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Acesso aos autos

STJ permite que familiares de Marielle tenham acesso a investigações

"Imperioso que o Estado forneça respostas", afirmou o ministro Rogerio Schietti, relator do caso.

Da Redação

terça-feira, 18 de abril de 2023

Atualizado em 19 de abril de 2023 08:24

A 6ª turma do STJ, nesta terça-feira, 18, permitiu que familiares de Marielle Franco tenham acesso às investigações sobre o mandante do assassinato que vitimou a vereadora e seu motorista, Anderson Gomes, em 2018. O colegiado, por unanimidade, considerou que não há prejuízo em permitir que defensores e familiares da vítima tenham acesso aos autos do inquérito policial que investiga o caso.

O colegiado entendeu ser aplicavel às famílias das vítimas a súmula vinculante 14, do STF, segundo a qual é direito do defensor, no interesse do representado, ter acesso amplo aos elementos de prova já documentados em procedimento investigatório. A turma também levou em consideração recomendações internacionais para participação das famílias na investigação de homicídios, como o Protocolo de Minnesota, além das decisões recentes da Corte Interamericana de Direitos Humanos sobre o tema.

Em profundo voto, o ministro Rogerio Schietti, relator do caso, afirmou que passados 1.861 dias dos assassinatos, é não só razoável, mas imperioso, que o Estado forneça respostas às familiares acerca do andamento das investigações.

Assista a parte do voto de S. Exa.: 

"Partilho do entendimento de que este assassinato foi cometido em razão não apenas da atividade da parlamentar em defesa dos direitos humanos, mas também por se tratar de pauta conduzida por uma mulher, vinda da periferia, negra e bissexual. Ingredientes que em uma cultura patriarcal, misógina, racista e preconceituosa, potencializaram a reação de quem se sentia incomodado, quer pelas denúncias feitas no exercício do mandato parlamentar, quer pela postura de uma mulher intimorata, que, representando as citadas minorias, arrostou milicianos e policiais envolvidos na reiterada e permanente violação de direitos das pessoas que habitam as comunidades do Rio de Janeiro. Naquela ocasião, concluí tratar-se de um verdadeiro feminicídio político - o assassinato de uma mulher que, nessa condição, e como vereadora, lutava contra as desigualdades de gênero, de raça e de classe."

O crime

A vereadora do RJ Marielle Franco foi assassinada a tiros na noite de 14 de março de 2018, no bairro Estácio, RJ, em crime possivelmente político.

Ela estava dentro de um carro acompanhada de seu motorista, Anderson Gomes, quando um veículo emparelhou com o carro em que ela estava e efetuou diversos disparos. Marielle foi atingida por quatro tiros na cabeça e morreu na hora. Anderson Gomes foi atingido por três tiros e também morreu no local.

Voto do relator 

Ao votar, o ministro Rogerio Schietti explicou que o inquérito tem caráter sigiloso para garantir que a investigação não sofra interferências externas que possam comprometer o seu bom andamento. Contudo, segundo ele, tal sigilo não pode ser evocado para obstaculizar direitos e garantias fundamentais. Nesse contexto, explicou, é que o STF editou a súmula vinculante 14, a qual, na visão do ministro, permite interpretação que inclua não apenas os investigados, mas também as vítimas e as pessoas com interesse justificado no caso.

O ministro observou que a vítima, no processo penal brasileiro, tem uma posição secundária e é tratada como mera testemunha, carecendo de acesso à investigação. Em seu entendimento, "a falta de disposição legal no ordenamento jurídico brasileiro impede que as vítimas ou seus familiares participem ativamente da fase de investigação, limitando-as à fase judicial"Nesse sentido, segundo S. Exa., "os Estados devem utilizar mecanismos menos lesivos ao direito de acesso à Justiça, isto porque em nenhum caso o sigilo pode ser invocado para impedir que a vítima tenha acesso a um expediente de uma causa penal".

"Entendo que o direito de acesso da vítima ao que consta no inquérito policial deflui diretamente do princípio republicano. Trata-se de providência essencial para garantir ao ofendido o direito à verdade, à memória, à justiça e à devida reparação."

No caso, Schietti destacou que, ao contrário do consignado pelo Tribunal de origem, todas as investigações relacionadas às mortes de Marielle Franco e Anderson Gomes estão diretamente vinculadas entre si. O ministro indagou, ainda, "qual seria, portanto, o prejuízo em permitir o acesso dos defensores e familiares das vítimas aos autos do inquérito policial instaurado para apurar a autoria mediata e a motivação dos homicídios se são eles os principais interessados na elucidação dos fatos?".

No mais, S. Exa. pontuou que o caso envolve duplo assassinato em razão não apenas da parlamentar em defesa dos direitos humanos, "mas também por se tratar de pauta conduzida por uma mulher, vinda da periferia, negra e bissexual, ingredientes que em uma cultura patriarcal misógina, racista e preconceituosa potencializaram a reação de quem se sentia incomodado".

"Tais reflexões reforçam a plausibilidade e o direito inerentes ao pedido ora vindicado. Passados 1.861 dias dos assassinatos, parece-me não só razoável, mas imperioso que o Estado forneça respostas às recorrentes acerca do andamento das investigações."

Votou, assim, por dar provimento ao recurso para garantir aos familiares o acesso a elementos de provas já documentos nos autos do inquérito policial. 

O colegiado, por unanimidade, acompanhou o entendimento. 

Condenações

Acerca do caso Marielle, o que se tem até o momento são dois suspeitos: o ex-PM Ronnie Lessa, acusado de ter efetuado os disparos que atingiram a vereadora e seu motorista, e o ex-PM Élcio Queiroz, acusado de ter dirigido o veículo para que Lessa disparasse contra as vítimas.

Ambos estão presos preventivamente e irão a Júri Popular, por decisão proferida em 2020 pelo juiz de Direito Gustavo Kalil, da 4ª vara criminal do Rio. 

Além deste processo, Élcio Queiroz foi condenado em 2020 a cinco anos de prisão por porte ilegal de arma de uso restrito e posse irregular de arma de uso permitido.

Já Ronnie Lessa foi condenado em 2021 por destruição de prova, por ter jogado armas no mar. E, em 2022, foi condenado a 13 anos de prisão por tráfico de armas, motivo pelo qual foi expulso da polícia.

Em março de 2022, ministro Schietti negou absolver Ronnie Lessa, e manteve julgamento perante o júri.