Advogados analisam modulação de efeitos pelo STF em isenção de ICMS
Por seis votos a cinco, STF proibiu, a partir de 2024, a cobrança de ICMS na transferência de mercadorias.
Da Redação
sexta-feira, 14 de abril de 2023
Atualizado às 17:34
O STF modulou os efeitos de uma decisão de 2021 que invalidou trechos da lei Kandir sobre incidência de ICMS na transferência interestadual de mercadorias entre estabelecimentos de um mesmo contribuinte.
Migalhas procurou especialistas para saber como avaliam a decisão, e quais os efeitos práticos a partir dela.
Para o advogado Luiz Roberto Peroba Barbosa, do Pinheiro Neto Advogados, a decisão de mérito é acertada, mas a modulação de efeitos sempre gera polêmica porque o STF não apresenta um critério claro (financeiro ou jurídico) para sua aplicação.
"O placar de 6 x 5 inclusive enfatiza que esse não é um tema pacífico nem entre os ministros do tribunal", ressalta.
Ele explica que há três efeitos práticos para a decisão:
- Reconhecer que a decisão não afasta o direito ao crédito da operação anterior;
- Modular os efeitos da decisão a fim de que tenha eficácia pró-futuro a partir do exercício financeiro de 2024, ressalvados os processos administrativos e judiciais pendentes de conclusão até a data de publicação da ata de julgamento da decisão de mérito (29/04/2021);
- E que os Estados devem disciplinar a transferência de créditos de ICMS entre estabelecimentos de mesmo titular até 31/12/2023. Exaurido esse prazo sem que ocorra a regulamentação, fica reconhecido o direito dos sujeitos passivos de transferirem tais créditos.
Troca de mercadoria de prateleira
O advogado tributário Salvador Fernando Salvia acredita que a decisão foi acertada e que a modulação dos efeitos foi muito bem aplicada.
"Isso a gente já discutiu muito tempo e o ministro Fachin foi até feliz em dizer que a transferência entre estabelecimentos da mesma empresa é como uma troca de mercadoria de prateleira. É exatamente isso que acontece e é uma operação que não era para ser tributária mesmo. Então eu entendo que essa decisão foi muito acertada no sentido de regularizar a matéria."
Para o advogado, o efeito prático é que como o ministro deu a autonomia para os Estados regularem a matéria até a partir 2024, ele deixou aos Estados a maneira como eles devem regular a questão do crédito.
"O crédito acompanha a mercadoria, mas como esse crédito vai ser utilizado na filial, não está regulamentado pelos Estados. Então o ministro, na decisão, deixa claro que os Estados teriam que fazer uma medida. Pode ser pelo Confaz, inclusive, para regulamentar como é que esses créditos seriam usados no estabelecimento do mesmo titular, na filial. E se os Estados não fizerem isso, o ministro deixa claro no próprio voto que fica reconhecido o direito dos sujeitos passivos de transferirem tais créditos."
O advogado ressalta que o efeito prático é que pelo menos a partir de 2024, esses créditos vão poder ser utilizados pelas filiais, "na medida em que o crédito acompanha a mercadoria, e ela apenas não é tributária na transferência, mas a partir da filial, quando receber a mercadoria concreta junto, essa filial vai ter autonomia pra utilizar o crédito, seja pela regulamentação dos estados, ou seja pela própria decisão e pelo voto do ministro Fachin".
Perda de créditos
Segundo Betina Treiger Grupenmacher, advogada e professora titular de Direito Tributário da UFPR, a decisão é boa conceitualmente falando, mas será melhor se for efetivamente assegurado o direito de aproveitamento do saldo credor, dos créditos que estão na escrita nas empresas decorrentes do regime anterior.
"Créditos são ativos das empresas e não se pode, sob hipótese alguma, impedir que deem vazão aos créditos acumulados. O efeito prático só saberemos após a regulamentação pelos estados. Mas, em tese, não incidirá mais o impostos nas operações entre estabelecimentos do mesmo titular e com isso, não será mais destacado o imposto, não haverá recolhimento nem creditamento."
Para a advogada, em relação à questão de aproveitamento de crédito, de transferência de crédito de um estabelecimento para outro, precisava de fato de uma modulação para que as empresas não perdessem os créditos que elas acumularam nessas operações.
"Créditos são ativos da empresa. Eu acho inadmissível que as empresas percam ativos. Isso compromete o desenvolvimento econômico. Se causar um prejuízo desse porte para as empresas do varejo, por exemplo, essa circunstância pode levar a um encerramento de atividades. Tamanho e tão vultosos que são esses créditos que precisam ser aproveitados."
Outros problemas
As advogadas Fernanda Botinha Nascimento e Maria Carolina Torres, do Araújo e Policastro Advogados, a decisão também é acertada, porque pacifica um entendimento que o STF já vinha adotando há anos e que efetivamente observa os ditames da Constituição.
"Contudo, fato é que o dispositivo declarado inconstitucional já estava em vigor há quase trinta anos, razão pela qual as empresas acabaram por adequar suas operações e logística à sua aplicação. E é exatamente pela consolidação desse cenário que uma alteração com efeitos imediatos acarretaria grande incerteza jurídica. A necessidade de cautela foi tanta que o STF, a nosso ver acertadamente, decidiu pela modulação dos efeitos de sua decisão, para que tenha eficácia somente a partir do exercício seguinte."
Para as advogadas, contudo, a decisão acaba por descortinar outros problemas, quais sejam: os Estados em que se localizam os estabelecimentos de destino reconhecerão os créditos de ICMS recolhidos para o Estado de origem? Será possível transferir os créditos de um Estado para o outro?
"Assim, o STF não conseguiu solucionar um problema federativo essencial, e dificilmente será capaz de solucionar tais questões de ordem prática sem que o Legislativo faça sua parte e discipline como os créditos de ICMS serão ajustados entre os diversos Estados de modo a evitar onerações indevidas na cadeia produtiva, respeitando o princípio da não cumulatividade e prestigiando igualmente todos os entes federativos."
Alteração da propriedade
Para as advogadas Claudia Lopes Bernardino e Ninfe Dantas, do DD&L Advogados Associados, é uma decisão acertada, considerando o conceito de transferência e que o ICMS tem como fato gerador a circulação de mercadoria levando por base a mudança da titularidade, pois a transferência entre o mesmo contribuinte (matriz e filial) não gera por si só alteração da propriedade.
Segundo as especialistas, esta discussão acaba levando a outro emblemático problema: "são empresas diferentes matriz e filial?". Elas analisam que a jurisprudência vem reconhecendo como sendo a mesma pessoa jurídica.
Com esta modulação, os Estados poderão manter a cobrança do ICMS entre as transferências do mesmo contribuinte até dezembro de 2023, pois os efeitos da decisão só ocorrem em 2024, ressaltam.
"Atualmente alguns Estados já estavam deixa do de cobrar, mas o Amazonas, por exemplo, ainda permanecia na cobrança."