Jesus dos Santos.

"Tribunal do Júri deve ser transparente, deve ter lealdade. Queremos Justiça, não queremos vingança. Ninguém quer fazer papel de 'coitadinho', queremos que a lei seja cumprida."

Última a sustentar foi a procuradora Raquel Dodge, pelo MPF. Dodge opinou favoravelmente ao cumprimento das condenações por entender que as nulidades apontadas são relativas e não atingiram o cerne do devido processo legal. Veja o parecer emitido no mês passado.

Voto do relator

Ministro Schietti, relator, começou seu voto expressando solidariedade às famílias e amigos das vítimas da Kiss.

S. Exa., depois, passou a analisar as nulidades apontadas:

A respeito da escolha dos jurados ter sido feita depois de três sorteios, Schietti votou para afastar a nulidade declarada pelo Tribunal gaúcho.

Segundo o relator, a conduta do julgador foi fundamentada na real possibilidade de haver ausências e tomada acertadamente para não ocorrer o adiamento do julgamento.

"Houvesse ele se limitado a realizar um único sorteio a sessão do Júri não teria sido levada a campo. Não há nulidade em convocar suplentes."

Adiante, o ministro viu preclusão na conversa particular do juiz com os jurados, sem a presença de representantes do Ministério Público ou dos advogados de defesa. E também identificou preclusão na nulidade da quesitação por excesso acusatório.

Na avaliação de Schietti, o juiz foi zeloso e comprometido com a Justiça. "O magistrado tomou todas as providências para garantir que o processo não se arrastasse por mais tempo."

"Se trata do julgamento de uma tragédia ímpar, cujos efeitos, mesmo passados mais de dez anos de sua ocorrência, se refletem nas vidas de familiares e amigos das 242 vítimas e das 636 sobreviventes do incêndio. Circunstâncias que indicam a necessidade de maiores cautelas na realização do julgamento."

Assim, acolheu o apelo ministerial e determinou que o Tribunal gaúcho avalie as questões que julgou prejudicadas. Também votou pela imediata prisão dos quatro réus.

Em seguida, o julgamento foi interrompido por pedido de vista.

Depoimentos

Migalhas esteve in loco acompanhando o julgamento e conversou com Alexandre Saltz, procurador-Geral de Justiça do RS. Segundo Saltz, o voto do relator mostrou um acerto das decisões tomadas pelo magistrado presidente do Júri e da atuação do MP.

"STJ quis que os familiares das vítimas e a sociedade gaúcha aguardassem por mais um tempo. Nós vamos aguardar, mas a Justiça vai ser feita, não temos dúvida disso."

Flávio Silva, pai de Andrielle Righi da Silva, uma das vítimas, diz que a sensação depois do julgamento de hoje é de amargura. "Até quando vamos ter condições de saúde para acompanhar esse desfecho jurídico que não acaba nunca?"

Paulo Carvalho, que perdeu seu filho Rafael Carvalho na Kiss, elogiou o voto do ministro Rogerio Schietti: "exemplar, detalhadíssimo".

Relembre o caso

A tragédia começou por volta de três horas da manhã do dia 27 de janeiro de 2013, quando o vocalista da banda Gurizada Fandangueira, Marcelo de Jesus dos Santos, acendeu um objeto pirotécnico dentro da boate, em Santa Maria, no Rio Grande do Sul. O local sediava a festa universitária denominada "Agromerados".

A espuma do teto foi atingida por fagulhas e começou a queimar. A fumaça tóxica fazia as pessoas desmaiarem em segundos. O local estava superlotado, não tinha equipamentos para combater o fogo, nem saídas de emergência suficientes. Morreram pessoas que não conseguiram sair e outras que tinham saído, mas voltaram para ajudar.

A tragédia deixou 242 pessoas mortas e 636 feridos.

Cronologia

Veja abaixo uma linha do tempo com os fatos jurídicos mais importantes:

  • 27 de janeiro de 2013

Incêndio atinge a boate Kiss.

  • 28 de janeiro de 2013

Um dia depois, a Justiça decreta a prisão temporária de Elissandro Callegaro Spohr, ex-sócio da boate; Mauro Londero Hoffmann, também ex-sócio; Marcelo de Jesus dos Santos, vocalista da banda Gurizada Fandangueira, e Luciano Bonilha Leão, produtor musical.

  • 1º de março de 2013

Justiça revoga as prisões temporárias e decreta a prisão preventiva dos quatro acusados.

  • 2 de abril de 2013

MP acusa Elissandro Callegaro Spohr, Mauro Londero Hoffmann, Marcelo de Jesus dos Santos e Luciano Bonilha Leão por homicídio doloso qualificado e tentativas de homicídio.

  • 3 de abril de 2013

Acusados viram réus após o juiz Ulysses Louzada, da 1ª vara Criminal de Santa Maria, aceitar a denúncia.

  • 29 de maio de 2013

Os quatro réus são soltos após a Justiça conceder liberdade provisória e passam a responder ao processo em liberdade.

  • 27 de julho de 2016

Justiça determina que os quatro réus do processo criminal sejam julgados em Júri popular.

  • 23 de março de 2017

TJ/RS rejeita recursos dos acusados contra a realização do Júri, mas retira as qualificadoras do crime, de motivo torpe e meio cruel.

  • 1º de dezembro de 2017

Com o crime doloso desconsiderado, decidiu-se que os réus não seriam julgados por Júri popular.

  • 18 de junho de 2019

Caso vai ao STJ e 6ª turma determina que os réus sejam levados ao Júri.

  • 5 de abril de 2021

Júri é marcado para o dia 1º de dezembro do mesmo ano, em Porto Alegre.

  • 1º de dezembro de 2021 a 10 de dezembro de 2021

Acontece o julgamento mais longo da história do Poder Judiciário do Rio Grande do Sul. Réus são condenados às seguintes penas:

Elissandro Callegaro Spohr: 22 anos e 6 meses

Mauro Londero Hoffmann: 19 anos e 6 meses

Marcelo de Jesus dos Santos: 18 anos

Luciano Bonilha Leão: 18 anos

Os condenados não saíram presos em razão de um habeas corpus preventivo concedido por desembargador da 1ª câmara Criminal do TJ/RS. Veja a íntegra da sentença de condenação.

  • 14 de dezembro de 2021

Ministro Luiz Fux, então presidente do STF, suspende a liminar e determina a prisão imediata dos quatro réus.

  • 16 de dezembro de 2021

Dois dias depois, por 2 votos a 1, a 1ª câmara Criminal do TJ/RS ratifica o HC preventivo e concede em definitivo a liberdade para os réus. Em razão de nova ordem do presidente do STF, sustando os efeitos de uma eventual concessão do HC, não foram expedidos alvarás de soltura e os réus permaneceram presos.

  • 3 de agosto de 2022

A 1ª câmara Criminal do TJ/RS reconhece nulidades processuais e anula as condenações dos quatro acusados, que foram colocados em liberdade.

  • 13 de junho de 2023

6ª turma do STJ analisa recurso do Ministério Público que pede o restabelecimento da sentença condenatória e a prisão preventiva dos réus.