Magistrado permite processamento de recuperação de associação civil
Segundo o desembargador, associações civis podem pedir recuperação judicial quando demonstrado que, a despeito de não terem fins lucrativos, exercem, com habitualidade, atividade econômica organizada voltada à produção e/ou à circulação de bens ou serviços.
Da Redação
quinta-feira, 25 de maio de 2023
Atualizado às 14:30
Desembargador Maurício Pessoa, do TJ/SP, concedeu tutela recursal para determinar o prosseguimento do processamento do pedido de recuperação judicial de uma associação civil sem fins lucrativos.
Na origem, a entidade alegou que promove a prestação de serviços de saúde e faz atendimentos de alta e média complexidade para toda a população de Fernandópolis/SP e região, atingindo, assim, mais de 100.000 habitantes. De acordo com a associação, ela exerce relevante papel social, pois cerca de 80% dos seus pacientes são oriundos do SUS, é classificada como OSS - Organização Social de Saúde e CEBAS - Entidade Beneficente de Assistência Social, prestando serviços essenciais à coletividade.
Em 1º grau o pedido de urgência de recuperação judicial foi extinto sem resolução de mérito, com fundamento no art. 485, inciso VI, do CPC.
Desta decisão houve interposição de recurso sob o argumento de que o Poder Judiciário vem autorizando o uso do instituto da recuperação judicial como meio de superação de crise econômico-financeira por entidades sem fins lucrativos que exerçam atividade econômica e social relevante, ainda que não distribuam lucros.
O caso foi analisado monocraticamente pelo desembargador Maurício Pessoa. O magistrado entendeu que a entidade tem, sim, legitimidade para pedir recuperação judicial.
"Conquanto não se ignore a expressa redação do artigo 1º da Lei nº 11.101/2005, segundo o qual o instituto da recuperação judicial é destinado exclusivamente ao 'empresário e [à] sociedade empresária', há probabilidade do direito invocado pela apelante, já que essa limitação parece não guardar correspondência com a realidade, nem com os importantes propósitos que motivaram a redação da própria Lei nº 11.101/2005."
Segundo o julgador, atenta à realidade social, a jurisprudência também vem se orientando pelo reconhecimento da legitimidade ativa das associações civis para pedir recuperação judicial quando demonstrado que, a despeito de não terem fins lucrativos, exercem, com habitualidade, atividade econômica organizada voltada à produção e/ou à circulação de bens ou serviços, em linha com a definição de empresário prevista no art. 966 do Código Civil.
"Os documentos processados indicam, dente outras informações, números expressivos de receitas anuais, na ordem das dezenas de milhões de reais, a celebração de contratos e convênios celebrados com diversas entidades, a prestação de atendimento a milhares de pacientes, sendo a maioria oriunda do Sistema Único de Saúde (SUS), aproximadamente 500 colaboradores ativos, além de despesas de grande monta com o pagamento de fornecedores, trabalhadores e tributos."
De acordo com a avaliação do desembargador, essas circunstâncias revelam de forma suficiente, ao menos no atual estágio processual, que, independentemente de ser desprovida do propósito de auferir lucro e, por conseguinte, de não se encaixar na acepção tradicional de "empresária", a apelante é agente econômico, pois promove a criação e circulação de riquezas, organiza e coordena os fatores de produção, realiza a função social da atividade econômica a partir da prestação de serviços para a comunidade, da geração de empregos diretos e indiretos e de tributos.
Assim sendo, concedeu a tutela parcialmente apenas para determinar o prosseguimento do processamento do pedido de recuperação judicial na origem, mediante a instauração, pela apelante, de incidente processual que deverá tramitar sem segredo de justiça.
O escritório Santos Perego & Nunes da Cunha Advogados Associados patrocina a causa, que foi conduzida pelos sócios Rodrigo Santos Perego e Maria Luísa Nunes da Cunha e pelo advogado Saulo Costa Magalhães.
- Processo: 2106308-26.2023.8.26.0000
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