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OAB denuncia a Thomaz Bastos maus tratos a presos na Bolívia

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Da Redação

terça-feira, 6 de março de 2007

Atualizado às 08:56


Relatório

OAB denuncia a Thomaz Bastos maus tratos a presos na Bolívia

O presidente nacional da Ordem dos Advogados do Brasil, Cezar Britto, encaminha hoje ao ministro da Justiça, Márcio Thomaz Bastos, relatório elaborado pela Seccional da OAB do Acre sobre as desumanas condições carcerárias vividas por brasileiros apenados na Bolívia. Em visita ao presídio Villa Bush, em Cobija, departamento de Pando, vizinho ao Acre, onde 20 brasileiros cumprem penas, o presidente da Seccional, Florindo Poersch, relata que "o sistema carcerário boliviano é aterrorizante: as condições subumanas a que são submetidos os apenados saltam aos olhos, especialmente porque a Bolívia não alimenta seus presos".

"A imposição do auto-sustento ao preso na Bolívia revela um sistema prisional absolutamente corrupto, cruel e discriminatório, colidindo completamente com o compromisso boliviano ao cumprimento do Pacto de São José da Costa Rica", acrescenta o relatório que está sendo enviado ao ministro da Justiça. A OAB critica também as autoridades do Brasil pela falta assistência aos brasileiros apenados na Bolívia, especialmente o Consulado brasileiro naquele país, cuja negligência diante do drama dos presidiários, "causou grande perplexidade à comissão". Além de Florindo Poersch, participaram da vistoria ao sistema carcerário de Cobija o advogado acreano Pedro Raposo Baueb e a deputada estadual Naluh Gouveia, da Comissão de Direitos Humanos da Assembléia Legislativa do Acre.

A seguir, a íntegra do relatório da Comissão da OAB/AC que constatou condições subumanas do sistema penitenciário da Bolívia:

"Nomeado por essa Seccional a compor a Comissão de Advogados e Representante de Parlamentares Acreanos à visita à cidade de Cobija, província de Pando, Bolívia, cujo objetivo foi a detecção das condições de cumprimento de pena dos brasileiros apenados naquele país andino.

Integrando a Comissão juntamente com a Presidência da Seccional bem ainda composta com a Deputada Naluh Gouveia como representante da Comissão Parlamentar Acreana dos Direitos Humanos, passamos a visitar o Colégio de Advogados da Bolívia, o Consulado Brasileiro naquele País, e finalmente, o Presídio Villa Bush, onde se encontram os presos brasileiros.

DO CONSULADO

Em visita ao Consulado Brasileiro, recebemos algumas informações sobre a assistência prestada a brasileiros apenados, cujos termos foram suficientes para causar perplexidade a todos da Comissão.

Inicialmente, soubemos que o Brasil, de forma absolutamente discriminatória e omissa, não despende atenção satisfatória aos apenados naquele país, o que nos leva a crer que, inclusive, tal omissão se estende aos demais Estados-Membros subscritores do Pacto de São José da Costa Rica.

Na Bolívia, o Consulado recebe e repassa aos presos a irrisória quantia de R$ 1,00 (um real) por dia a cada preso, o que equivale a $BOB 3,00 (três bolivianos), a se considerar a paridade do câmbio em 1 por 3.

Diversamente do que se constatou, o custo de um preso no Brasil alcança cifras maiores, chegando a superar R$ 1.700,00 (mil e setecentos reais).

Tal fato coloca em xeque os Princípios Constitucionais pátrios que determinam tratamento igual entre brasileiros, notadamente porque a CR/88 não discrimina os apenados no Brasil daqueles apenados no exterior ferindo, de morte, o disposto no Artigo 1º, Inciso III, (a dignidade da pessoa humana).

De se entender que o Brasil precisa, em caráter de urgência, repensar suas ações assistenciais aos nacionais apenados no exterior, submetidos a toda sorte de rigores inadmissíveis, porque inseridos em sistemas carcerários desumanos, em países estrangeiros, cuja maioria não compreende minimamente o idioma alienígena, senão depois de algum tempo de dor, sofrimento e humilhação.

No presídio local, os presos brasileiros - num total de vinte e, destes, duas mulheres -, foram uníssonos nas reclamações do tratamento e pouca atenção recebida do Consulado Brasileiro naquele País. Informaram que os repasses de alimentação e remédios estão atrasados há quase três meses, sem qualquer apoio ou mesmo explicação válida.

DO SISTEMA CARCERÁRIO BOLIVIANO

O sistema carcerário boliviano é aterrorizante.

Verdade é que não apuramos qualquer nota de espancamento ou mesmo tortura. Os episódios violentos entre presos e estes com a Guarda Boliviana, pelo que se viu, estão dentro daquilo que se pode considerar comum a todo presídio. Isto foi dito pelos próprios presos e alguns de seus familiares.

Entretanto, as condições subumanas a que são submetidos os apenados saltam aos olhos, especialmente porque a Bolívia não alimenta seus presos.

Vimos presos que dependem totalmente do apoio financeiro dos familiares para se alimentar e matar a própria sede.

No presídio Villa Bush se paga por tudo.

Um único balde de água colhida em poço aberto e sem cuidados sanitários, dois pães pequenos e uma garrafa de água gelada são suficientes para consumir R$ 1,00 (um real) pagos pelo Governo Brasileiro por dia a cada preso. Para as demais necessidades básicas alimentares, de higiene e saúde ficam ao encargo de familiares. Sem dinheiro, o preso passa, literalmente, a pão e água contando, eventualmente, com a caridade de outros companheiros de prisão, cujas condições possam lhes permitir um prato de comida num momento ou noutro, elaborados pelos presos e suas famílias.

Quanto à assistência médico-hospitalar é absolutamente insuficiente quanto aos exames laboratoriais ou mesmo inexistente em alguns casos, a se considerar que um dos presos está acometido de hepatite C e, desde sua prisão há um ano e meio, não mais foi medicado.

Segundo o Sr. Cônsul, os remédios ofertados pelo Brasil às necessidades dos presos ocorrem com atraso freqüente em razão da burocracia e atrasos outros que não pôde explicar, por desconhecer.

Ainda constatamos por depoimentos uníssonos, que os presos permanecem com livre acesso ao pátio do presídio, sem reservas, recolhendo-se às celas das 19h de um dia às 7h do outro. As famílias têm trânsito livre.

Nota cômica, senão trágica, os presos informaram que, ao custo de US$ 100,00 (cem dólares), um preso "compra" uma cela e nela se instalar como bem quiser e puder trazendo, inclusive, sua família (mulher e filhos). Para tanto, este "conforto" custa a cada dia sim e outro não, a quantia de $BOB 10,00 (dez bolivianos) e, igualmente a cada dia sim e outro não, mais $BOB 5,00 (cinco bolivianos).

Isto totaliza um gasto de $BOB 15,00 (quinze bolivianos) a cada dois dias, no total de $BOB 225,00 (duzentos e vinte e cinco bolivianos), ou, R$ 75,00 (setenta e cinco reais).

Importa registrar que, segundo os presos, estes valores são disponibilizados aos carcereiros, sem comprovação de pagamento.

Ainda, culminando com o absurdo, nos informaram que, depois do cumprimento da pena o preso, acaso não encontre "comprador" para a sua cela, poderá fechá-la e levar consigo as chaves, sem embargos das autoridades carcerárias, cujo espaço não é ocupado por outro preso. Quanto a esta informação, não nos informaram o lapso temporal em que as celas, em tais situações, permanecem desocupadas.

Se o preso não tem recursos para a aquisição de sua própria cela, é alojado nas celas comunitárias.

DO ACOMPANHAMENTO DOS PROCESSOS

Como dito, no Presídio Villa Bush se paga por tudo.

Nesse sentido, quando da realização de qualquer audiência, nela o preso somente consegue se fazer presente se pagar pelo seu transporte ao fórum, pagar os carcereiros e guardas disponibilizados a tal fim, bem ainda de suas respectivas alimentações. Se não tiver dinheiro para isto, tudo corre à sua revelia. Muitos deles, em sua maioria, aliás, foram sentenciados sem comparecer uma única vez diante de uma autoridade judiciária local. Depois de preso, a única notícia processual recebida foi a sentença e respectiva pena.

DA POSSIBILIDADE DE TRABALHAR

Na prisão visitada (Villa Bush) existe uma marcenaria que aos presos trabalhar e, com o fruto das peças de madeiras elaboradas e vendidas, suprir algumas de suas necessidades básicas.

Mesmo com resultado insuficiente, os presos alegaram tratamento discriminatório dos carcereiros, porque somente disponibilizam postos de trabalho aos bolivianos e peruanos. Os brasileiros não conseguem trabalhar na marcenaria.

Parêntese se abre para registrar que, enquanto no Brasil três dias trabalhados reduzem um dia da pena total, na Bolívia tal regra não existe. Lá, trabalha-se para comer, favorecendo-se, obviamente, os presos de idioma hispânico.

INCIDENTE DIPLOMÁTICO

Não obstante a conduta irreparável e respeitosa às autoridades bolivianas por parte de todos os integrantes da Comissão, inclusive acompanhada de alguns profissionais de imprensa (TV Aldeia, afiliada do Canal Cultura), insta registrar que fomos surpreendidos no decorrer da reunião realizada com os presos brasileiros.

Exatamente no momento em que a Deputada Naluh Gouveia explanava a finalidade da presença da Comissão naquele presídio, registrando o absoluto respeito e acatamento das penas decretadas judicialmente, fomos interrompidos por todo o staff do Governo da Província de Pando, se fazendo presente D. Leopoldo (Governador de Pando) e aproximadamente dez integrantes das Forças Públicas Bolivianas.

Ato contínuo e através de um dos presidiários de língua hispânica, cuja nacionalidade julga-se ser boliviana, fomos informados que haveria naquele local uma reunião, marcada já há três dias e que deveríamos nos retirar para concluir nossa reunião em outro local, o que fizemos.

DO COLÉGIO DE ADVOGADOS BOLIVIANOS

Equivalentes a nossa Ordem, no Colégio de Abogados de Cobija, fomos recebidos por quatro de seus integrantes que, sensíveis à causa, prestaram uma série de informações sobre o rito processual penal.

Por compromisso mútuo, estabeleceu-se um canal para troca de informações de presos brasileiros na Bolívia e vice-versa, o que poderá revelar novas situações a que foram submetidos os nossos nacionais, ante ao sistema judicial boliviano.

CONCLUSÃO

Concluímos que as condições carcerárias bolivianas são inaceitáveis, porque colocam seus presos em condições subumanas, notadamente pela clara discriminação entre brasileiros e bolivianos e peruanos.

A imposição do auto-sustento ao preso revela um sistema prisional absolutamente corrupto, cruel e discriminatório, colidindo completamente com o compromisso boliviano ao cumprimento do Pacto de São José da Costa Rica e ao próprio discurso político de valorização social e respeito à vida.

Quanto ao Brasil, decepciona ver que mantém estruturas consulares ineficientes e inoperantes, omissas às necessidades dos brasileiros presos no exterior."

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