STF veda salário inferior ao mínimo para servidor em horário reduzido
Para o STF, a medida viola dispositivos da Constituição e gera precariedade incompatível com o princípio da dignidade da pessoa humana.
Da Redação
terça-feira, 30 de agosto de 2022
Atualizado às 18:28
Por maioria, o plenário do STF decidiu que é proibido o pagamento de remuneração em valor inferior ao salário mínimo a servidor público, mesmo em caso de jornada reduzida de trabalho.
A tese de repercussão geral fixada foi a seguinte:
"É defeso o pagamento de remuneração em valor inferior ao salário mínimo ao servidor público, ainda que labore em jornada reduzida de trabalho."
O recurso foi apresentado por quatro servidoras públicas do município de Seberi/RS, aprovadas em concurso público, que cumprem jornada de 20 horas semanais e ingressaram com ação de cobrança para receber a diferença entre a remuneração mensal e o salário mínimo.
Em primeira instância, o pedido foi julgado improcedente, sob o argumento de que elas recebiam valor pouco superior a meio salário mínimo e, ao prestarem o concurso público, sabiam da carga horária e da remuneração. O TJ/RS manteve a decisão.
Direito fundamental
No STF, prevaleceu o entendimento do relator, ministro Dias Toffoli. Ele destacou que o artigo 7º, inciso IV, da Constituição Federal garante o direito fundamental ao salário mínimo, capaz de atender às necessidades básicas dos trabalhadores e às de sua família.
O artigo 39, parágrafo 3º, estendeu esse direito aos servidores públicos, sem nenhum indicativo de que poderia ser flexibilizado para pagar menos que o valor fixado por lei, mesmo em caso de jornada reduzida ou previsão em legislação infraconstitucional.
Segundo Toffoli, no caso concreto, são servidoras públicas concursadas, situação que impõe vedações constitucionais à acumulação remunerada de cargos, empregos e funções públicas (artigo 37, incisos XVI e XVII) e, dependendo do regime, proíbe o exercício cumulativo de outra atividade.
Em razão dessas vedações, e admitindo-se remuneração inferior ao salário mínimo e proporcional à jornada, os servidores e empregados públicos nessa situação seriam obrigados a prover seu sustento unicamente com meio salário mínimo por mês, o que violaria os dispositivos da Constituição Federal e lhes imporia uma condição de precariedade incompatível com o princípio da dignidade da pessoa humana.
Na avaliação do ministro, a administração pública, ao fixar a carga horária em tempo reduzido, deve assumir o ônus de sua escolha e não pode impor ao servidor ou empregado público o peso de viver com menos do que aquilo que o próprio Poder Público considera o mínimo necessário a uma vida digna.
Esse entendimento, a seu ver, se aplica apenas ao servidor público estatutário com jornada reduzida, não se estendendo a contratações temporárias ou originadas dos vínculos decorrentes das recentes reformas trabalhistas, até mesmo em razão da natureza distinta do vínculo com a administração pública.
Acompanharam o relator os ministros Luiz Fux, Gilmar Mendes, Ricardo Lewandowski, Edson Fachin e Alexandre de Moraes e as ministras Cármen Lúcia e Rosa Weber.
No caso concreto, o plenário deu provimento ao recurso extraordinário, devolvendo os autos ao TJ-RS para continuidade de julgamento, a fim de que sejam decididas as demais questões contidas no recurso, observando-se os parâmetros decididos pelo Supremo no RE.
- Veja o voto do relator.
Remuneração proporcional
Ficaram vencidos os ministros Luís Roberto Barroso, André Mendonça e Nunes Marques. Ao abrir divergência, Barroso considera que, quando o servidor cumpre jornada inferior a oito horas diárias e 44 horas semanais, a remuneração deveria ser proporcional ao tempo trabalhado. Assim haveria isonomia com servidores com remuneração semelhante que cumprem a jornada integral e os trabalhadores da iniciativa privada.
Em seu voto, o ministro defendeu que fosse vedado o pagamento de remuneração inferior ao salário mínimo apenas quando o estatuto profissional do servidor impusesse restrição significativa à liberdade de trabalho, impedindo o exercício de outras atividades para complementar sua renda.
Nesses casos, seria assegurado o recebimento do salário mínimo, ainda que a jornada fosse reduzida.
A DPU atuou como amicus curiae no caso.
- Processo: RE 964.659