TCU condena Deltan e Janot a devolverem R$ 2,8 mi gastos na Lava Jato
O ex-PGR Rodrigo Janot, o ex-chefe da força-tarefa Deltan Dallagnol e o ex-procurador-chefe do MP João Vicente devem ressarcir, solidariamente, R$ 2,8 milhões ao erário por indústria milionária de diárias da Lava Jato.
Da Redação
terça-feira, 9 de agosto de 2022
Atualizado em 10 de agosto de 2022 07:02
A 2ª câmara do TCU condenou, nesta terça-feira, 9, Deltan Dallagnol, Rodrigo Janot e João Vicente por irregularidades em gastos com diárias e passagens enquanto atuavam na força-tarefa da Lava Jato. Decisão do colegiado pela irregularidade das contas foi unânime.
Com a decisão, o ex-PGR, o ex-chefe da força-tarefa e o ex-procurador-chefe do MP devem ressarcir ao erário, solidariamente, o valor histórico de R$ 2.831.808,17.
O colegiado considerou a prática de atos antieconômicos, ilegais e ilegítimos consubstanciados em condutas que, em tese, podem caracterizar atos dolosos de improbidade administrativa, a serem examinados em ação própria pelos órgãos competentes.
Voto do relator
Bruno Dantas destacou que o cerne dos autos não diz respeito à forma de organização do MPF, tampouco ao exercício das funções institucionais, mas sim à gestão administrativa dos recursos daquele órgão público.
Foram constatadas as seguintes irregularidades:
a) falta de fundamentação adequada para a escolha desse modelo, visto que alternativas igualmente válidas não foram devidamente consideradas;
b) violação ao princípio da economicidade, porquanto o modelo escolhido mostrou-se mais dispendioso aos cofres públicos;
c) ofensas ao princípio da impessoalidade, tanto na opção pelo modelo mais benéfico e rentável aos participantes quanto na falta de critérios técnicos que justificassem a escolha de quais procuradores integrariam a operação.
Dantas destaca que poderia se considerar mera incompetência administrativa, "mas as circunstâncias indicam uma atuação deliberada de saque aos cofres públicos para benefício privado". Ele pontua que os procuradores já recebiam auxílio-moradia, e, como o pagamento não poderia ser duplicado, o pagamento de diárias e passagens "foi a fórmula idealizada, operacionalizada e liquidada de escamotear a ordenação de despesas fora da moldura legal mediante golpe hermenêutico tão rudimentar quanto indecoroso".
O relator pontuou que os próprios procuradores chegaram a questionar o recebimento dos valores mediante consultas formais, justamente para dar "ares de legalidade", ratificando os atos que a Corte de Contas agora analisa. "Embora o descalabro fosse patente, decisão mais racional não foi adotada."
Dantas citou alguns procuradores que receberam "valores históricos" de diárias e passagens, e citou "casos que causam perplexidade", como o de Diogo Castor, que recebeu R$ 373 mil em diárias referentes a estadia em Curitiba, mesmo residindo na cidade.
Antonio Carlos Welter - R$ 549 mil
Orlando Martello Junior - R$ 509 mil
Januário Paludo - R$ 405 mil
Carlos Fernando dos Santos Lima - R$ 347 mil
Diogo Castor - R$ 373 mil
Ao analisar as alegações de defesa, Dantas separou os acusados em dois grupos: os que exerciam atos de gestão, e os demais.
i) Rodrigo Janot, João Vicente e Deltan Dallagnol;
ii) Januário, Isabel Groba Vieira, Antonio Carlos Welter, Jerusa Viecili, Carlos Fernando Lima, Diogo Castor e Orlando Martello Jr.
Segundo grupo
Quanto ao segundo grupo, o relator observou que estes membros não exerceram ato de gestão; atuaram, em verdade, na atividade-fim, e foram designados pelo procurador-Geral. A estes, entendeu que não haveria elemento para autorizar suas responsabilizações. "Opto pelo acolhimento das alegações de defesa e consequente julgamento pela regularidade destas contas especiais."
Primeiro grupo
Diferente foi a conclusão com relação ao primeiro grupo. Para Bruno Dantas, os três primeiros citados foram responsáveis pela adoção do formato de força-tarefa, o qual foi desprovido da devida fundamentação, com a consequente prática de modelo antieconômico de custeio. Apontou, assim, que os danos ao erário seriam atribuídos aos três agentes arrolados como responsáveis - quais sejam, Rodrigo Janot, João Vicente Beraldo e Deltan Dallagnol.
A defesa de Janot citou, entre outros pontos, a regularidade dos gastos e inexistência de questionamentos anteriores. João Vicente argumentou não ter praticado ato de gestão, e impossibilidade de compreensão sobre a duração dos trabalhos. Por fim, Dallagnol disse, entre outros pontos, que o modelo foi aprovado pelos órgãos superiores do MPF.
Sobre as alegações, Dantas destacou que os responsáveis se omitem em atacar a premissa dos atos irregulares. Para ele, "as teses de defesa não se sustentam", bem como porque "sobre a ausência de motivação para as decisões adotadas à época, a defesa nada fala".
"Os argumentos da defesa estão desprovidos de compreensão de que havia ilegitimidade para atuar na forma pretendida, pois os atos definidores e perpetuadores do modelo adotado não eram francamente discricionários. É dizer, a parcela de liberdade de ação institucional só seria legítima caso estivesse motivada e calcada por análises mínimas sobre custos e alternativas."
Para Bruno Dantas, a improcedência da tese de defesa dos responsáveis deriva de um aspecto óbvio: os procuradores engajados na força-tarefa já recebiam o salário previsto em lei para desempenhar suas atribuições, "e não existe previsão legal para pagamento de gratificações ou recompensas por serviços relevantes".
Conforme manual de forças-tarefas do próprio MPF, o autor da iniciativa e líder da força-tarefa é quem pleiteia recursos materiais. Ao PGR compete autorizar a criação do grupo, e demais atos administrativos relacionados.
"Sob esse prisma, se assenta a responsabilidade do coordenador da referida força-tarefa, Deltan Martinazzo Dallagnol."
Para Dantas, extrai-se da defesa que os procuradores só se interessariam por exercer suas atividades funcionais "para as quais são excelentemente remunerados" caso houvesse alguma compensação financeira adicional para motivá-los.
"As declarações dos defendentes se amoldam exatamente às constatações: de que um mecanismo artificioso de remuneração adicional foi necessário para motivar os procuradores a assumirem trabalhos menos cômodos, já que o subsídio equivalente ao teto do funcionalismo público, somado ao benefício de auxílio-moradia, não era suficiente para mantê-los 'interessados' em exercer as atribuições que a sociedade brasileira ordinariamente deles espera."
Ele destacou que não é tarefa da Corte fundamentar o melhor modo de atuação do parquet; o debate, porém, trata da ausência de fundamentação.
"Tudo está a indicar que a ausência de fundamentação foi estratégica, exatamente para eximir os proponentes da força-tarefa do ônus argumentativo de justificar o desvirtuamento de figuras jurídicas idealizadas para indenizar despesas transitórias e eventuais por interesse do serviço."
Em seu voto, Bruno Dantas observou que havia pessoalidade na escolha dos membros da força-tarefa. Como exemplo, citou Diogo Castor, que havia sido estagiário de Deltan Dallagnol, e que foi chamado para integrar o grupo logo após ser aprovado no concurso para procurador. "Ou seja, sua experiência no cargo e no ofício era zero, e mesmo assim foi selecionado". Foram citados outros exemplos a fim de corroborar que os critérios adotados foram "pessoais e casuísticos", destinados a favorecer "o grupo de membros intimamente ligados".
"Avaliadas as condutas em exame sob todos esses prismas, considero irregulares e altamente reprováveis as escolhas administrativas feitas no âmbito do MPF. Foi adotado modelo concebido para situações eventuais e excepcionais, o que claramente não era o caso da força-tarefa da Lava Jato, como forma de dar aparência de legalidade a uma prática antieconômica, imoral, ímproba, lesiva aos cofres públicos e, por tudo isso, manifestamente irregular."
Assim, para Dantas, restou constatado nos autos o dano ao erário decorrente de ato de gestão ilegítimo e antieconômico, "cenário que demanda julgar irregulares as contas especiais dos responsáveis pela adoção do referido modelo de custeio com base em diárias e passagens, em especial considerando os princípios da economicidade e da impessoalidade", devendo os responsáveis serem condenados ao pagamento do débito apurado nos autos bem como aplicada multa individual.
Diante disso, votou para rejeitar as razões de justificativa e julgar irregulares as contas de Rodrigo Janot Monteiro de Barros, João Vicente Beraldo Romão e Deltan Martinazzo Dallagnol em razão de prática de atos antieconômicos, ilegais e ilegítimos consubstanciados em condutas que, em tese, podem caracterizar atos dolosos de improbidade administrativa, a serem examinados em ação própria pelos órgãos competentes, e os condene solidariamente ao ressarcimento ao erário no valor total histórico de R$ 2.597.536,39, que atualizado até 13/4/2022 atingiu a cifra de R$ 2.831.808,17.
A decisão do tribunal foi unânime.
Tomada de Contas Especial
O processo teve como alvo Dallagnol e outros membros da antiga força-tarefa da Lava Jato. O pedido de análise foi formulado pelo MP junto ao Tribunal de Contas e acatado pelo relator no TCU, ministro Bruno Dantas. Ao aceitar a abertura do processo de TCE, Dantas mostrou uma tabela com os valores gastos em viagens da Lava Jato de Curitiba: a soma é de R$ 1.249.240,61 com passagens e R$ 3.646.320,22 com diárias.
A defesa de Dallagnol chegou a opor embargos, que impediriam o julgamento, mas Dantas negou o recurso ante o risco de prescrição, por considerar a necessidade de observância do princípio da celeridade processual.
A preocupação do ex-MP é de que o processo resulte em sua inelegibilidade. A lei da Ficha Limpa é clara no sentido de que o candidato que teve contas relativas a funções públicas rejeitadas por irregularidade insanável, que configure ato doloso de improbidade, condenado por decisão irrecorrível do órgão competente, ficará impedido de se eleger por oito anos.
g) os que tiverem suas contas relativas ao exercício de cargos ou funções públicas rejeitadas por irregularidade insanável que configure ato doloso de improbidade administrativa, e por decisão irrecorrível do órgão competente, salvo se esta houver sido suspensa ou anulada pelo Poder Judiciário, para as eleições que se realizarem nos 8 (oito) anos seguintes, contados a partir da data da decisão, aplicando-se o disposto no inciso II do art. 71 da Constituição Federal, a todos os ordenadores de despesa, sem exclusão de mandatários que houverem agido nessa condição;
Hoje, Dallagnol é pré-candidato a uma vaga na Câmara, pelo Podemos.
- Processo: TC 006.470/2022-0