STF volta a julgar irretroatividade da lei de improbidade
O julgamento será retomado na sessão plenária desta quinta-feira, 4, com o voto do relator, ministro Alexandre de Moraes.
Da Redação
quarta-feira, 3 de agosto de 2022
Atualizado em 24 de agosto de 2022 15:54
Nesta quarta-feira, 3, o STF começou a julgar se a nova lei de improbidade administrativa (lei 14.230/21), sancionada no ano passado, retroage e alcança ações julgadas ou em andamento.
Na tarde de hoje, ocorreram as sustentações orais das partes envolvidas e do PGR, Augusto Aras. O relator, ministro Alexandre de Moraes, iniciou seu voto, todavia, a sessão foi suspensa devido ao adiantado da hora.
O julgamento será retomado na sessão plenária desta quinta-feira, 4.
Entenda a nova lei
No ano passado, o presidente Jair Bolsonaro sancionou a lei 14.230/21, que altera a lei de improbidade administrativa e trata das punições a agentes públicos e políticos em práticas de enriquecimento ilícito, danos aos cofres públicos ou outras infrações contra a administração pública.
Da nova lei, destacam-se as seguintes alterações:
- Exigência de dolo para que os agentes públicos sejam responsabilizados;
- Ministério Público passa a ter exclusividade para propor ação de improbidade;
- Danos causados por imprudência, imperícia ou negligência não podem mais ser configurados como improbidade;
- Não poderá ser punida a ação ou omissão decorrente de divergência na interpretação da lei.
Entenda o caso
No caso em análise, o INSS ajuizou ação civil pública, com o objetivo de condenar uma procuradora, contratada para defender em juízo os interesses da autarquia, ao ressarcimento dos prejuízos sofridos em razão de sua atuação. A procuradora atuou entre 1994 e 1999, e a ação foi proposta em 2006.
Na origem, o juízo de 1º grau julgou improcedente o pedido, por considerar que não houve ato de improbidade administrativa, e condenou o INSS ao pagamento de multa por litigância de má-fé, custas processuais e honorários advocatícios. O TRF da 4ª região, contudo, anulou a sentença e determinou a abertura de nova instrução processual.
No recurso ao STF, a ex-procuradora argumenta que a ação seria inviável por ter sido proposta após o prazo prescricional de cinco anos. Sustenta, ainda, que a imprescritibilidade prevista na Constituição se refere a danos decorrentes de atos de improbidade administrativa, e não a ilícito civil.
Relevância
Devido a relevância da matéria, o recurso teve repercussão geral reconhecida em fevereiro deste ano, assim, o que for decidido pelo Supremo no caso em análise será aplicado aos demais processos semelhantes.
Em manifestação no plenário virtual, o ministro Alexandre de Moraes, relator do recurso, observou que a controvérsia é de "suma importância" para o cenário político, social e jurídico e que o interesse sobre a matéria ultrapassa as partes envolvidas.
Moraes explicou que, mesmo sem definir se a procuradora atuou com dolo ou culpa, o TRF-4 já antecipou, no julgamento de embargos de declaração, o entendimento sobre a imprescritibilidade da pretensão de ressarcimento de danos causados ao erário por atos de improbidade administrativa ocorridos após CF/88. Observou, ainda, que o INSS, no pedido de ressarcimento, atribui à procuradora conduta negligente (culposa) na condução dos processos judiciais.
Sustentações orais
Em defesa da ex-procuradora, o advogado Francisco Zardo (Dotti Advogados) sustentou pela retroatividade da nova lei. Segundo ele, o principal argumento para a irretroatividade seria porque a norma utiliza a expressão "lei penal", logo, o benefício somente se aplicaria a crimes. No entanto, em sua visão, "essa é uma interpretação gramatical, insuficiente para alcançar o sentido de garantias fundamentais constitucionais".
Representando o MP/SP, o procurador-geral de Justiça do MP Mário Luiz Sarrubbo afirmou que retroatividade não foi prevista no dispositivo questionado, não podendo, assim, admitir sua aplicação pretérita. "A Constituição Federal sempre diferenciou e diferencia lei Penal e demais sanções", concluiu.
A promotora Fabiana Lemes Zamalloa do Prado também sustentou na Corte. A parquet alegou que caso o constituinte quisesse estender a retroatividade da lei benéfica ao sistema de improbidade administrativa, não teria ele restringido a garantia apenas a lei penal. Assim, asseverou que "não houve lacuna do constituinte, mas, sim, opção legitima de não a aplicar no sistema de improbidade administrativa".
O advogado Saul Tourinho Leal (Ayres Britto Consultoria Jurídica e Advocacia), representando a FNP - Frente Nacional de Prefeitos, defendeu a retroatividade da norma. De acordo com ele, o benefício é viável, uma vez que a "CF/88 elegeu várias hipóteses onde uma condenação criminal equivale, quanto ao resultado, a uma condenação por improbidade".
O procurador do Estado do Ceará Vicente Braga, presidente da ANAPE - Associação Nacional dos Procuradores dos Estados e do Distrito Federal, também sustentou na Tribuna como representante do CF/OAB. Em sua fala, Braga lembrou jurisprudência segundo a qual o chamado direito administrativo sancionador se aproxima do direito penal e do sistema criminal.
"Não se pode negar aos acusados, em ação de improbidade administrativa, direitos por simetria do direito penal aplicáveis ao direito administrativo sancionador", destacou.
Posicionamento da PGR
Da tribuna, a PGR defendeu que alterações trazidas pela lei 14.230/21 não retroagem para beneficiar agentes públicos já condenados com base em regras que vigoravam anteriormente (lei 8.429/92). No entendimento de Augusto Aras, os novos prazos prescricionais introduzidos pela atual legislação, ainda que atinjam práticas delituosas cometidas na vigência do antigo regramento, só devem ser computados a partir de 2021.
"O novo regime da prescrição deve ser aplicado no modelo de transição, de modo que novos prazos incidam em relação a condutas anteriores apenas a partir do novo diploma."
- Processo: ARE 843.989