"Precedente perigoso", dizem juristas sobre decisão do TSE
Nota é assinada por professores das principais faculdades de Direito do Brasil.
Da Redação
segunda-feira, 28 de março de 2022
Atualizado às 09:19
Um grupo de professores das principais faculdades de Direito do Brasil classificou como "precedente perigosíssimo para a nossa jovem e ameaçada democracia" a decisão do ministro Raul Araújo, do TSE, que proibiu manifestações políticas no Lollapalooza.
Veja a íntegra:
"É com enormes consternação e preocupação que os juristas militantes no Direito Público abaixo assinados vêm a público manifestar-se acerca da decisão monocrática antecipatória de tutela concedida em 27 de março de 2022 pelo Ministro Raul Araújo do E. Tribunal Superior Eleitoral, que determinou a proibição de manifestações políticas de artistas e público do Festival Musical Lollapalooza, realizado em São Paulo nos dias 25, 26 e 27 de março.
Segundo consta da decisão mencionada, considerou-se que a manifestação de orientação política por parte de artistas e público no festival mencionado violaria o disposto no artigo 36 da Lei Federal 9.504/96, nos termos do qual propaganda eleitoral somente é permitida a partir de 15 de agosto dos anos eleitorais.
Como é cediço, propaganda eleitoral não pode ser confundida com manifestação de opinião, ainda que esta seja tendente a determinado partido ou candidato. É o que se infere expressamente do artigo 36-B da mesma lei, segundo o qual "será considerada propaganda eleitoral antecipada a convocação, por parte do Presidente da República, dos Presidentes da Câmara dos Deputados, do Senado Federal e do Supremo Tribunal Federal, de redes de radiodifusão para divulgação de atos que denotem propaganda política ou ataques a partidos políticos e seus filiados ou instituições".
Pior ainda, a decisão em comento ignora letra expressa de lei, constante do artigo 36-A da mesma lei, segundo o qual não configuram propaganda eleitoral antecipada, desde que não envolvam pedido explícito de voto, a menção à pretensa candidatura e a exaltação das qualidades pessoais dos pré-candidatos.
No caso vertente, ao pretender corresponder a manifestação artística a uma propaganda eleitoral, a decisão ataca deliberadamente a liberdade artística contemplada em nosso Texto Constitucional (artigo 5º, inciso IX), bem como desconsidera letra expressa e impassível de dúvidas de lei parlamentar escrita e aplicável, o que ameaça sobremaneira a segurança jurídica.
A decisão viola, ainda, frontalmente, o quanto decidido pelo E. Supremo Tribunal Federal na ADI 5.970, na qual se assentou "É também assegurado a todo cidadão manifestar seu apreço ou sua antipatia por qualquer candidato, garantia que, por óbvio, contempla os artistas que escolherem expressar, por meio de seu trabalho, um posicionamento político antes, durante ou depois do período eleitoral. A proibição dos showmícios e eventos assemelhados não vulnera a liberdade de expressão, já que a norma em questão não se traduz em uma censura prévia ou em proibição do engajamento político dos artistas, visto que dela não se extrai impedimento para que um artista manifeste seu posicionamento político em seus shows ou em suas apresentações. A norma em tela está a regular a forma com que a propaganda eleitoral pode ser feita, não se confundindo com a vedação de um conteúdo ou com o embaraço da capacidade de manifestação de opiniões políticas por parte de qualquer cidadão".
Nesse passo, ciente de que a manutenção de uma decisão com este conteúdo pode representar um precedente perigosíssimo para a nossa jovem e ameaçada democracia, pugnam os subscritores por sua revogação e pela garantia do direito de livre manifestação artística, a fim de restabelecer a normalidade eleitoral, que se espera garantida pelo TSE."
São Paulo, 27 de março de 2022
Alexandre Santos de Aragão
Professor de Direito da UERJ
Ana Elisa Libertadore Bechara
Professora de Direito da USP
Augusto Arruda Botelho
Membro Fundador do IDDD
Bernardo Strobel Guimarães
Professor de Direito da UFPR
Celso Fernandes Campilongo
Professor de Direito da USP
Conrado Hübner Mendes
Professor de Direito da USP
Diego Werneck Arguelles
Professor de Direito do INSPER
Egon Bockmann Moreira
Professor de Direito da UFPR
Fernando Facury Scaff
Professor de Direito da USP
Gustavo Binenbojm
Professor de Direito da UERJ
Ivar Hartmann
Professor de Direito do INSPER
Jacintho Arruda Câmara
Professor de Direito da PUC-SP
João Marcos Amaral
Doutor em Direito pela Faculdade de Direito da USP
José Vicente Mendonça
Professor de Direito da UERJ
Juliana Bonacorsi de Palma
Professora de Direito da FGV-SP
Ludmilla Rocha Cunha Ribeiro
Mestranda em Direito pela Faculdade de Direito da USP
Marco Antônio Moraes Alberto
Doutorando em Direito pela Faculdade de Direito da USP
Marcos Augusto Perez
Professor de Direito da USP
Maria Paula Dallari Bucci
Professora de Direito da USP
Maria Virgínia Nabuco Amaral Mesquita Nasser
Doutora em Direito pela Faculdade de Direito da USP
Natália Pires de Vasconcelos
Professora de Direito do INSPER
Patrícia Baptista
Professora de Direito da UERJ
Rafael Bellem de Lima
Professor de Direito no INSPER
Renata Nadalin Meireles
Mestra em Direito pela Faculdade de Direito da USP
Vera Monteiro
Professora de Direito da FGV-SP
Vitor Rhein Schirato
Professor de Direito da USP