Corrupção na compra das vacinas e CPI: veja o que pode acontecer
Linha do tempo e as condutas típicas que podem ser imputadas. Receba sua dose única de informação, aditivada com o princípio ativo do advogado Kakay, que comenta a situação a partir do México.
Da Redação
sexta-feira, 2 de julho de 2021
Atualizado às 09:16
Não se fala em outra coisa no noticiário brasileiro que não seja a CPI da Covid. E não é para menos, pois depoimentos recentes apontaram suspeitas gravíssimas envolvendo a compra de vacinas.
O caso Covaxin teve início após um funcionário do ministério da Saúde afirmar que existiam irregularidades no contrato e que teria informado ao presidente da República acerca destas suspeitas.
E o que fez S. Exa.?
Segundo consta, teria permanecido inerte diante da informação.
Após estas acusações envolvendo a Covaxin, o representante de uma outra empresa, intermediadora da compra de vacinas, relatou a cobrança de propina - desta vez, relacionada à AstraZeneca.
Irregularidades da Covaxin
Em depoimento sigiloso ao MPF, um servidor da área técnica do ministério da Saúde, responsável pelas importações, Luis Ricardo Miranda, afirmou ter sofrido pressão de forma atípica para tentar garantir a importação da vacina Covaxin. A declaração veio a público e entrou no foco da CPI.
O servidor e seu irmão, o deputado Luis Miranda, foram convocados para depor na Comissão. Conhecidos como "Irmãos Miranda", eles afirmaram no depoimento que levaram ao presidente da República, Jair Bolsonaro, a notícia da flagrante irregularidade.
Em dado momento do depoimento, o deputado chegou a apontar que Bolsonaro afirmou que o também parlamentar Ricardo Barros era o responsável pelo contrato irregular. Miranda ainda narrou que o presidente garantiu levar à Polícia Federal as denúncias, mas (em meio a "tá okays" e "tem que ver isso daí") nada fez.
Denúncia de propina
O assunto teve sua repercussão ampliada com a informação da Folha de S.Paulo de que uma vendedora de vacinas teria recebido pedido de propina de US$ 1 por dose em troca de fechar contrato com o ministério da Saúde.
Luiz Paulo Dominguetti Pereira, que se apresenta como representante da empresa Davati Medical Supply, disse que o diretor de logística do ministério, Roberto Ferreira Dias, cobrou a propina em um jantar em Brasília. Roberto Dias foi indicado ao cargo pelo líder do governo de Jair Bolsonaro na Câmara, Ricardo Barros.
No mesmo dia, o deputado Luis Miranda relatou à Crusoé que, em reunião com líder do governo Bolsonaro e lobista, recebeu oferta de propina para não atrapalhar negócio da Covaxin.
Após as denúncias, a CPI da Covid convocou o representante. Em depoimento nesta quinta-feira, 1º, Luiz Paulo Dominguetti Pereira confirmou à CPI que Roberto Dias, ex-diretor de logística do ministério da Saúde, solicitou a "majoração" de US$ 1 por dose da vacina AstraZeneca.
Crime de prevaricação
Diante das acusações, três senadores apresentaram notícia-crime no STF contra Bolsonaro por prevaricação. Randolfe Rodrigues, Fabiano Contarato e Jorge Kajuru pedem que a PGR promova o oferecimento da denúncia.
O crime de prevaricação, disposto no art. 319 do CP, consiste em retardar ou deixar de praticar, indevidamente, ato de ofício, ou praticá-lo contra disposição expressa de lei, para satisfazer interesse ou sentimento pessoal. A pena prevista é de três meses a um ano e multa.
Para deixar mais claro como é a conduta típica, ouçamos as explicações do professor em Direito Penal Jean Martins Alves, que todavia a enquadra como crime contra a probidade na administração, disposto no art. 9º da lei 1.079/50.
O presidente, segundo as acusações, se enquadraria no crime por supostamente saber da irregularidade e não informar outras autoridades para que fosse investigado.
Para o advogado Kakay, o caso pode ir além de prevaricação e pode se delinear crime de responsabilidade e outros crimes comuns.
Tendo sido a relatora sorteada no caso da notícia-crime protocolada pelos senadores, a ministra Rosa Weber enviou a documentação para a PGR, para o quê de direito: promover a eventual ação, pedir arquivamento ou solicitar diligências.
Em resposta à relatora, a PGR escolheu uma "quarta via", ou seja, deixar cozinhar o presidente da República em banho-maria. Com efeito, a PGR requereu que não seja dado prosseguimento, neste momento, ao pedido.
Para o vice-procurador-geral da República, Humberto Jacques de Medeiros, é oportuno (para não dizer conveniente, no sentido pejorativo mesmo) que o MP aguarde a conclusão das apurações pela CPI.
"Se o Poder Legislativo está a investigar com excelência comportamentos aparentemente ilícitos com todas as competências necessárias, qual seria o motivo para que no Supremo Tribunal Federal se abra uma investigação concorrente, tomada por freios e contrapesos institucionais e sem igual agilidade?", pontua Medeiros, destacando que a independência do Congresso permite que as apurações da CPI sejam mais céleres do que no sistema de Justiça.
É, em bom português, um "enrolation" digno do personagem "rolando lero", da Escolinha do Professor Raimundo.
Mas a ministra Rosa, que não nasceu ontem e que certamente não quer fazer o papel imortalizado por Chico Anysio, foi extremamente feliz em sua decisão, devolvendo à PGR, determinando que o parquet cumpra seu mister constitucional.