STJ: Possuidora de imóvel encravado tem direito a passagem forçada
Relatora Nancy Andrighi observou que direito a passagem forçada está incluído dentre os direitos de vizinhança, podendo ser solicitado passagem ao vizinho da propriedade.
Da Redação
domingo, 11 de junho de 2023
Atualizado às 08:54
3ª turma do STJ decidiu que possuidora de imóvel encravado tem direito a passagem forçada, no termos do art. 1.285 do Código Civil. Segundo o colegiado, a existência da posse sem a possibilidade concreta de usar da coisa em razão do encravamento significaria retirar do imóvel todo seu valor e utilidade.
No caso dos autos, uma moradora de Foz do Iguaçu/PR pediu tutela de urgência em caráter antecedente para a desobstrução de uma estrada, a fim de ter acesso ao imóvel do qual era possuidora.
Assim, o juiz determinou que a empresa proprietária do terreno vizinho realizasse a imediata desobstrução, sob pena de multa diária de R$ 1 mil, limitada ao valor total de R$ 100 mil.
A ação de passagem formada foi ajuizada, mas a sentença extinguiu o processo sem resolução do mérito, sob o fundamento de que a mulher não teria legitimidade ativa por não ser proprietária do bem, somente possuidora.
O TJ/PR deu provimento à apelação da possuidora, o que motivou a interposição de recurso especial por parte da empresa.
Vínculos ao imóvel
Ministra Nancy Andrighi, relatora do recurso, observou que o direito a passagem forçada está incluído dentre os direitos de vizinhança. Segundo o qual, o proprietário de imóvel que não tiver acesso a via pública, nascente ou porto pode solicitar passagem ao proprietário vizinho, mediante pagamento de indenização como compensação pelo uso de seu terreno.
A relatora acrescentou que tal ato encontra fundamento nos princípios da solidariedade social e da função socioeconômica da propriedade e da posse.
Ademais, Andrighi afirmou que, quanto à titularidade ativa do direito, apenas a interpretação literal do art. 1.285 do CC poderia conduzir à conclusão de que somente o proprietário teria direito à passagem forçada.
Contudo, segundo a ministra, o instituto se encontra vinculado muito mais ao imóvel encravado do que propriamente ao seu titular, ou seja, almeja-se a manutenção do valor e da utilidade socioeconômica da própria coisa.
"Muito embora a propriedade e a posse não se confundam, ambas garantem ao seu titular a possibilidade de usar e fruir da coisa e são essas prerrogativas comuns que, exercidas dentro dos parâmetros legais e constitucionais, garantem o respeito ao princípio da função social, que é o fundamento do direito à passagem forçada."
Ela destacou que de nada valeria a condição de possuidor de imóvel encravado se a ele não fosse também atribuído o direito a passagem forçada quando necessário, pois, caso contrário, seria possuidor de imóvel destituído de qualquer valor, utilidade e função, o que violaria o princípio da função social.
Recusa de passagem
A ministra ressaltou, também, que negar o direito a passagem forçada ao possuidor significaria autorizar, pelo vizinho do imóvel encravado, o uso anormal da propriedade, segundo o qual o indivíduo perturba a saúde, a segurança e o sossego daqueles que possuem propriedade vizinha.
"O vizinho que recusa passagem ao possuidor do imóvel encravado exerce seu direito de maneira não razoável, em desacordo com o interesse social e em prejuízo da convivência harmônica em comunidade, o que configura não apenas uso anormal da propriedade mas também ofensa à sua função social, situação que não merece a tutela do ordenamento jurídico."
- Processo: REsp 2.029.511
Leia o acórdão.
Informações: STJ.