MIGALHAS QUENTES

  1. Home >
  2. Quentes >
  3. Migalhas Quentes >
  4. Revolução Pernambucana: O movimento separatista que saiu do papel
Migalhas da História - Especial Independência

Revolução Pernambucana: O movimento separatista que saiu do papel

Em 1817, o contexto histórico era de descontentamento com o alto custo da Coroa portuguesa no Rio de Janeiro.

Da Redação

sexta-feira, 2 de setembro de 2022

Atualizado em 6 de setembro de 2022 08:27

Em 1816, uma seca brava castigou os Estados do Nordeste do Brasil. A situação, que já era calamitosa, acabou se agravando quando os impostos foram aumentados para custear os luxos da Família Real portuguesa no Rio de Janeiro, resultante da transferência da Corte para o Brasil em 1808.

Esse era o contexto que fez acender a faísca do já conhecido espírito de revolta da então elite pernambucana. E, de fato, em 1817 eclode a Revolução Pernambucana, de caráter separatista e em defesa do sistema republicano.

Tal revolta é parte fundamental de uma série de movimentos emancipacionistas deflagrados no Brasil antes da independência. Relembrando, tivemos também a inconfidência mineira e a conjuração baiana. Ocorre que apenas a revolução pernambucana conseguiu, de fato, sair da fase conspiratória.

Revolucionários chegaram a tomar o poder de Pernambuco e instalar um governo provisório, que se sustentou por 75 dias. E, muito embora a crise tenha sido revertida pela Coroa sem, aparentemente, consequência imediata, o que se verá é que a revolta, em verdade, abalou as fundações do sistema.

Com efeito, a Coroa teve sua confiança abalada e viu seus súditos vulneráveis às ideias subversivas - fator fundamental para movimentos que culminariam no processo de independência do Brasil. 

"Tendo saído da fase conspiratória, a Revolução de Pernambuco acabou auxiliando na difusão das ideias liberais e iluministas, que serviriam de base ideológica para os movimentos de independência na América", explica o professor de história Thiago Pavanelli.

Em Minas Gerais, na inconfidência mineira, tais ideias teriam circulado, mas entre maçons e intelectuais. No caso da revolta pernambucana, o que se viu foi a difusão dessas ideias em outros setores da sociedade.

Contexto brasileiro

No início do século XIX, o Nordeste era relevantíssimo para a economia do Brasil: o porto de Recife era um dos mais movimentados, e escoava açúcar e algodão. Olinda e Recife tinham, juntas, cerca de 40 mil habitantes. Era muita gente, se comparado com a capital do país, com cerca de 60 mil pessoas. 

Além de sua importância política e econômica, os pernambucanos tinham fama com suas lutas libertárias, como a expulsão dos holandeses, em 1654, ou a Guerra dos Mascates, em 1710. Nesta última, falou-se na possibilidade de se proclamar a independência de Olinda.

E muito embora a revolução que veremos tenha estourado em Pernambuco, o fato é que ela refletia o descontentamento de todas as províncias diante da voracidade fiscal de D. João VI. E, como se não bastasse a seca e os impostos, o aumento da produção mundial de açúcar durante o século XVIII empurrou para baixo o preço do produto.

Todos esses fatores fizeram crescer as ideias liberais e revolucionárias.

Dia D

No dia 6 de março de 1816, os revolucionários ocuparam Recife, dando início à Revolução Pernambucana. 

Naquele dia, uma fofoca chegava aos ouvidos do então governador, Caetano Pinto: uma rebelião estava prestes a eclodir. Reunido com o Conselho Militar da Capitania, foi dada a ordem para prender os líderes revolucionários. Os primeiros detidos foram os comerciantes Domingos Martins e Antônio da Cruz Cabugá, além do padre João Ribeiro Montenegro. Mas, quando chegou a vez dos militares, o quadro mudou. 

A gota d'água para o início da revolução surgiu no Forte das Cinco Pontas. Ao dar ordem de prisão aos rebeldes, o brigadeiro português Manoel Barbosa foi morto a golpes de espada pelo capitão José de Barros Lima, apelidado "Leão Coroado" (falavam que era por sua valentia, mas também pela calvície no topo da cabeça, com longos cabelos nas laterais, o que dava um aspecto leonino). 


CuriosidadeO Forte de São Tiago das Cinco Pontas existe ainda hoje. Localiza-se na cidade do Recife, no litoral de Pernambuco, e foi construído por holandeses em 1630. Em 1654, com a expulsão dos holandeses por dura batalha, uma das pontas foi violentamente castigada pelos canhões da Coroa de Portugal. Em 1684, o local foi reconstruído, mas com um novo traçado: o número de bastiões foi reduzido para quatro. Tombado pelo Patrimônio Histórico Nacional em 1938, serve atualmente como sede do Museu da Cidade do Recife.

Após os oficiais portugueses fugirem do local, Leão Coroado uniu a tropa e libertou os aprisionados. Ato contínuo, tomou o quartel e ergueu trincheiras, impedindo o avanço de tropas fiéis à monarquia. 

O extremismo do ato fez o movimento, antes restrito a espaços secretos, ganhar as ruas precocemente. Diz-se precocemente por que a revolução estava programada para acontecer dali a um mês, simultaneamente em PE, RJ e BA. Do quartel da Artilharia, o movimento tomou as ruas de Santo Antônio, bairro do Recife.

O governador Caetano Pinto fugiu, abrigando-se no Forte do Brum. Cercado, acabou se rendendo. Com a prisão de Caetano Pinto, os revolucionários constituíram um governo provisório, que se apossou do tesouro da província e proclamou a república.

Começavam ali os 75 dias em que quatro Estados nordestinos (Alagoas, Paraíba, Pernambuco e Rio Grande do Norte) se juntariam em uma única nação.

República

O novo governo, que era colegiado e provisório, funcionaria até que houvesse eleições livres, pela primeira vez no país.

Compunham tal governo o comerciante Domingos Martins, o padre João Ribeiro, o senhor de engenho Manoel Correia de Araújo, o capitão Domingos Teotônio Jorge e o advogado José Luiz Mendonça. Já o trabalho administrativo ficou a cargo de três religiosos: Padre Miguelinho, Frei Caneca e Vigário Tenório. 

Em razão da participação dos clérigos, fundamental para a articulação, o movimento pernambucano é chamado também de "Revolta dos Padres".

Depois de três semanas de tomada do poder, em 29 de março foi anunciada a convocação de uma Assembleia Constituinte, formada por representantes de todas as comarcas da província. Uma nova "lei orgânica" estabeleceu a separação entre Legislativo, Executivo e Judiciário. O catolicismo foi mantido como religião oficial. 

Foram abolidos impostos sobre o comércio, e mantida a escravidão (interesse primeiro dos senhores de engenho). E, por fim, era proclamada a liberdade de imprensa - uma grande novidade no Brasil, visto que publicações e ideias foram controladas com rigor nos três séculos após o "descobrimento". 

Os soldados receberam aumento e desenhou-se uma nova bandeira, com as cores azul, branca, amarela e vermelha. Na parte superior, foi desenhado um arco-íris com uma estrela em cima e o sol embaixo, representando a união de todos os pernambucanos. No interior, uma cruz vermelha simbolizava a fé na justiça e no entendimento.

Além das medidas republicanas, os revolucionários tomaram outras decisões: entre elas, a abolição de todos os pronomes de tratamento que indicassem hierarquia ou autoridade de uma pessoa sobre outra, como V. Exa e Sua Senhoria. A expressão "senhor", por exemplo, foi substituída por "patriota".

O historiador Tobias Monteiro conta que o chefe rebelde Domingos José Martins e sua esposa convidaram as senhoras a cortar os cabelos, considerados "vãos ornamentos", como sinal de adesão à república. (As mulheres que mantiveram os cabelos longos em Recife e Olinda passaram a ser vistas com suspeição.)

 (Imagem: Arte Migalhas)

(Imagem: Arte Migalhas)

Queda

As tentativas de obter apoio de províncias vizinhas fracassaram. No Rio Grande do Norte, o movimento conseguiu adesão de um dono de engenho, e o governo chegou a ser tomado, mas não houve mobilização por parte da população. Na Bahia, o enviado da revolução, Padre Roma, foi preso ao desembarcar, e fuzilado.

Na Inglaterra, os revolucionários tentaram apoio do jornalista Hipólito José da Costa, fundador do Correio Braziliense, oferecendo-lhe cargo de ministro, mas ele recusou. (Sem que os pernambucanos soubessem, a coroa portuguesa havia feito acordo com o jornalista, que previa a compra de jornais e subsídio em troca de moderação nas críticas à monarquia).

E o que deu fim ao novo governo foi uma violenta reação portuguesa. Tropas foram enviadas e avançaram pelo sertão pernambucano, e uma força naval foi enviada do Rio de Janeiro, bloqueando o porto do Recife. Em poucos dias, 8 mil homens cercaram a província rebelada.

No interior, a batalha decisiva foi travada em Ipojuca, hoje sede do município onde está a praia de Porto de Galinhas. Derrotados, os revolucionários recuaram em direção a Recife. Frei Caneca participou dessa batalha. 

Em 19 de maio, tropas portuguesas entraram no Recife. A cidade estava abandonada e sem defesa.

Isolado, o governo provisório se rendeu no dia seguinte, 20 de maio. 

A dura sentença contra os revoltosos determinava que, depois de mortos, seriam cortadas as mãos, e decepadas as cabeças, que seriam pregadas em postes. Os restos seriam ligados às caudas de cavalos e arrastados até o cemitério.

Ainda como punição, a capitania de Pernambuco foi desmembrada da comarca de Alagoas, cujos proprietários rurais haviam se mantido fieis à Coroa, e acabaram conseguindo o direito de uma província independente.

Embora a revolução tenha "fracassado", a bandeira permanece até hoje como símbolo do Estado de Pernambuco, adotada oficialmente em 1917.

As notícias sobre Pernambuco causaram apreensão no RJ, e obrigaram D. João a mudar sua agenda, inclusive adiando por um ano sua sagração oficial como Rei do Brasil, Portugal e Algarves. Ele não queria passar ao mundo que recebia a coroa enquanto seu poder era contestado.

Sufocada a rebelião, era hora de celebrar. Começou ali a etapa mais festiva dos doze anos em que a Corte Portuguesa viveu no Brasil. Dois anos de celebração e exibição de poder como o Rio nunca havia presenciado. 

Governo monárquico

Importante observar que, na Revolução Pernambucana, era defendida a implantação de um governo republicano, como aconteceu nos EUA, e acabaria acontecendo em toda a américa independente, conforme explica o professor Thiago Pavanelli.

Apesar da difusão de ideias liberais e iluministas, que estariam ligadas à ideia de República, diferentemente ocorreria no Brasil, que, em 22, mesmo declarada a independência com relação a Portugal, formaria um governo monárquico. E isso se dá por interesses da elite, que está por trás da nossa emancipação.

Quer dizer: havia o desejo de independência de Portugal, mas não que levasse a grandes rupturas nem mudanças na estrutura social, sobretudo para que fosse mantida a economia agrária, latifundiária, e a escravidão - um dos principais interesses da elite.

Mas isso é papo para um próximo capítulo. Siga acompanhando a série.

Referências

Livro: 1808, de Laurentino Gomes 

Sites: Brasil de fato (PE), Diário de Pernambuco


Patrocínio

Patrocínio Migalhas