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Eugenista

Caso Jacinta: Direito da USP retira homenagem a Amâncio de Carvalho

Amâncio de Carvalho era médico catedrático de medicina legal e ligado à Sociedade Eugênica de São Paulo. No início do século passado, ele fez um experimento de embalsamamento de cadáver humano. O corpo usado foi o de Jacinta Maria de Santana, mulher negra que vivia nas ruas de SP.

Da Redação

sexta-feira, 31 de março de 2023

Atualizado às 14:54

Nesta quinta-feira, 30, após intensa pressão do movimento negro e dos estudantes, a Faculdade de Direito da USP decidiu retirar a homenagem a Amâncio de Carvalho, reconhecido eugenista, de uma de suas salas. O professor é acusado de violar o corpo de mulher negra.

Amâncio de Carvalho era médico catedrático de medicina legal e ligado à Sociedade Eugênica de São Paulo. No início do século passado, ele fez um experimento de embalsamamento de cadáver humano. O corpo usado foi o de Jacinta Maria de Santana, mulher negra que vivia nas ruas de SP.

Após sua morte, o cadáver foi entregue ao professor para estudos. O corpo, por sua vez, teria sido usado em experimentos e trotes no Largo S. Francisco.

Amâncio de Carvalho tem seu nome estampado em uma sala de aula e em uma rua. Agora, a Faculdade decidiu retirar as homenagens.

 (Imagem: Diário Nacional/Biblioteca Nacional)

Única fotografia conhecida de Jacinta, tirada em 1929, deitada num caixão.(Imagem: Diário Nacional/Biblioteca Nacional)

Quem foi Jacinta?

O Largo do São Francisco está perto de seu bicentenário. Ao longo dos anos, a instituição assistiu a mudanças culturais e foi obrigada a se modificar junto à sociedade. Neste contexto, conhecemos o caso de Jacinta Maria de Santana, revelado pela historiadora Suzane Jardim.

Pesquisas revelaram que Jacinta era uma mulher negra que vivia pelas ruas de São Paulo, e que teria falecido após passar mal, por "lesão cardíaca". Ela chegou a ser levada ao hospital pela polícia, mas não resistiu. E isso é tudo o que se sabe sobre ela.

Reportagem publicada pelo site Ponte afirma que Jacinta não foi fotografada em vida. Não foram identificados parentes ou pessoas que compunham seu círculo social, ou descoberto se tinha endereço.

No dia de sua morte, o corpo foi entregue ao médico, que a resumiu como "preta de cerca de trinta anos, hóspede habitual da polícia por sua desmedida intemperança".

O cadáver foi mantido por quase três décadas na Faculdade de Direito da USP, sendo usado para "ilustrar" aulas de medicina legal. Mas, ao que parece, o experimento não teve qualquer relevo ou reconhecimento científico.  

Mais grave: diz-se que, ao longo dos anos, o corpo de Jacinta foi constantemente desrespeitado por gerações de alunos, tendo sido utilizado em trotes e "brincadeiras".

A historiadora Suzane Jardim contou que o primeiro contato com a história de Jacinta ocorreu por meio de um periódico negro, que publicou, em 1929, notícia do enterro de uma múmia.

 (Imagem: Eduardo Knapp/Folhapress)

Faculdade de Direito da USP.(Imagem: Eduardo Knapp/Folhapress)

O médico

Antônio Amâncio Pereira de Carvalho teria a mais alta estima da elite nacional. Era considerado um dos melhores cirurgiões do Brasil, atendendo pacientes com alto poder aquisitivo num consultório próximo à praça da Sé. 

Segundo a reportagem do Ponte, Amâncio era amigo de João Maurício Wanderley, o Barão de Cotegipe, único senador do império a votar contra a lei Áurea, porque causaria crise econômica e desordem. 

Amâncio teria exercido papel fundamental no desenvolvimento da medicina legal, tendo sido ele o responsável por introduzir o estudo na Faculdade de Direito de SP. A afirmação é de Robinson Henriques Alves, doutor em História da Ciência pela PUC e professor da Universidade Municipal de São Caetano do Sul.

"Ele também foi presidente honorário da Sociedade Eugênica de São Paulo. Noutras palavras, defendia o embranquecimento da nação brasileira, ideal que legitimava a exposição do cadáver de uma moça negra em pleno Largo São Francisco."

O que é eugenia?

ChatGPT: Eugenia é a crença na melhoria genética da raça humana através do controle seletivo da reprodução. Em outras palavras, é a ideia de que é possível melhorar a qualidade genética da espécie humana ao selecionar e encorajar a reprodução de indivíduos considerados superiores em termos de características físicas, mentais ou sociais, enquanto se desencoraja ou impede a reprodução de indivíduos considerados inferiores.

A ideia de eugenia tem sido amplamente criticada e é considerada antiética, pois pode levar a discriminação, estigmatização e violação dos direitos humanos. No passado, a eugenia foi usada para justificar políticas de esterilização forçada, seleção racial e genocídio em várias partes do mundo. Hoje em dia, a eugenia é geralmente vista como uma ideologia ultrapassada e inaceitável, e é proibida em muitos países.

Páginas tristes 

Em 2021, quando o estudo veio à tona, foram iniciadas discussões sobre o caso. A partir de então, a faculdade passou a discutir se retira ou mantém na instituição a homenagem.

"Importa menos ser um fato ocorrido faz mais de 120 anos", disse o então diretor da Faculdade, Floriano de Azevedo Marques Neto, ao destacar a gravidade dos fatos. Para ele, o episódio aponta desrespeito ao corpo de um ser humano e revela o viés racista fortíssimo daquela sociedade (e que perdura ainda).

"Vivemos um contexto de diversidade inédito e entusiasmante. É urgente revisitarmos nossa história. Passagens pouco venturosas nos entristecem. Expô-las não nos fará menores."

O ex-diretor afirmou que "há páginas tristes que devem ser iluminadas, ainda que nos envergonhem".

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