Há 130 anos, STF soltou presos do Vapor Júpiter com HC de Rui Barbosa
O advogado destacou a ilegalidade das prisões de 48 homens a bordo do navio por ordem do presidente Floriano Peixoto, cuja motivação teria sido política.
Da Redação
terça-feira, 28 de fevereiro de 2023
Atualizado às 09:16
Há quase 130 anos, um habeas corpus impetrado por Rui Barbosa era concedido na Suprema Corte brasileira para libertar 48 presos a bordo do navio "Vapor Júpiter".
Os pacientes, cidadãos brasileiros, e alguns estrangeiros, foram presos por ordem do vice-presidente da República, Marechal Floriano Peixoto, quando se encontravam a bordo do grande navio a vapor, que fora capturado enquanto navegava na costa de Santa Catarina, e a seguir levados para as fortalezas militares de Santa Cruz e de Laje, no Rio de Janeiro.
O combativo advogado ponderava que, embora as acusações apontassem para crime militar, definido no Código Penal da Armada, as razões de fundo eram políticas.
Em julgamento realizado em 9 de agosto de 1893, o STF concedeu o remédio heroico e determinou a soltura dos presos.
Em 31 de julho daquele ano, Rui Barbosa impetrou no STF o HC 406, solicitando a liberação dos presos.
"Com maiores dificuldades lutou o impetrante para obter o rol das vítimas de tão grosseiro e monstruoso constrangimento; visto que um sistema de sigilo impenetrável, adotado quer em relação aos nomes dos pacientes, quer a respeito das causas da prisão, envolve a espécie na mais profunda obscuridade, frustrando quaisquer esforços, accessíveis ao peticionário, para alcançar a lista dos presos e a explicação oficial da violência, a que estão submetidos", disse, em petição, à Suprema Corte.
O STF tivera ali a oportunidade de consolidar as garantias constitucionais, afirmava o advogado.
"Só a intervenção da vossa augusta autoridade poderá projetar sôbre essas trevas a luz, que as instituições livres, decretadas na Constituição republicana, deviam derramar sôbre uma esfera de relações, que tocam aos mais invioláveis direitos humanos, trazendo a público os infelizes, cuja inocência um acidente fatal, explorado pelas paixões políticas, sepultou nas casamatas dos presídios de guerra, abrindo a essas criaturas, iniqüamente perseguidas, uma válvula de defesa no seu desamparo imerecido."
Na peça, Rui Barbosa destacou que aqueles homens livres foram colocados em "porões das fortalezas, sem transitarem pela presença de um juiz, sem trocarem uma palavra com um advogado, sem receberem sequer a notificação de sua culpa". Ele alegou que as ilegalidades da prisão incluíam a incompetência do presidente da República Floriano Peixoto para a ordem de prisão, a ausência de nota de culpa e o excesso de dias em confinamento. Afirmou, por fim, que a prisão se deu por motivação política.
"Ponde termo a esta perseguição de estado, tão abominável, quanto inutil, tão gratuita, quanto des-humana, tão damninha aos interesses da paz no interior, quão funesta ás condições do nosso credito externo, da nossa reputação entre as nações (...)."
- Confira a íntegra da petição e páginas do processo.
Os ministros atenderam ao pedido do jurista, concedendo a ordem de soltura e determinando a apresentação dos detidos ao Tribunal.
"Visto ser ilegal a conservação da prisão em que se acham, desde que se verifica pelos autos, e pelas informações prestadas, que os fatos que lhes são imputados não constituem crimes que os sujeitem ao foro militar."
- Veja o acórdão do HC 406.
Importante precedente
Essa decisão representou uma virada no pensamento jurídico brasileiro, pois foi a primeira vez que a Suprema Corte analisou a constitucionalidade de lei ou ato Federal de forma originária e difusa.
A competência do STF para tal exame constava da Constituição de 1891, mas não de modo explícito. Foi assim que Rui Barbosa colaborou para a evolução da interpretação do dispositivo constitucional.
Em seguida, o advogado impetrou o HC 410, em nome de indivíduo que seguia encarcerado. Dessa vez, além de mandar soltar o detido, o Tribunal declarou a inconstitucionalidade do Código da Armada.
Dos votos desse julgado decorre o importante legado dos ministros que lançaram a base teórica do controle constitucional dos atos federais.
- Veja o acórdão do HC 410.
"Navio Ruy Barbosa"
O navio que envolve o habeas corpus narrado acima foi operado inicialmente pela Companhia de Navegação Cruzeiro do Sul, de Santos, sob o nome de Jupiter.
Em 1910, foi adquirido pelo Lloyd Brasileiro. Em 1914, naufragou no litoral do Estado de Santa Catarina.
Recuperado e consertado, foi rebatizado "Ruy Barbosa", em 1917, com registro no Rio de Janeiro.
Em 1923, foi renomeado Comandante Alvim, e, finalmente, Aníbal Benévolo, em 1931, nome que ostentou até o seu afundamento onze anos depois.
Informações: STF.
Acesso à petição: Fundação Casa de Rui Barbosa.