STJ: Não cabem honorários equitativos em causas de valor elevado
Corte Especial finalizou importante controvérsia. Ministros decidiram que apenas se admite o arbitramento de honorários por equidade quando o proveito econômico obtido pelo vencedor for inestimável ou irrisório.
Da Redação
quarta-feira, 16 de março de 2022
Atualizado em 17 de março de 2022 08:13
A Corte Especial do STJ decidiu nesta quarta-feira, 16, que a fixação dos honorários por apreciação equitativa não é permitida quando os valores da condenação ou da causa forem elevados. É obrigatória, nesses casos, a observância dos percentuais previstos nos parágrafos 2º ou 3º do artigo 85 do CPC, a depender da presença da Fazenda Pública na lide.
Por 7 a 5, os ministros decidiram que apenas se admite o arbitramento de honorários por equidade quando, havendo ou não condenação, o proveito econômico obtido pelo vencedor for inestimável ou irrisório ou o valor da causa for muito baixo.
O voto condutor foi do ministro Og Fernandes. A ministra Nancy Andrighi inaugurou divergência no sentido de que é admissível, excepcionalmente, o arbitramento dos honorários por equidade quando se verificar incompatibilidade entre os padrões remuneratórios e o trabalho efetivamente desenvolvido pelo advogado, quando a Fazenda Pública for parte na lide.
Entenda
Foram afetados quatro processos para definir se a regra do CPC que prevê a apreciação equitativa do juiz na fixação dos honorários advocatícios de sucumbência, em causas de valor irrisório, também pode ser aplicada na hipótese de demandas com proveito econômico elevado.
A controvérsia a ser analisada pelos ministros era a seguinte: "definição do alcance da norma inserta no parágrafo 8º do artigo 85 do CPC nas causas em que o valor da causa ou o proveito econômico da demanda forem elevados". A questão foi cadastrada no sistema de repetitivos do STJ como Tema 1.076.
Na maioria das vezes, a preocupação com fixação de honorários elevados ocorre quando a Fazenda Pública é derrotada. Há divergência entre os ministros da 1ª seção do STJ. No entanto, a matéria já encontra-se pacificada na 2ª seção, segundo a qual os honorários devem ser fixados no patamar de 10 a 20% conforme o art. 85, parágrafo 2º, inexistindo espaço para apreciação equitativa nos casos de valor da causa ou proveito econômico elevados.
OAB
A OAB remeteu à Corte Especial memorial postulando o respeito aos honorários advocatícios previstos no CPC. O presidente da entidade, Beto Simonetti, fez discurso em defesa dos honorários na abertura do ano judiciário realizada pelo STJ.
No memorial, a OAB argumenta que a verba honorária é equiparada a salário e a edição da Súmula Vinculante 47, cumulada com o teor do art. 85, parágrafo 14 do CPC, reafirmam o caráter alimentar dos honorários, "motivo pelo qual se justifica a importância de sua aplicação nos exatos ditames legais".
O presidente da OAB Beto Simonetti e os ex-presidentes Claudio Lamachia e Marcus Vinicius Furtado Coêlho, acompanharam o julgamento na tribuna.
Proporcionalidade
O relator, ministro Og Fernandes, começou sua manifestação ressaltando que a questão interessa "18 mil juízes e 1 milhão de advogados". Para o relator, há regras, e a proporcionalidade já está estabelecida pelo CPC, "goste-se ou não". O ministro ressaltou que a matéria tem muito interesse jurídico, da própria magistratura - no sentido de fixar um critério que seja orientador.
Segundo Og Fernandes, não se pode confundir "valor inestimável" com "valor elevado", pois a regra do parágrafo 8º se refere a causas para as quais não é possível atribuir um valor patrimonial, tais como demandas ambientais ou de família.
Para o magistrado, o texto do atual CPC foi construído após muito debate com a participação de diversas entidades de classe, superando a jurisprudência do STJ quanto à possibilidade de fixação dos honorários por equidade nas causas em que a Fazenda Pública fosse vencida.
"O fato de a nova legislação ter surgido como uma reação capitaneada pelas associações de advogados à postura dos tribunais de fixar honorários em valores irrisórios, quando a demanda tinha a Fazenda Pública como parte, não torna a norma inconstitucional nem autoriza o seu descarte."
Jogo democrático
Em seu voto, Og Fernandes disse que a atuação das categorias profissionais em defesa de seus membros no processo de elaboração do atual CPC faz parte do jogo democrático e deve ser aceita como funcionamento normal das instituições.
De acordo com o ministro, o julgador não tem a possibilidade de escolher entre aplicar o parágrafo 8º ou o parágrafo 3º do artigo 85, "mesmo porque só pode decidir por equidade nos casos previstos em lei, conforme determina o artigo 140, parágrafo único, do CPC".
Ele ressaltou que cabe aos litigantes levar em consideração o valor dos honorários na hora de propor uma ação. Quanto às condenações contra a Fazenda Pública, o magistrado lembrou que o CPC prevê regras específicas, tendo em vista o zelo com os recursos públicos.
No caso concreto no REsp 1.877.883, conheceu do recurso especial e proveu, devolvendo os autos ao Tribunal de origem para que arbitrem os honorários observando os limites contidos no art. 85 nos parag. 3º 4º 5º e 6º do CPC. O mesmo entendimento foi fixado nos REsps 1.850.512, 1.906.623 e 1.906.618. O REsp 1.906.618 foi conhecido e improvido, por ter a Fazenda como recorrente.
Na fixação da tese, o relator propôs:
1) A fixação dos honorários por apreciação equitativa não é permitida quando os valores da condenação ou da causa, ou o proveito econômico da demanda, forem elevados. É obrigatória, nesses casos, a observância dos percentuais previstos nos parágrafos 2º ou 3º do artigo 85 do CPC - a depender da presença da Fazenda Pública na lide -, os quais serão subsequentemente calculados sobre o valor: (a) da condenação; ou (b) do proveito econômico obtido; ou (c) do valor atualizado da causa.
2) Apenas se admite o arbitramento de honorários por equidade quando, havendo ou não condenação: (a) o proveito econômico obtido pelo vencedor for inestimável ou irrisório; ou (b) o valor da causa for muito baixo.
Os ministros João Otávio Noronha, Luís Felipe Salomão, Benedito Gonçalves, Mauro Campbell, Raul Araújo e Jorge Mussi acompanharam o relator.
Remuneração inadequada
Em voto-vista, ministra Nancy Andrighi ressaltou que se a disciplina do CPC tem por finalidade remunerar o advogado do vencedor em virtude do trabalho desempenhado por ele na causa, é correto afirmar que a aplicação literal dos parágrafos 2º e 3º do art. 85, quando conduzir a remuneração inadequada, será incompatível com a devida finalidade.
"Remuneração inadequada do patrono não é sinônimo apenas de aviltamento dos honorários, remunerando-o em patamar abaixo daquele correspondente ao trabalho por ele desenvolvido, mas é também sinônimo de exorbitância dos honorários, remunerando-o em patamar acima daquele correspondente ao trabalho por ele desenvolvido."
Nancy afirmou que a Justiça e a isonomia são vetores que não servem apenas ao lado da majoração na hipótese de honorários mínimos, e não da minoração na hipótese de honorários exorbitantes, "como se houvesse uma espécie de equidade de mão única".
Na visão da ministra, é flagrante a existência de incompatibilidade entre a hipótese e sua finalidade se se entender que a observância dos parâmetros dos parágrafos 2º e 3º do art. 85 é obrigatória mesmo na hipótese em que os honorários forem exorbitantes diante do trabalho efetivamente desempenhado pelo patrono.
"Excepcionalmente e em específicas situações deverá ser aplicada a equidade dos honorários quando se perceber que as regras gerais e a exceção explícita não serão capazes de promover a adequada remuneração do patrono do vencedor porque gerarão absurdas distorções no binómio remuneração-trabalho realizado."
A ministra salientou que fixar honorários advocatícios sucumbenciais exorbitantes, destinado ao advogado da parte vencedora, claramente dissociado do trabalho desenvolvido na causa, a pretexto de sancionar o litigante improbo que lesiona a parte vencedora, e de contribuir para a eticidade das relações processuais, é "uma subversão injustificável da lógica orientadora do sistema de sanções".
Assim, no REsp 1.906.618 divergiu do relator para conhecer o recurso especial e negar provimento, propondo a seguinte tese:
"É admissível, excepcionalmente, o arbitramento dos honorários advocatícios sucumbenciais por equidade não nas hipóteses expressamente previstas no art. 85 § 8º, mas também, quando se verificar em decisão fundamentada a evidente incompatibilidade entre os padrões remuneratórios instituídos pelo art. 85, § 2º e 3º, e o trabalho efetivamente desenvolvido pelo advogado do vencedor."
As ministras Isabel Gallotti, Laurita Vaz e Maria Thereza e o ministro Herman Benjamin acompanharam a divergência.
Repercussão
"Desde quando a OAB lutou para incluir no CPC os percentuais de honorários, essa é a vitória que dá efetividade e concretude aos honorários dignos para a advocacia. A efetividade do CPC assegurada pela Corte Especial do STJ é conquista histórica da cidadania, do Estado de Direito e da advocacia." Marcus Vinícius Furtado Coelho, presidente da OAB quando da elaboração do CPC.
"A advocacia, neste momento, se vê contemplada e aliviada por esta vitória em sede de honorários advocatícios. O novo CPC disciplina de modo inequívoco a questão e deve ser a baliza de todas as interpretações judiciais neste sentido." Claudio Lamachia, ex-presidente nacional da OAB que também esteve presente à sessão do STJ.