Ministro Sebastião Reis dá dicas valiosas aos operadores do Direito
A partir da experiência como advogado e julgador, S. Exa. empresta suas luzes para um verdadeiro manual de como devem agir os operadores do Direito, de modo a aprimorar a prestação jurisdicional.
Da Redação
sexta-feira, 17 de junho de 2022
Atualizado às 16:59
Em artigo enviado a este nosso poderoso rotativo, o ministro do STJ Sebastião Reis Jr dá sugestões de ouro a juízes, advogados e membros do Ministério Público com o objetivo de melhorar a prestação jurisdicional.
O ministro cita uma fala da ministra Laurita Vaz, sua colega de Tribunal e de turma, pedindo que os advogados sejam objetivos.
Mais adiante, Sebastião Reis Jr. comenta o imenso volume de processos que chegam ao STJ, tema já abordado por ele em sessão, e faz um verdadeiro chamamento a todos os atores da Justiça:
"Precisamos acordar e agir de modo não só a diminuir o volume de processos em curso, como também a facilitar a sua análise. Devemos agir em comum acordo."
Leia, logo abaixo, a íntegra do artigo; um verdadeiro guia de boas maneiras no Judiciário.
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Sugestões a juízes, advogados e membros do Ministério Público para uma melhor prestação jurisdicional
Sempre que me perguntam sobre a importância da presença do advogado na composição dos tribunais, digo que são duas:
A primeira é levar para dentro do Tribunal a vivência da advocacia, em tudo diferente da vivência daquele que é magistrado há anos ou integrou o Ministério Público por anos antes de chegar ao Tribunal. São visões distintas que se complementam e ajudam a procurar e alcançar uma decisão melhor.
A segunda, e que, a meu ver, ganha, a cada dia que passa, uma relevância maior, é o caminho inverso: apresentar aos advogados a realidade das cortes, uma visão, agora, de quem, antes advogado, tornou-se juiz integrante de um colegiado.
É o que pretendo fazer agora.
Recentemente este informativo deu ênfase a um pedido da Min. Laurita Vaz, ex-presidente do Superior Tribunal de Justiça e atual integrante e presidente da Sexta Turma, para que os advogados fossem objetivos em sustentação oral.
Naquele dia, se bem me lembro, havia 475 processos na pauta, sendo que, 23, eram objeto de pedido de destaque dos advogados e, em 24, havia pedido de sustentação. Destes 24, 9 eram em agravos regimentais. Assim, considerando o prazo regimental para a fala do defensor (15 minutos nos processos normais e 5 minutos nos agravos regimentais), só considerando as sustentações, a sessão duraria cerca de 4,5 horas. A esse tempo, devemos incluir eventuais falas do Ministério Público, esclarecimentos de fatos nos casos de destaque feitos pelos próprios advogados, leitura dos votos pelos ministros e debates próprios do colegiado que, como aqueles que presenciam as sessões da Sexta Turma sabem, não são raros (só naquele dia existiam 19 destaques nossos e um voto-vista a ser julgado, além dos debates decorrentes das sustentações e dos processos destacados).
Fácil perceber, portanto, que não seria possível, como não foi, encerrar a sessão naquele mesmo dia. Creio que 12 sustentações foram adiadas para a sessão seguinte, ocorrendo o mesmo com cerca de metade dos destaques, dando início a uma bola de neve que só tende a crescer.
O problema, porém, não se limita apenas às sessões de julgamento. O acúmulo de processos é um mal que atinge o Superior Tribunal de Justiça. Do dia primeiro de janeiro até hoje, 16/6/2022, já recebi 5.509 processos, sendo 4.006 HCs e RHCs (a grande maioria com pedidos liminares). Se multiplicarmos por dez, veremos que os ministros da Terceira Seção receberam mais de 55.000 processos, sendo mais de 40.000 HCs e RHCs.
O problema, tenho dito com certa insistência até, não é de fácil solução. Várias são as razões para isso - vou me concentrar na área Penal:
Algumas positivas, como o aumento do acesso ao Tribunal, com o festejado, diga-se de passagem, incremento da atuação das Defensorias Públicas.
Outras, porém, negativas: injustificada insistência dos tribunais e juízes em não seguir precedentes fixados pelos Tribunais Superiores; excesso de litigância por parte do Ministério Público (recursos sabidamente improcedentes e denúncias fadadas ao insucesso) bem como silêncio, e porque não dizer, endosso, muitas vezes inexplicável, do próprio Ministério Público em relação a abusos e ilegalidades cometidas por parte da polícia durante a investigação policial (abusos e ilegalidades que, frequentemente, dão causa ao insucesso das ações penais subsequentes); e abuso no uso de recursos e ações constitucionais por parte da defesa (HCs fadados ao insucesso que atacam decisões que estão em consonância com a jurisprudência da Casa; HCs sem instrução suficiente; HCs, RHCs e REsp/AREsp interpostos simultaneamente contra uma mesma decisão; questões não trazidas a tempo e a hora suscitadas inúmeras vezes em HCs/RHCs quando a ação penal já tem trânsito em julgado ou quando já passado o momento de que a questão fosse suscitada; reiteração de HCs contra uma mesma decisão etc.).
Também o Tribunal contribui para isso, já que, muitas vezes, demora em pacificar questões jurídicas relevantes ou contraria seus próprios precedentes, criando uma insegurança jurídica que não deve existir.
Tais problemas não são de fácil solução. Lei alguma vai convencer juízes e tribunais a seguirem os precedentes fixados por STJ e STF; e lei alguma vai limitar, do dia para a noite, a atuação litigiosa tanto do MP quanto das defesas. A mudança passa, necessariamente, por uma nova forma de pensar e agir. Uma mentalidade diferente precisa orientar o Judiciário brasileiro (e, quando falo em Judiciário, refiro-me a todos que dele participam).
Do nosso lado, temos tentado, sempre que possível, uniformizar o mais rápido possível as questões controversas. O Colegiado da Terceira Seção tem sido utilizado, com muita frequência, para apreciar não só processos repetitivos como também HCs e recursos afetados que cuidam de assuntos controversos.
E temos sempre disponibilizado nossos votos com antecedência, de modo que haja um debate prévio à própria sessão de julgamento, aumentando, assim, o controle quanto a eventuais decisões discordantes e contrárias ao nosso entendimento pacificado, além de viabilizar a inclusão e o julgamento de outros processos na sessão.
Porém, nos tempos atuais, em que o Tribunal, como dito mais acima, encontra-se assoberbado de processos, sendo que todos são eletrônicos, com acesso fácil por parte não só de advogados e do Ministério Público mas também de todos aqueles que vão participar do julgamento; em que as audiências deixaram de ser unicamente presenciais, podendo ocorrer tanto por meio virtual como telefônico; em que as sessões de julgamento são transmitidas em tempo real pelo Youtube, plataforma na qual a presença de advogados e julgadores pode ocorrer tanto por meio presencial quanto virtual; e em que o processo eletrônico e o uso do computador facilitaram o peticionamento, é fácil perceber que uma simples mudança nos hábitos de juízes, advogados e promotores / procuradores pode, desde já, ajudar na celeridade processual.
Do mesmo modo que votos e decisões não precisam ser longas, repletos de precedentes e citações doutrinárias, salvo naqueles casos em que estamos diante de uma situação nova, controversa, examinada pela primeira vez; petições devem ser objetivas, claras, didáticas, não cabendo mais, salvo situações excepcionais, a referência a precedentes do relator do caso ou já conhecidos por todos os integrantes do Tribunal; doutrinas repetitivas e, muitas vezes, enfadonhas, já endossadas ou refutadas, várias e várias vezes, pelo órgão que apreciará a ação/recurso.
Ainda tratando de petições, cabe à parte interessada ajudar o juiz e, para isso, deve indicar a página em que os documentos e decisões a que se refere se encontram. Nada de letras pequenas ou parágrafos longos que tornam a leitura cansativa e difícil. Da mesma forma, o uso de novidades como QR code ou gráficos, desenhos, quadros e mapas devem ser usados com parcimônia. O subscritor da petição teve ter em mente que o leitor desta, muitas vezes, não é dado às modernidades.
Memoriais são bem-vindos, se objetivos e diretos. Não se renova no memorial tudo aquilo que se encontra no processo. Ele deve ser usado para chamar a atenção do julgador para o ponto ou pontos centrais da controversa. Não é demais lembrar que o julgador, mesmo não sendo o relator do feito, tem acesso à sua integralidade, já que estamos falando de processos eletrônicos.
Em audiência o advogado / procurador / promotor deve ser direto, também tratando do ponto central da controvérsia, não se estendendo a detalhes do processo ou mesmo assuntos periféricos, salvo iniciativa do juiz / desembargador / ministro. Não é demais lembrar que boa parte das audiências hoje ocorrem de forma não presencial.
Deve o representante da parte conhecer do processo, já que poderá ser questionado sobre pontos que tenham provocado curiosidade no interlocutor, não limitando seu conhecimento às razões postas no memorial que deverá entregar naquela oportunidade.
Semelhante postura deverá adotar por ocasião da sustentação. A premissa básica, nos tempos atuais, é a de que o relator do feito já disponibilizou seus votos aos seus colegas (na Sexta Turma, em regra, os votos são disponibilizados no máximo na sexta-feira que antecede a sessão de terça-feira!).
Assim, aquele que sustenta, deve ser econômico nos cumprimentos (não precisa se dirigir a cada um dos presentes nem salientar a emoção de se encontrar naquela tribuna) e objetivo na sua fala. Ler jamais, salvo no caso de citação de trechos de uma decisão, de um precedente ou de uma doutrina realmente pertinentes e relevantes ao caso (quem sustenta deve se preparar para o ato, treinando antes sua fala). Também, aqui, o advogado ou procurador deve estar preparado para ser questionado pelos julgadores sobre fatos do processo. Não deve, ele, portanto, conhecer apenas o que vai falar, mas todo o processo.
Em contrapartida, os julgadores também devem ajudar na celeridade das sessões: nada de ler todo o voto, salvo em situações únicas, lendo citações, precedentes e referências. Sempre que possível deve orientar a própria sustentação, esclarecendo se esta é necessária (quando o pedido está sendo acolhido pelo colegiado) ou se necessária apenas em parte (há vários pedidos, sendo que alguns já estão sendo acolhidos).
Recentemente, com o advento da Lei n. 14.365/2022, a advocacia nacional recebeu com muita alegria a alteração do art. 7º do Estatuto da OAB, que ampliou a possibilidade de realizar sustentação oral nos recursos interpostos contra decisão monocrática que julgar o mérito e inadmitir apelação, recurso ordinário, recurso especial, recurso extraordinário, embargos de divergência, ação rescisória, mandando de segurança, reclamação, habeas corpus, entre outras ações de competência originária.
Essa vitória, contudo, como já foi percebido, tornará as sessões mais longas ainda, sem que necessariamente a qualidade dos julgamentos seja aprimorada. Não se resolve o problema do excesso de decisões monocráticas com a possibilidade de fala na tribuna. Aqui, o "x" da questão é o volume de processos que chegam ao Tribunal. Não há como julgar, no colegiado, todos os processos distribuídos. E solução para esse problema deverá ser discutida de forma ampla, em um debate que, necessariamente, envolverá juízes, advogados, Ministério Público, defensores públicos, Executivo e Legislativo.
Em suma, considerando o momento em que vivemos, precisamos acordar e agir de modo não só a diminuir o volume de processos em curso, como também a facilitar a sua análise. Devemos agir em comum acordo. Soluções unilaterais não são suficientes para resolver problemas tão sérios como os aqui relatados. Temos que acompanhar a realidade dos processos.
Existem práticas, como as que sugeri mais acima, que, para tornarem-se realidade, dependem apenas de nós. Não há necessidade de melhor aparelhamento da máquina, de melhor preparo de servidores ou de novas leis. Basta a boa vontade de juízes, advogados e membros do Ministério Público. A mudança de costumes exige boa vontade e nada mais.
Já para os problemas maiores, mais profundos, como o excesso de processos, a solução há de ser encontrada em conjunto, após debate profundo entre todos os envolvidos, que devem estar abertos a debater e mudar ideias preconcebidas de como aprimorar o ato de julgar. Chega de nos limitarmos a apontar culpados (sempre os outros) e nos calarmos quanto a soluções efetivas ou sugerir apenas aquilo que nos parece mais conveniente.