STF volta a analisar retroatividade da lei de improbidade
Devido ao horário, a sessão foi suspensa. O julgamento será retomado na sessão plenária desta quinta-feira, 18.
Da Redação
quarta-feira, 17 de agosto de 2022
Atualizado em 18 de agosto de 2022 12:49
Nesta quarta-feira, 17, o STF voltou a julgar se a nova lei de improbidade administrativa (lei 14.230/21) retroage ou não para ações já julgadas e para as em andamento. A Corte também deve definir se as alterações legais retroagem para beneficiar quem tenha cometido atos de improbidade administrativa na modalidade culposa, inclusive o prazo de prescrição para as ações de ressarcimento.
Na primeira sessão, proferiram voto o relator, Alexandre de Moraes, e o ministro André Mendonça, que abriu divergência. O voto divergente, no entanto, alcança apenas alguns aspectos.
Nesta tarde, votaram os ministros Nunes Marques, Edson Fachin, Luís Roberto Barroso e Dias Toffoli.
A sessão foi suspensa devido ao adiantado da hora. O julgamento será retomado na sessão plenária desta quinta-feira, 18, com o voto dos demais ministros. Faltam votar as ministras Rosa Weber e Cármen Lúcia e os ministros Ricardo Lewandowski, Gilmar Mendes e Luiz Fux.
Caráter penal
Primeiro a votar nesta tarde, o ministro Nunes Marques considera que, como tem caráter penal, a norma pode ser aplicada retroativamente para beneficiar o réu. Por esse motivo, não faz sentido a aplicação da lei anterior, mais rigorosa, para as condutas culposas, que deixaram de ser consideradas delituosas com a nova redação.
Para o ministro, a aplicação retroativa da lei não significará anistia geral das ações de improbidade, pois serão atingidas apenas as ações pendentes em 26/10/21 (data de entrada em vigor da nova lei), em que houver acusação da prática de improbidade culposa, sem sentença condenatória definitiva.
Leia a íntegra do voto de Nunes Marques.
Superveniência
O ministro Dias Toffoli concorda que, como a lei tem aspectos de natureza penal, as alterações podem retroagir para beneficiar os réus de ações em tramitação. Em seu entendimento, como a ilicitude deixou de existir, a retroatividade pode atingir, inclusive, pessoas sentenciadas em ações com decisão definitiva. Nesses casos, basta que o juiz responsável pela execução da sentença reconheça a superveniência da lei que aboliu a ilicitude e decrete sua absolvição.
Natureza civil
O ministro Edson Fachin, por sua vez, se manifestou pela irretroatividade total da lei. Segundo ele, as ações de improbidade têm natureza civil, e, portanto, deve ser levada em consideração a lei em vigor na época em que ocorreram os fatos ou em que foram instalados os procedimentos. A seu ver, a norma não pode retroagir nem mesmo para beneficiar pessoas denunciadas por condutas culposas, que deixaram de ser consideradas ilícitas.
Exceção
Também para o ministro Luís Roberto Barroso, a aplicação das leis se dá a partir do momento em que entram em vigor, e a retroatividade é uma exceção que, neste caso, não pode ser aplicada. Barroso considera que as alterações na lei de Improbidade Administrativa não podem retroagir nem mesmo para os processos pendentes, ou seja, em que não há decisão definitiva.
Nova lei
No ano passado, o presidente Jair Bolsonaro sancionou a lei 14.230/21, que altera a lei de improbidade administrativa e trata das punições a agentes públicos e políticos em práticas de enriquecimento ilícito, danos aos cofres públicos ou outras infrações contra a administração pública. Da nova lei, destacam-se as seguintes alterações:
- Exigência de dolo para que os agentes públicos sejam responsabilizados;
- Ministério Público passa a ter exclusividade para propor ação de improbidade;
- Danos causados por imprudência, imperícia ou negligência não podem mais ser configurados como improbidade;
- Não poderá ser punida a ação ou omissão decorrente de divergência na interpretação da lei.
No caso em análise pelo Supremo, o INSS ajuizou ACP com o objetivo de condenar uma procuradora, contratada para defender em juízo os interesses da autarquia, ao ressarcimento dos prejuízos sofridos em razão de sua atuação. A procuradora atuou entre 1994 e 1999, e a ação foi proposta em 2006.
Na origem, o juízo de 1º grau julgou improcedente o pedido, por considerar que não houve ato de improbidade, e condenou o INSS ao pagamento de multa por litigância de má-fé, custas processuais e honorários advocatícios. O TRF da 4ª região, contudo, anulou a sentença e determinou a abertura de nova instrução processual.
No recurso ao STF, a ex-procuradora argumenta que a ação seria inviável por ter sido proposta após o prazo prescricional de cinco anos. Sustenta, ainda, que a imprescritibilidade prevista na Constituição se refere a danos decorrentes de atos de improbidade administrativa, e não a ilícito civil.
Voto do relator
Em sessão anterior, o relator, ministro Alexandre de Moraes, primeiro a votar, entendeu que a lei não retroage para atingir casos com decisões definitivas (transitadas em julgado).
Segundo Moraes, a partir da lei 14.230/21, a configuração de atos de improbidade exige a intenção de agir (dolo) do agente, e a retirada da modalidade culposa (não intencional) é uma opção legislativa legítima. Para ele, a norma mais benéfica relacionada às condutas culposas não retroage para aplicação no caso de decisões definitivas e processos em fase de execução das penas.
Eis a tese sugerida:
1) É necessária a comprovação de responsabilidade subjetiva para a tipificação dos atos de improbidade administrativa, exigindo-se - nos artigos 9º, 10 e 11 da LIA - a presença do elemento subjetivo - DOLO;
2) A norma benéfica da Lei 14.230/2021 - revogação da modalidade culposa do ato de improbidade administrativa -, é IRRETROATIVIDA, em virtude do artigo 5º, inciso XXXVI, da Constituição Federal, não tendo incidência em relação à eficácia da coisa julgada; nem tampouco durante o processo de execução das penas e seus incidentes;
3) Aplicam-se os princípios da não ultra-atividade e tempus regit actum aos atos de improbidade administrativa culposos praticados na vigência do texto anterior da lei, porém sem condenação transitada em julgado, em virtude de sua revogação expressa pela Lei 14.230/2021; devendo o juízo competente analisar eventual má-fé ou dolo eventual por parte do agente.
4) O novo regime prescricional previsto na Lei 14.230/2021 é IRRETROATIVO, em respeito ao ato jurídico perfeito e em observância aos princípios da segurança jurídica, do acesso à Justiça e da proteção da confiança, garantindo-se a plena eficácia dos atos praticados validamente antes da alteração legislativa.
Leia a íntegra do voto de Moraes.
Voto de André Mendonça
O ministro André Mendonça foi o primeiro a divergir. Também em sessão anterior, entendeu que as condenações definitivas podem ser revertidas mediante ação rescisória. Veja a tese proposta pelo ministro:
I) as alterações promovidas pela Lei 14.230/2021 em relação ao elemento subjetivo apto a configurar o ato de improbidade administrativa, inclusive na modalidade do artigo 10 da LIA, aplicam-se aos processos em curso e aos fatos ainda não processados.
II) diante da proteção constitucional à coisa julgada, nos termos do art. 5º, XXXVI, da Carta de 1988, a aplicação da referida tese, quando cabível, aos processos já transitados em julgado, dependerá do manejo da respectiva ação rescisória, nos termos do art. 525, §§ 12 a 15 do CPC/2015.
III) as alterações promovidas pela Lei 14.230/2021 em relação aos novos prazos de prescrição intercorrente aplicam-se de maneira imediata, inclusive aos processos em curso e aos fatos ainda não processados, tendo como termo inicial, nestes casos, a data de entrada em vigor da inovação legislativa;
IV) o novo prazo de prescrição geral tem aplicação imediata, inclusive aos processos em curso e aos fatos ainda não processados, devendo ser computado, contudo, o decurso do tempo já transcorrido durante a vigência da norma anterior, estando o novo prazo limitado ao tempo restante do lustro pretérito, quando mais reduzido em relação ao novo regramento.
Leia a íntegra do voto de André Mendonça.
O placar inicial gerou dúvidas, as quais foram esclarecidas pelo Migalhas.
- Processo: ARE 843.989