STJ: Homem ter sido preso com arma não justifica entrada em residência
Tribunal considerou ilícitas as provas obtidas pela equipe policial e absolveu de tráfico homem que sofreu ingresso sem mandado.
Da Redação
segunda-feira, 23 de janeiro de 2023
Atualizado às 16:14
Por considerar ilícitas as provas colhidas pela polícia em ingresso de residência sem mandado, a 6ª turma do STJ absolveu um indivíduo do crime de tráfico de drogas. O colegiado considerou que não houve fundadas razões para o ingresso na residência, e que não há provas de consentimento por parte do homem, sendo a situação de constrangimento ambiental/circunstancial.
O morador havia sido preso em flagrante, na rua, por porte ilegal de arma de fogo. Segundo os autos, foi recebida denúncia anônima sobre um indivíduo que estaria armado em via pública. Ao confirmar a situação, os policiais o prenderam e, diante da informação de que ele possuía antecedente por crime de tráfico, dirigiram-se até a sua residência.
Após a suposta autorização do homem detido, a polícia entrou na casa com cães farejadores e localizou entorpecentes. Como resultado, o indivíduo foi processado pelos crimes de tráfico de drogas e porte de arma de fogo.
O TJ/SP, ao analisar recurso, manteve a condenação, sob o argumento de que ele autorizou a entrada dos policiais na sua casa. A Corte de origem entendeu que havia materialidade e autoria comprovadas do tráfico de drogas, o que autorizaria o ingresso policial sem mandado judicial.
Falta de indícios consistentes
Relator do habeas corpus, o ministro Rogerio Schietti Cruz explicou que o caso não trata de averiguação de informações consistentes sobre a existência de drogas no local, pois não foi feita referência à prévia investigação, tampouco à movimentação típica de tráfico.
Conforme ressaltou o ministro, a denúncia que gerou a atuação policial não citou a presença de drogas no imóvel, mas apenas de arma de fogo em via pública distante do domicílio.
O relator destacou que o STF já definiu que o ingresso forçado em domicílio, sem mandado judicial, apenas é legítimo quando há fundadas razões, justificadas pelas circunstâncias do caso concreto, de que está ocorrendo situação de flagrante delito no interior da residência.
Nesse sentido, Schietti apontou o REsp 1.574.681, julgado pela 6ª turma, no qual não foi admitido que a mera constatação de situação de flagrância, após a entrada na casa, justificasse a medida.
"Não seria razoável conferir a um servidor da segurança pública total discricionariedade para, a partir de mera capacidade intuitiva, entrar de maneira forçada na residência de alguém."
O ministro lembrou, ainda, que o direito à inviolabilidade não protege apenas o alvo da atuação policial, mas também todos os moradores do local.
Sem comprovação do consentimento
Schietti observou o entendimento adotado no HC 598.051, da 6ª turma, e reafirmado no HC 616.584, da 5ª turma, o qual levou em consideração alguns requisitos para validade do ingresso policial nesses casos, por exemplo, declaração assinada da pessoa que autorizou a ação e registro da operação em áudio/vídeo.
O magistrado apontou que caberia aos agentes que atuam em nome do Estado demonstrar, de modo inequívoco, que o consentimento do morador foi livremente prestado, ou que havia em curso na residência uma clara situação de comércio de droga, a autorizar o ingresso domiciliar sem consentimento válido do morador.
Contudo, o relator frisou que "não há, no caso dos autos, nenhuma comprovação do consentimento para o ingresso em domicílio".
Desigualdade entre o cidadão e o Estado
O ministro salientou que, naquele momento da prisão, mesmo sem coação direta e explícita sobre o acusado, o fato de o indivíduo já estar detido, sem advogado, diante de dois policiais armados, poderia macular a validade de eventual consentimento, em virtude de um constrangimento ambiental/circunstancial.
Por fim, Schietti destacou que, se no Direito Civil todas as circunstâncias que possam influir na liberdade da manifestação de vontade devem ser consideradas, na esfera Penal isso deve ser observado com maior cautela, pois trata de direitos indisponíveis em uma relação manifestamente desigual entre o cidadão e o Estado.
- Processo: HC 762.932
Leia o acórdão.