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Sessão

STF começa a julgar prova coletada em busca baseada pela cor da pele

Plenário analisa se é aplicável o princípio da insignificância ao crime de tráfico de drogas e se há nulidade da prova decorrente da busca pessoal baseada em filtragem racial.

Da Redação

quarta-feira, 1 de março de 2023

Atualizado em 2 de março de 2023 13:43

O plenário do STF começou a julgar, nesta quarta-feira, 1º, se é aplicável o princípio da insignificância ao crime de tráfico de drogas e se há nulidade da prova decorrente da busca pessoal baseada em filtragem racial.

A sessão contou com a sustentação oral dos amicus curiae e da Procuradoria-Geral da República. O julgamento será retomado na quinta-feira, 2.

Caso

No caso, o paciente foi condenado a mais de sete anos de reclusão, em regime fechado, por tráfico de drogas, por ter sido flagrado com 1,53 gramas de cocaína para fins de tráfico.

Segundo o relatório policial, ao passar pela rua "avistou ao longe um indivíduo de cor negra, que estava em cena típica de tráfico de drogas, uma vez que ele estava em pé junto o meio fio da via pública e um veículo estava parado junto a ele como se estivesse vendendo/comprando algo".

Ao STJ, a Defensoria Pública de SP apontou constrangimento ilegal na dosimetria da pena, por conta da valoração negativa da circunstância judicial da personalidade com base em antecedentes criminais e quantidade ínfima de drogas.

Neste julgamento, a DP/SP não alegou perfilamento racial. A hipótese foi levantada em voto do ministro Sebastião Reis, que argumentou que ficou claro que o motivo da abordagem foi por se tratar de pessoa negra.

Na ocasião, o ministro Sebastião demonstrou indignação com o caso, ressaltando que "em dez anos de Tribunal, não me lembro de um processo em que a autoridade policial tenha dito, abertamente, que só fez a abordagem do suspeito em razão de sua cor".

"Não se pode ter como elemento ensejador da fundada suspeita a convicção do agente policial despertada a partir da cor da pele, como descrito no Auto de Prisão em Flagrante constante dos autos, sob o risco de ratificação de condutas tirânicas violadoras de direitos e garantias individuais, a configurar tanto o abuso de poder, quanto o racismo."

O ministro propôs que a abordagem fosse considerada nula, mas os demais ministros consideraram que não seria possível saber se a cor da pele foi a única razão. Agora, analisando este caso, o STF definirá se a abordagem policial motivada por componente racial invalida provas, e se é aplicável o princípio da insignificância ao crime de tráfico de drogas.

 (Imagem: STF)

STF julga nulidade de prova em busca baseada pela cor da pele.(Imagem: STF)

Sustentações orais - Amicus curiae

Em sustentação oral nesta quarta-feira, 1º, o defensor público Fernando Rodolfo ressaltou que a persecução penal iniciada em desfavor do paciente se deu pelo fato de ele ser negro, estar do lado de um carro, em plena luz do dia, "atuação que seria bastante insuficiente para deflagrar uma busca sob fundada suspeita".

"Não somos imunes ao racismo estrutural e institucional. Precisou um ministro, em uma Corte Suprema, notar que se tratava de um caso de racismo estrutural e perfilamento racial."

O advogado Gabriel Sampaio, do amicus curiae Conecta Direitos Humanos, ressaltou que a cor da pela é a primeira frase dos agentes policias, e que a Suprema Corte tem a oportunidade de exercer um papel de parâmetro para todo o sistema, exigindo do Estado que apresente elementos seguros para iniciar qualquer constrangimento criminal. "Que os nossos corpos negros importem para o sistema de Justiça criminal."

"Em que país civilizado do mundo nós aceitaríamos que 80% das mortes praticadas pelo Estado ocorressem contra pessoas negras? Em que país civilizado do mundo uma pessoa acusada de portar 1,53g de uma substância entorpecente sofreria essa violência institucional, chegando a ser condenado a uma pena de mais de sete anos de prisão por ser abordado por sua cor da pele?"

O advogado Rodrigo Mesquita, pelo amicus curiae Iniciativa Negra por uma Nova Política sobre Drogas, disse em sustentação que é necessário que se reconheça que é "por meio da trágica política de drogas que a escravidão ainda ecoa" e, nesse sentido, "superá-la é essencial para promover igualdade material entre todos e todas".

Pelo amicus curiae IDDD - Instituto de Defesa do Direito de Defesa, a advogada Priscila Pamela ressaltou que sempre que a bancada está ocupada por diversos corpos negros é porque a questão racial está em pauta. "É muito difícil que só a nossa tecnicidade possa estar aqui e mostrar o quanto somos profissionais aptos a tratar de todas as outras causas que não tenham racismo no cerne". 

"É patente que a fundada suspeita se deu única e exclusivamente pela cor da pele. Os policiais foram claros ao dizer que a suspeita se deu porque era um homem preto parado ao lado de um veículo. Olhem para isso, tragam para o Brasil uma nova perspectiva do sistema de Justiça criminal, no qual vamos de fato ter um Judiciário democrático, que não vai mais ser a cor da pele que vai determinar quem é ou não é suspeito. Essa subjetividade vai continuar propagando a morte de corpos negros."

O advogado Nauê Bernardo Pinheiro de Azevedo, pelo amicus curiae Educafro Brasil, destacou que estava com medo, raiva e profundamente indignado pelo caso. Segundo o advogado, durante toda instrução probatória, na qual uma pessoa diz ao juiz que é usuária e que não há registro de tráfico anteriormente, em nenhum momento foi especulado a aplicação do art. 28 da lei de drogas a esta pessoa.

"Nós falamos de uma forma muito bonita da democracia e de como nós precisamos defendê-la. O problema é que uma parte muito relevante da população sequer foi convidada pra sala onde a festa acontece. Uma parte muito relevante da população segue excluída dessa sala. Isso quando não são alvo da aplicação da lei de forma direta e dura. Democracia se faz com diversidade."

A advogada Silvia Virginia Silva de Souza, pelos amicus curiae Grupo de Advogados pela Diversidade Sexual e de Gênero e pelo Instituto de Defesa dos Direitos das Religiões Afro-brasileiras, disse que "até as pedras sabem que as polícias abordam pessoas negras alegando fundadas suspeitas por situações que não lhe fazem abordar pessoas brancas".

"Hoje, esse povo preto sobe nessa tribuna para dizer que essa Corte tem a oportunidade histórica de fazer prevalecer na atuação das polícias a presunção constitucional da inocência, e não da culpa se o inspecionado for negro ou LGBTIQA+."

A advogada Débora Duprat, sustentando pelo IBCCrim - Instituto Brasileiro de Ciências Criminais, ressaltou vários julgados do STF no combate ao racismo, "então que esse julgamento seja mais um elemento de contribuição".

O advogado Cristiano Maronna destacou a importância do equipamento de gravação de áudio e vídeo nos equipamentos dos policiais. "Cumpre ao Judiciário a tarefa de garantir direitos e de combater o racismo, em nome da democracia."

Segundo a advogada Lívia Casseres, defensora pública do RJ, destacou levantamento que aponta que a abordagem policial em 180 casos, 72 deles, a realização das abordagens realizadas unicamente na avaliação do policial foi o que embasou a condução das ações penais. "Enorme poder discricionário derivado da vagueza do conceito jurídico de atitude suspeita e da ausência de balizas normativas orientadoras da atuação policial."

Sustentação oral - PGR

A vice-PGR Lindôra Araujo iniciou sua sustentação ressaltando que sabe perfeitamente que nenhum traficante "anda com 1kg de cocaína, anda com a dose que vai vender". A procuradora ainda disse que em nenhum momento no STJ foi levantada a hipótese de racismo.

"Nós não estamos a julgar um problema social, infelizmente. O racismo é uma coisa que existe. Existe assim como nós sofremos em outros países. Nos EUA todos nós sofremos racismo. Em Portugal também. Não é um privilégio do Brasil, mas não podemos esquecer que a droga é droga, e ela é prejudicial em qualquer lugar. Não é porque a pessoa é de cor preta ou branca que será isenta disso."

Segundo Lindôra, o caso não trata de perfilamento racial e, sim, de tráfico de drogas. "As pessoas já estavam no local onde acontece o tráfico."

"No caso concreto não há qualquer evidência. Quando perguntam qual o tipo físico, eles falam 'uma pessoa de cor negra'. Há uma mudança não porque era uma pessoa de cor negra, mas porque especifica o tipo físico da pessoa. Poderia ter dito que era um sujeito branco ou asiática."

A vice-PGR afirma que não há crime de racismo no caso. 

"Já foi um caso julgado pelo STJ e foi descartado o crime de racismo. 'Porque no Brasil só se julga preto e pobre'. Essa Corte acabou com esse tipo de conceito. Porque aqui todos os julgamentos de ações originárias não são nem pretos, nem pobres. São pessoas brancas e de alto poder aquisitivo alto. Nós não podemos transformar o crime de tráfico de drogas em racismo porque nós teríamos que amanhã fazer um habeas corpus coletivo pra todos os presos por tráfico em razão de entender que tudo foi racismo."

Após a sustentação da vice-PGR, o julgamento foi suspenso.