Para advogados, governo sinaliza que pauta ambiental será prioridade
Nove novos decretos estabelecem mudanças em ministérios, retomada de fundos ambientais, de políticas de proteção à biodiversidade e combate às mudanças climáticas.
Da Redação
sábado, 14 de janeiro de 2023
Atualizado em 13 de janeiro de 2023 11:40
O novo governo Federal publicou, logo no primeiro dia de mandato, nove decretos que revogam medidas do antigo governo e iniciam ou retomam novas políticas ambientais, visando posicionar o Brasil como uma figura ativa nas discussões ambientais internacionais, especialmente quanto ao combate às mudanças climáticas e de proteção à biodiversidade.
De acordo com Mauricio Pellegrino de Souza, sócio do Cescon Barrieu Advogados na área ambiental, "através dos novos atos, foram reativados os fundos ambientais, como o Fundo Amazônia e o Fundo Nacional do Meio Ambiente, além do reestabelecimento e da criação de órgãos que incentivam a efetiva aplicação de políticas públicas mais sustentáveis. Isso demonstra que a pauta ambiental estará entre as principais desse governo dentro dos próximos anos."
Dentre as primeiras medidas adotadas pelo novo governo estão a transição do ministério do Meio Ambiente para MMA - ministério do Meio Ambiente e da Mudança Climática e criação do MPI - ministério dos Povos Indígenas. Com isso, o MMA retomou o poder de gestão do CAR - Cadastro Ambiental Rural e do Serviço Florestal Brasileiro, antes de competência do MAPA - ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento, enquanto o MPI terá como papel a garantia e promoção dos direitos dos povos indígenas, além da demarcação e defesa de suas terras.
O CAR - Cadastro Ambiental Rural, como explica Carolina Piñeira, advogada associada do Cescon Barrieu Advogados, é um registro público eletrônico de âmbito nacional, obrigatório para os imóveis rurais, criado pelo Código Florestal com o objetivo de integrar as informações ambientais das propriedades e posses rurais, compondo base de dados para controle, monitoramento de atendimento a legislação ambiental, como constituição de reserva legal e observância do APP, bem como planejamento ambiental e econômico e combate ao desmatamento. Ainda na avaliação da advogada, o MMA enfrentará um grande desafio relativo a validação e homologação dos CARs atualmente represados.
O Serviço Florestal Brasileiro, criado em 2006, por sua vez, tem por objetivo geral compilar dados e informações sobre as florestas de modo a subsidiar projetos para o uso e conservação do setor florestal.
Acresce-se que o novo governo, através do decreto 11.367/23, criou a Comissão Interministerial Permanente de Prevenção e Controle do Desmatamento que dispõe sobre planos de ação para prevenção e controle do desmatamento para os biomas brasileiros. A referida comissão é composta por 16 ministérios chaves e visa garantir a transversalidade das discussões sobre o desmatamento, a fim de se desenvolver medidas eficientes de proteção ao meio ambiente.
A advogada Isabella Pollari, associada do Cescon Barrieu Advogados na área ambiental, explicou que "a normativa buscar trazer mais transparência em relação às ações a serem adotadas pelo governo, bem como prevê revisões periódicas de Planos de Prevenção e Controle do Desmatamento e publicação anual de relatórios, o que facilitará o acompanhamento contínuo das ações propostas e adotadas, sendo que os resultados serão disponibilizadas a consulta pública da sociedade e utilizadas para o desenvolvimento de políticas públicas sobre proteção à biodiversidade, diminuição de desmatamento e redução de emissão de gases de efeito estufa."
A normativa reestabelece o PPCDAm - Plano de Ação para a Prevenção e Controle do Desmatamento na Amazônia Legal, e determina que os planos para os demais biomas deverão ser elaborados dentro de seis meses da publicação da norma.
Outra medida adotada pela presidência da República foi a de determinar a adoção de providências para a recriação do "Programa Pró-Catador" e a realização de estudos de revisão do programa "Recicla +", no prazo de quarenta e cinco dias.
Ademais, a advogada Isabela Ojima comenta que "o programa Pró-Catador havia sido criado em 2010 e englobava uma série de ações de apoio a trabalhadores de baixa renda que se dedicam a coletar materiais reutilizáveis e recicláveis, fomentando sua organização produtiva, aprimorando suas condições de trabalho e ampliando as oportunidades de inclusão social e econômica. O programa havia sido revogado em 2020, mas, com a determinação do novo governo, espera-se que tal programa seja retomado e revitalizado em conjunto com novas análises ao recém-criado Recicla+, de forma a promover a inclusão social e econômica dessas pessoas e contribuir para a sustentabilidade, considerando que o programa Recicla+ havia sido alvo de críticas do Movimento Nacional dos Catadores de Materiais Recicláveis."
Por fim, por meio do decreto 11.369/23, o governo também revogou a normativa que previa a mineração artesanal prioritariamente na Amazônia legal.
"O novo texto extingue o criticado Programa de Apoio ao Desenvolvimento da Mineração Artesanal e em Pequena Escala, o que, na interpretação de alguns especialistas, poderia motivar a ocorrência e mitigar a punição ao garimpo ilegal em áreas da Amazônia Legal", ressalta Isabella Pollari.
Reativação do Fundo Amazônia e do Fundo Nacional do Meio Ambiente e do CONAMA
De acordo com os advogados, um dos principais decretos publicados foi o 11.368/23, que dispõe sobre o Fundo Amazônia. A normativa reestabeleceu comitês e procedimentos essenciais para a utilização do fundo que estava paralisado desde 2019.
"O Fundo é considerado uma iniciativa pioneira no combate ao desmatamento e às mudanças climáticas. No entanto, com suas desconstituições, mais de R$ 3 bilhões ficaram parados e não houve o investimento em novos projetos de proteção ambiental. A reativação do fundo mostra o compromisso do país em adotar medidas efetivas de combate ao desmatamento, o que foi visto de forma positiva pelos maiores investidores do Fundo, Alemanha e Noruega, que inclusive já sinalizaram o desejo de realizar novos aportes", destaca Isabella Pollari.
No seguimento das mudanças relacionadas aos fundos também foi publicado o decreto 11.372/03, destinado a promover adequações quanto a operacionalidade do Fundo Nacional do Meio Ambiente. Em apertada síntese, Isabela Bueno Ojima explica que o novo decreto altera a composição do Conselho Deliberativo do Fundo, modifica o quórum de reunião e de votação do Conselho (passando de quatro membros para maioria simples), determina a publicidade das reuniões do Conselho.
Nessa toada, também houve a determinação da revisão da exclusão de cadeiras da sociedade civil na composição do Conama - Conselho Nacional do Meio Ambiente. O Conama consiste em um órgão colegiado consultivo e deliberativo composto por representantes de órgãos Federais, estaduais e municipais de meio ambiente, setor empresarial e sociedade civil, com o objetivo de propor normas e critérios para o licenciamento de atividades efetiva ou potencialmente poluidoras, bem como de estabelecer normas e padrões nacionais de controle da poluição. Com isso, Carolina Piñeira explica que o despacho presidencial teve por objetivo reestabelecer composições mais paritárias no conselho e dar cumprimento à decisão do STF na ADPF 623.
Sanções e litígios ambientais
Outra importante mudança foi a alteração do decreto 6.514/08 - que dispõe sobre apuração de infrações, procedimento administrativo e sanções por condutas contrárias a proteção ao meio ambiente. O decreto 11.373/23 trouxe uma série de mudanças relevantes, como o aumento da reversão dos valores arrecadados em multas de 20% e 50% para o Fundo Nacional do Meio Ambiente, a revogação das conciliações ambientais - anteriormente criticadas mas cuja solução poderia ser mais rápida e consensual -, a criação da Câmara Consultiva Nacional dentro de órgãos Federais para implantar o Programa de Conversão de Multas Ambientais e a regularização da utilização de imagens por satélite pelos órgãos ambientais.
Por fim, Isabela Bueno Ojima explica que o decreto 11.328/23 criou a Procuradoria Nacional de Defesa do Clima e do Meio Ambiente, órgão de assistência direta e imediata ao AGU, demonstrando que as questões relacionadas à litigância climática possivelmente começarão a ser mais discutidas no Brasil, inclusive com certo protagonismo.
Esse órgão será responsável por assistir o AGU na representação perante entidades de defesa do clima e do meio ambiente, contribuirá para segurança jurídica das políticas e estratégias de desenvolvimento sustentável, de transição ecológica e descarbonização; promoverá o acompanhamento das demandas judiciais, extrajudiciais e consultivas que tratam da defesa do clima e do meio ambiente; será responsável por elaborar estudos e desenvolver informações técnicas sobre clima e meio ambiente; e auxiliará na uniformização da jurisprudência administrativa quanto a aplicação das leis ambientais.