Reforma regulamentar da OCDE pode inviabilizar função da OAB
Uma das sugestões de mudança diz respeito a não obrigatoriedade da inscrição na OAB para o exercício da advocacia.
Da Redação
sexta-feira, 1 de julho de 2022
Atualizado às 12:54
Na última semana, a OCDE - Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico publicou o relatório "Regulatory Reform in Brazil", no qual estabelece melhorias e conformações necessárias a diversos setores de bens e serviços da economia brasileira.
Em texto publicado nesta semana, Gabriel Rodrigues Teixeira, autor da coluna Migalhas para Estudantes, ressaltou a urgência de se debater as medidas apresentadas pela OCDE como necessárias à desburocratização regulamentar do Brasil, pois o cumprimento à risca das medidas hoje apontadas como necessárias significaria a completa transformação da OAB e da advocacia como hoje é praticada.
"Se as sugestões apresentadas no relatório se concretizarem em demandas obrigatórias para a entrada do Brasil na OCDE, não é difícil imaginar mudanças profundas na advocacia e na atuação da OAB no âmbito federal."
O presidente da OAB, Beto Simonetti, classificou as exigências em relação à advocacia como "absurdas e despropositadas". Segundo ressaltou o presidente, para ser advogado é necessário "comprovar um mínimo de conhecimento profissional apto a bem defender os direitos dos cidadãos".
Entenda a seguir lendo a coluna na íntegra:
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Em janeiro deste ano, passada quase meia década desde a primeira manifestação oficial favorável por parte de autoridades brasileiras, o conselho de ministros da Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE) aprovou que negociações formais visando a entrada do Brasil no grupo fossem realizadas.
Fundada em 1961, a OCDE é composta pelas maiores economias do mundo - entre os atuais dez países de maiores PIBs, apenas Brasil, Índia e China não são membros - e, com o passar dos anos, tornou-se espaço relevante nas discussões econômicas internacionais. Dessa forma, o ingresso do Brasil no grupo é considerado por muitos um passo fundamental para a formação de vantajosos acordos comerciais com países desenvolvidos e a atração de investimentos externos.
A parte da negociação formal trata-se, pois, de uma etapa fundamental do processo de admissão: os países postulantes à OCDE devem se adequar a padrões estabelecidos pela organização - denominados por ela "melhores práticas internacionais" - referentes a aspectos de ordem econômica, social, legal e política.
No último 21 de junho a OCDE publicou o relatório "Regulatory Reform in Brazil", no qual estabelece melhorias e conformações necessárias a diversos setores de bens e serviços da economia brasileira. As medidas sugeridas neste relatório provavelmente serão os futuros postulados administrativos aos quais o Brasil deverá se submeter para sacramentar sua tão desejada entrada no famoso "Clube dos Países Ricos".
É urgente debater as medidas apresentadas pela OCDE como necessárias à desburocratização regulamentar do Brasil, pois o cumprimento à risca das medidas hoje apontadas como necessárias significaria a completa transformação da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB) e da advocacia como hoje é praticada.
O debate é urgente e relevante porque se estima em 2 a 5 anos para que o Brasil implemente, ou não, as mudanças sugeridas.
A partir da página 25 do relatório são citadas as seguintes medidas que se referem às profissões liberais e especificamente à advocacia no Brasil:
- Reavaliar a obrigatoriedade da inscrição na OAB para o exercício da advocacia;
- Reconsiderar a exigência de que advogados estrangeiros tenham que passar pelo Exame de Ordem;
- Considerar a possibilidade de o Exame de Ordem ser realizado por autoridade pública independente, ao invés da OAB;
- Considerar retirar as restrições à atuação de um mesmo advogado em diferentes estados da federação (seccionais da OAB), o que significaria o fim da inscrição suplementar;
- Reavaliar a obrigatoriedade da inscrição na OAB para o exercício da advocacia, entendida comumente como responsável pela manutenção de uma conduta adequada, consistente e regrada por parte dos advogados a nível nacional;
- Aumentar o nível de competitividade nas cobranças pelos serviços prestados a partir da remoção de regulações e recomendações relativas a valores dos honorários;
- Acabar com o impedimento à associação entre a advocacia e outros tipos de empreendimento comercial;
- Remover restrições consideradas desnecessárias, entre as quais é citada a proibição a anúncios e propagandas de serviços de advocacia - atualmente, cabe à OAB coibir esse tipo de publicidade.
Se as sugestões apresentadas no relatório se concretizarem em demandas obrigatórias para a entrada do Brasil na OCDE, não é difícil imaginar mudanças profundas na advocacia e na atuação da OAB no âmbito federal.
Será missão do Conselho Federal e das lideranças seccionais da OAB monitorar o avanço das pautas referentes à adesão brasileira à OCDE pelos próximos tempos. Teme-se, justamente, que proposições drásticas relacionadas à advocacia - tais quais as citadas - sejam exigidas e posteriormente aprovadas sem alarde em meio aos tantos termos de caráter comercial constituintes do futuro acordo.
O prosseguimento do tema sem os devidos debates necessários à formação de um amplo consenso social referentes às medidas seria danoso aos interesses de todos aqueles diretamente ligados ao Direito, de estudantes a advogados.
As proposições da OCDE - se confirmados os rigorosos e desarticulantes moldes atuais - contrariariam diretamente o disposto no texto constitucional: "o advogado é indispensável à administração da justiça, sendo inviolável por seus atos e manifestações no exercício da profissão, nos limites da lei" (Artigo 133).
A essencialidade notável da OAB e do exercício da advocacia, a qual é ancorada em suas responsabilidades perante a sociedade civil e resguardada pelo texto constitucional de 1988, torna certamente imprópria uma possível transformação regulamentária com vistas estritamente comerciais, tal qual a sugerida no relatório da OCDE. Por consequência, qualquer avanço nos processos referentes à admissão brasileira à organização deve contemplar a relevância invariável dos serviços e das pautas da advocacia civil à sociedade nacional, ao contrário da atual perspectiva adotada - a qual foca demasiadamente em elementos de ordem comercial e econômica em detrimento de aspectos relativos aos interesses sociais.