Caso bebê Alice: "Pais não são livres para decidir"
Coordenadora do programa Criança e Consumo, Maria Mello destaca que Estado deve garantir proteção.
Da Redação
terça-feira, 11 de janeiro de 2022
Atualizado às 16:11
Há limites para a exposição de crianças na internet? A pergunta corre nos grupos de WhatsApp e em discussões fomentadas pela participação da bebê Alice, de dois anos de idade, no comercial do banco Itaú.
Sobre o tema, Migalhas conversou com Maria Mello, coordenadora do programa Criança e Consumo, do Instituto Alana, grupo que estuda a questão do consumismo na infância e impactos da publicidade.
Ela destacou que os direitos da criança são responsabilidade não só de pais, mães e responsáveis, como também do Estado. No caso da participação em comerciais, por exemplo, é preciso aval da Justiça.
"É certo que pais e responsáveis legais não são livres para decidirem. Devem, com efeito, orientar suas ações e decisões aos limites impostos pela garantia dos direitos fundamentais das próprias crianças".
Assista:
Para a especialista, a análise para qualquer limite está diretamente relacionada ao melhor interesse da criança em cada caso concreto. "Uma vez garantido o melhor interesse da criança, é até desejável a sua participação no ambiente digital, assim como a sua representação nas artes e mesmo na publicidade."
Ela destaca que, mesmo imagens que não exibam a criança em situações constrangedoras ou comprometedoras podem causar impactos negativos, a depender do contexto de sua utilização.
"É importante ressaltar que o melhor interesse da criança sobrepõe-se ao aos interesses dos pais da criança. Da mesma forma, a receita oriunda da exibição de imagens da criança não pode servir como a fonte de renda dos pais ou seus responsáveis legais, mas deve ser destinada a garantir os direitos fundamentais da própria criança, a exemplo de gastos com sua educação, saúde, segurança ou alimentação."
Ela reitera que, no caso de publicidade, a participação de crianças constitui trabalho infantil artístico, que é uma exceção permitida pelo ordenamento legal, mediante a concessão de alvará judicial. "É justamente no processo de concessão dessa autorização judicial que são avaliados os impactos da respectiva participação no desenlvovimento da criança, incluindo a superexposição, bem como os seus direitos e liberdades fundamentais."
Responsabilidade compartilhada
Maria Mello destaca que pais e responsáveis devem orientar suas ações e decisões aos limites impostos pela garantia dos direitos fundamentais das próprias crianças.
"Em situações nas quais isso não ocorra, ou seja, em que o melhor interesse das crianças não for priorizado e seus direitos e liberdades fundamentais forem violados, agentes como o Ministério Público não só podem, como devem intervir no sentido de fazer valer a prioridade absoluta dos direitos das crianças."
Nesse sentido, a especialista cita que o artigo 227 da CF é bastante contundente ao determinar a responsabilidade compartilhada pela garantia e promoção dos direitos de crianças por famílias, Estado e sociedade.
O caso
O vídeo da bebê Alice, de dois anos, contracenando com a veterana Fernanda Montenegro no comercial do banco Itaú já ultrapassou as 53 milhões de visualizações no Youtube. A menina ficou famosa na internet pela boa dicção e por pronunciar palavras difíceis. Aproveitando a onda de sucesso, marcas procuraram a família da criança para sua participação em comerciais.
Hoje, a mãe da Alice, Morgana Secco (@morganasecco), além de fotógrafa, produz conteúdo para redes sociais, sobretudo Instagram e Youtube, e tem mais de 3,4 milhões de seguidores. Após o sucesso do comercial do banco, Alice passou a aparecer em memes que deixaram a mãe descontente: "queria deixar claro que a gente não deu autorização pra nenhum deles, e a gente não concorda em associar a imagem da Alice com fins políticos ou religiosos", disse no Instagram.