Análise: Estudantes que zombaram de colega de 45 anos cometeram crime?
Vídeo que viralizou nas redes sociais mostra três estudantes ironizando colega de classe por ter mais de 40 anos: "era para estar aposentada".
Da Redação
quarta-feira, 22 de março de 2023
Atualizado às 18:37
Um vídeo que viralizou na última semana nas redes sociais mostra três estudantes de uma universidade particular em Bauru, interior de São Paulo, debochando de uma colega de sala por ela ter mais de 40 anos.
Nas imagens, as universitárias ironizam a estudante: "Gente, quiz do dia: como 'desmatricula' um colega de sala? Mano, ela tem 40 anos já. Era para estar aposentada."
Após o ocorrido, o centro universitário informou que tinha aberto um processo disciplinar para apurar a conduta das estudantes, mas o caso foi finalizado devido à desistência delas do curso.
Analisando o contexto, as estudantes podem responder na Justiça por essa atitude? Migalhas procurou especialistas para comentar o caso.
Injúria e difamação
Para a advogada Adriana Filizzola D'Urso, a conduta em questão poderia caracterizar o crime de injúria, previsto no artigo 140 do Código Penal, com pena de detenção de um a seis meses ou multa.
Ela explica que, em se tratando de injúria simples, a ação penal é privada. E, no caso da injúria qualificada, a ação penal é pública condicionada à representação.
Para a advogada, também poderia ficar caracterizado o crime de difamação, previsto no artigo 139 do Código Penal, com pena de detenção de três meses a um ano e multa, caso tenha ocorrido a divulgação do vídeo.
"Em razão do teor do que foi dito e do dano emocional eventualmente provocado, a conduta também poderia caracterizar o crime de violência psicológica contra a mulher, previsto no artigo 147-B do Código Penal, com pena de reclusão de seis meses a dois anos e multa, se a conduta não constitui crime mais grave."
A advogada ainda ressalta que a liberdade de expressão não é absoluta e comporta limites, com punição aos excessos, quando se torna uma conduta criminosa, ofensiva e danosa, como no caso em questão.
Não há crime
Para o advogado Octavio Orzari, a princípio, não há crime, pois a lei penal não criminaliza especificamente atos de discriminação contra pessoas de 40 anos, em razão dessa característica etária.
"O Direito Penal não pune todas as condutas e a política criminal e se pauta pelo princípio da subsidiariedade ou da 'ultima ratio'. Por mais que a conduta possa ser considerada antissocial e ofensiva, o Direito Penal incide sobre fatos intoleráveis e, até momento, a legislação não prevê punição para esse tipo de conduta."
Segundo o advogado, o Direito pode tutelar situações não abrangidas pelo Direito Penal por outros ramos, como o Direito Civil, que possibilita indenização e outras sanções em caso de comprovação de dano moral e/ou material.
No mesmo sentido pensa o advogado André Marsiglia. Para ele, a fala das garotas é deselegante e, por certo, pode ter ofendido a aluna mais velha, mas não basta para que as garotas tenham de responder em juízo.
"Para violar a liberdade de expressão precisa haver crime contra a honra alheia e, a meu ver, isso não ocorreu. Nem sempre a liberdade de expressão servirá para uma finalidade nobre, aceitar isso é também preservar a democracia."
Âmbito criminal e cível
Como as estudantes publicaram o conteúdo ofensivo nas redes sociais, dando publicidade a terceiros, a vítima poderia reagir judicialmente, acredita o advogado Luiz Augusto D'Urso.
Para ele, a vítima poderá acionar a Justiça tanto no âmbito criminal, em razão de eventual crime de injúria ou até difamação, quanto no âmbito cível, em razão do ataque à imagem e à honra, podendo reclamar numa ação de indenização.
"Estas seriam as possibilidades jurídicas de reação desta vítima contra as autoras do vídeo que, de fato, ataca uma senhora apenas pela sua idade e por estar fazendo faculdade, que na verdade não há problema nenhum."
Segundo o advogado, o clamor social e a reação nas próprias redes sociais de censura com relação à fala dessa jovens se dá principalmente para mostrar que as redes sociais e a internet não são palco para qualquer tipo de deboche, de ataque ou de ofensa.
"Estas medidas coercitivas e de reação são também pedagógicas para outras pessoas que estão acompanhando este caso e devem perceber que há limite na liberdade de expressão, que está na própria lei, quando esta liberdade é utilizada de maneira criminosa."