Homem com passaporte retido por dívida poderá ver filhas no exterior
Segundo o colegiado, a apreensão de documento geraria sério constrangimento e representaria grave infração ao direito fundamental de ir e vir, não devendo ser utilizado como meio coercitivo para a execução da dívida.
Da Redação
segunda-feira, 23 de maio de 2022
Atualizado em 24 de maio de 2022 10:38
O pleno do TRT da 18ª região concedeu HC a um empresário do ramo de alimentação de Goiânia e liberou o passaporte retido em uma execução trabalhista movida contra a empresa. Segundo a decisão, a retenção do documento restringe o direito de locomoção do sócio executado.
O desembargador Platon Teixeira Filho abriu divergência da relatora, desembargadora Kathia Albuquerque, e foi acompanhado pela maioria do colegiado. Assim, ele foi o redator do acórdão.
Habeas Corpus
O empresário, com 75 anos, relatou que estaria impedido de emitir e utilizar novo passaporte, fato que limita sua liberdade de locomoção ao território nacional. Afirmou que sua família, duas filhas, moram no exterior. Narrou que nas duas vezes em que deixou o país, após o fim das atividades empresariais, não se tratou de luxo, lazer ou hobby, mas sim de viagem para reencontrar as filhas, por meio do patrocínio delas.
Explicou que a restrição à liberdade de locomoção, forma de coerção ao pagamento de débito trabalhista, no caso concreto, não se afigura adequada, proporcional e razoável. Afirmou que sobrevive de rendimentos de aposentadoria oficial, "após uma longa vida de trabalho e geração de emprego, tributos e renda, nos empreendimentos que desenvolveu no estado de Goiás".
Voto da relatora
A relatora, desembargadora Kathia Albuquerque, votou pela manutenção da retenção do passaporte. Na sua avaliação, é cabível a apreensão do passaporte, uma vez que nem sequer foi anexada aos autos cópia do passaporte do paciente. Destacou, ainda, que a realização de viagens para o exterior implicaria gastos que poderiam ser usados para quitação da dívida.
Liberdade de locomoção
No entanto, prevaleceu no julgamento a divergência aberta pelo desembargador Platon Azevedo Filho, para quem as restrições previstas no CPC devem ser interpretadas sistematicamente. O desembargador explicou que o dispositivo não se destina à restrição de liberdades individuais que extrapolam a esfera patrimonial da pessoa.
Nesse contexto, segundo o magistrado, a apreensão de passaporte geraria sério constrangimento e representaria grave infração ao direito fundamental de ir e vir, não devendo ser utilizado como meio coercitivo para a execução da dívida. O desembargador observou, ainda, o posicionamento do TST quanto à possibilidade de se utilizar a apreensão de passaporte para este fim, pois não haveria notícia de que o empresário agiria de forma maliciosa.
Asseverou, ainda, que a Justiça buscou patrimônios do executado, mas as tentativas foram infrutíferas. Para o magistrado, o fato de não ter sido juntado aos autos o passaporte do empresário no momento da impetração é irrelevante, porque a decisão questionada no HC é expressa em proibir que o empresário se ausente do país até o pagamento da dívida.
O colegiado, por maioria, votou pela concessão da ordem para tornar sem efeito a restrição relativa à apreensão do passaporte, devendo a polícia Federal ser comunicada da decisão.
- Processo: 0010230-12.2022.5.18.0000
Leia o acórdão.
Informações: TRT da 18ª região.