CNJ mantém decisão que impediu candidato branco em vaga de cotista
O relator do processo, conselheiro Vieira de Mello Filho, defendeu que as ações afirmativas se destinam a pessoas negras, e ressaltou que a medida tem por finalidade reduzir as desigualdades raciais no serviço público.
Da Redação
quarta-feira, 5 de outubro de 2022
Atualizado em 7 de outubro de 2022 11:18
O plenário do CNJ decidiu, nesta terça-feira, 4, que é procedente o procedimento de controle administrativo para excluir o candidato Tarcísio Francisco Regiani Junior da lista de aprovados no concurso para ingresso na magistratura. Para a entidade, o concorrente não preenche os requisitos necessários para disputar vaga reservada à candidato negro. A decisão foi tomada, por maioria, na 357ª Sessão Ordinária do CNJ.
O pedido foi proposto pela ANAN - Associação Nacional da Advocacia Negra contra o TJ/RJ. O relator do processo, conselheiro Vieira de Mello Filho, defendeu que as ações afirmativas se destinam a pessoas negras, e ressaltou que a medida tem por finalidade reduzir as desigualdades raciais no serviço público.
"São ações voltadas a permitir que mais pessoas tenham acesso a cargos para que possam refletir em mudança da própria representação da sociedade."
Durante a defesa de seu voto, o ministro afirmou que a atuação da comissão formada pela banca do concurso do TJ/RJ para analisar o pertencimento racial dos candidatos que concorriam na vaga reservada a pessoas negras estava em desacordo com a própria normativa do Tribunal e com a lei 12.990/14, que reserva aos negros 20% das vagas oferecidas em concursos públicos na Administração Pública Federal.
"Era para ser uma comissão multidisciplinar e, dos três integrantes, dois não participaram do exame do candidato; e a médica que o examinou, observou apenas seus dedos, não considerando os demais elementos do fenótipo do candidato", disse o relator da matéria, que defendeu uma melhor avaliação do pertencimento racial nos concursos, a fim de se evitar fraudes, desvios e deturpações das políticas de cotas raciais no Poder Judiciário.
Em maio, o plenário já havia ratificado liminar no mesmo caso, que havia determinado a criação de uma comissão de heteroidentificação multidisciplinar formada por três especialistas em Direito da Antidiscriminação e com larga experiência teórica e prática na área, que concluiu que o candidato não preenchia os requisitos necessários para enquadrar-se como cotista.
Vale ressaltar que o concorrente não teria conseguido passar na primeira etapa do certame caso não estivesse pleiteando a vaga dentro do sistema de cotas.
A presidente do CNJ, ministra Rosa Weber, também acompanhou o voto do relator.
"O Estado atua por meio de suas políticas públicas justamente para igualar diante de desigualdades materiais. No entanto, não vejo isso se materializar nesse caso concreto. Aqui, o candidato a magistrado não integra um grupo que tenha o passivo de sofrer o preconceito, a discriminação que eu entendo ser visual, no Brasil."
Abrindo voto divergente ao do relator, o conselheiro Richard Pae Kim salientou que o TJ/RJ cumpriu as regras do concurso, cujo edital foi publicado em 2019, portanto antes de entrar em vigor a resolução do CNJ 457/22, que instituiu a obrigatoriedade de os tribunais criarem comissões de heteroidentificação formadas necessariamente por especialistas em questões raciais e antidiscriminação.
"Todas as regras foram cumpridas e, como sabemos, o edital é a lei do concurso", apontou Pae Kim, que sugeriu a criação de um grupo de trabalho para analisar com mais profundidade questões relativas à heteroidentificação, para fins de ações afirmativas no Judiciário.
Embora tenha ficado vencido - ainda que acompanhado dos conselheiros Sidney Madruga, Marcos Vinícius e Marcelo Terto - o plenário acolheu sua proposta de criação de grupo de trabalho para discutir e definir critérios de heteroidentificação racial para os concursos de ingresso na carreira da magistratura.
Histórico
A resolução CNJ 203/15 dispôs sobre a reserva de 20% das vagas oferecidas nos concursos públicos para provimento de cargos efetivos e de ingresso na magistratura para pessoas negras. Antes de 2013, o número de juízes negros não chegava a 16%; em 2018 - três anos após a reserva das vagas entrar em vigor - esse número havia subido para 18%.
Em 2021, pesquisa do CNJ mostrou que o número chegou a 21,6% dos juízes em relação ao ano anterior, ritmo considerado lento pelos pesquisadores. Seguindo nessa velocidade, o fim da desigualdade entre negros e brancos na magistratura só irá acontecer em 2049, segundo os dados do levantamento.
Por esta razão, em abril deste ano, o plenário do Conselho aprovou a resolução CNJ 457 que alterou as resoluções CNJ 203/15 e 75/09, para excluir a incidência da cláusula de barreira sobre a nota dos cotistas negros, assim como instituir a obrigatoriedade da instituição de comissões de heteroidentificação nos concursos de servidores e magistrados.
- Processo: 0002371-92.2022.2.00.0000
Informações: CNJ.