Maioria do STF invalida delação de Sérgio Cabral
Com os votos de Fux e Toffoli, sete ministros acataram preliminar suscitada pelo relator, Edson Fachin, pela impossibilidade de a PF firmar acordo de colaboração sem anuência do MPF.
Da Redação
quinta-feira, 27 de maio de 2021
Atualizado em 28 de maio de 2021 09:34
Os ministros Luiz Fux e Dias Toffoli proferiram voto no julgamento virtual que analisa a validade da delação premiada do ex-governador do RJ, Sérgio Cabral, acatando questão preliminar suscitada pelo relator. Dessa forma, o STF formou maioria para a impossibilidade de a PF firmar acordo de colaboração sem anuência do MPF, invalidando a delação.
O placar da preliminar ficou 7 a 4 para tornar sem feitos o acordo. No mérito, o placar foi de 5 a 4, pois Fux e Toffoli não adentraram a questão.
Veja como foi o placar nas duas vertentes (preliminar e mérito):
Delação de Cabral, PGR e o julgamento do STF
Em 11 de maio, a PF encaminhou ao STF um pedido de abertura de inquérito para investigar o ministro Dias Toffoli sob a alegação de uma suposta venda de decisão judicial. O pedido da Polícia teve como base o depoimento de colaboração premiada de Sérgio Cabral.
De acordo com a delação do ex-governador do Rio, Toffoli teria recebido R$ 4 milhões para beneficiar prefeitos do Estado do Rio de Janeiro em processos no TSE. Vale lembrar que Cabral foi condenado a mais de 300 anos, por inúmeros crimes.
O relator do pedido no Supremo é o ministro Edson Fachin que, logo depois do pedido encaminhado pela PF, remeteu a matéria ao plenário do STF.
Ato contínuo, manifestou-se a Procuradoria-Geral da República sobre o caso. O vice-PGR Humberto Jacques Martins se posicionou pela inidoneidade das declarações prestadas pelo ex-governador do Rio. Para a PGR, Cabral age de má-fé. Assim, a PGR pediu para que o Supremo invalide a homologação, "por considerar não satisfeitos seus critérios de validade".
O caso, então, começou a ser julgado na sexta-feira, 21, e os ministros terão até o próximo dia 28 para concluir a questão.
O julgamento em tela traz ao debate duas questões: a legitimidade autônoma da PF para celebrar acordo de colaboração premiada e a delação de Cabral.
Voto do relator: preliminar e mérito
Edson Fachin votou da seguinte forma: preliminarmente, por invalidar o acordo de colaboração, por entender (revisitando o tema) que a PF não pode firmar delações; vencido na preliminar, Fachin vota, no mérito, por validar o acordo.
A questão preliminar, para Fachin, é saber se a Polícia Federal pode, ou não, firmar acordos de colaboração premiada. Em 2018, o plenário do STF decidiu que delegados da polícia podem firmar acordos de colaboração premiada na fase de inquérito policial. Naquela ocasião, Fachin ficou vencido, ou seja, para o ministro, a PF não pode firmar acordo de colaboração premiada (ADIn 5.508).
Nessa linha, e coerente com o voto anterior, Edson Fachin votou por invalidar o acordo de colaboração premiada de Sérgio Cabral, uma vez que foi celebrado apenas com a PF, sem o aval do MPF.
No entanto, se se aplicar ao caso o entendimento majoritário do STF (de que a PF pode, sim, firmar o acordo), Edson Fachin valida o acordo:
"Tal circunstância evidencia a utilidade da atividade colaborativa que vem sendo desenvolvida pelo colaborador, não havendo razões fáticas ou jurídicas que amparem a pretensão deduzida na presente insurgência."
Veja a íntegra do voto de Edson Fachin.
Voto de Gilmar Mendes: invalidar o acordo
Na questão preliminar, Gilmar Mendes acompanhou o relator para declarar a ineficácia do acordo de colaboração premiada celebrado pela Polícia Federal sem aquiescência do Ministério Público. O ministro não adentrou na questão se a PF pode ou não firmar acordo de colaboração premiada.
Caso superada a preliminar, votou por acolher o pedido da PGR e, nesse sentido, invalidou o acordo entre Cabral e a PF.
O ministro afirmou que ficou "claramente demonstrado" que a homologação do acordo de colaboração em questão desaguou em um quadro de sistemáticas violações às garantias constitucionais do sistema acusatório, em especial ao princípio da culpabilidade.
Gilmar Mendes disse ainda vislumbrar indícios suficientes da prática do crime de abuso de autoridade, "com a participação do colaborador premiado e o dolo específico de prejudicar a imagem e reputação de Ministro desta Corte", afirmou.
O ministro Nunes Marques acompanhou o entendimento de Gilmar Mendes.
Veja a íntegra do voto de Gilmar Mendes.
Voto de Luís Roberto Barroso: validar o acordo
Segundo Luís Roberto Barroso, para a superação do entendimento firmado de que a PF pode celebrar acordos de colaboração premiada seria necessária uma clara alteração das circunstâncias fáticas ou normativas ou, ainda, a apresentação de razões jurídicas extremamente fortes.
"Não reputo que tenham sido demonstradas alterações das circunstâncias fáticas, nem trazidos ao debate argumentos novos que autorizem a modificação da compreensão estabelecida em 2018."
Porém, segundo o ministro, o conteúdo dos acordos que podem ser celebrados pela autoridade policial é bastante restrito, limitado pelos poderes inerentes às suas atribuições.
"Em nenhuma hipótese pode a autoridade policial dispor sobre prerrogativas privativas do Ministério Público, por exemplo, garantindo o não oferecimento de denúncia ou negociando concretamente as penas a serem cumpridas."
No caso em tela, Barroso negou o pedido do MPF a fim de validar o acordo firmado entre Cabral e a PF.
Para o ministro, a celebração do acordo "nada mais faz do que repetir o disposto lei 12.850/13", que define organização criminosa e dispõe sobre a investigação criminal. Além desse argumento, o ministro explica que a homologação do acordo não implica reconhecimento de que as declarações do colaborador sejam suficientes, isoladamente, para a abertura de investigações.
"O art. 4°, § 16, da Lei n° 12.850/2013, incluído pela Lei n° 13.964/2019, prevê expressamente que as declarações do colaborador, por si sós, não autorizam a decretação de medidas cautelares reais ou pessoais."
Veja a íntegra do voto de Barroso.
Voto de Marco Aurélio: validar o acordo
O decano divergiu do relator Fachin quanto à preliminar suscitada, concernente à legitimidade da PF para celebrar, na fase pré-processual, acordo de colaboração premiada.
"O entendimento quanto à constitucionalidade da atuação da autoridade policial na formalização do termo foi assentado, pelo Pleno, no julgamento da ação direta de inconstitucionalidade nº 5.508, de minha relatoria."
Segundo S. Exa., o acordo de delação homologado pelo relator não se refere a fatos alusivos à processo-crime em curso, situando-se no âmbito da atribuição da autoridade policial, considerada a fase pré-processual. "A premissa foi ressaltada na decisão homologatória, de modo que a colaboração não tem repercussão em ações penais nas quais o colaborador foi denunciado ou condenado", explicou.
Quanto ao mérito do agravo da PGR, sustentando a ilegalidade do termo, acompanhou o relator no tocante ao desprovimento.
"Na fase de homologação do acordo, não cabe examinar os aspectos materiais relativos à delação premiada. As obrigações do colaborador e os benefícios correspondentes serão objeto de análise quando do julgamento de eventual ação penal. Apenas cumpre apreciar os aspectos formais, sem adentrar o conteúdo do acordado."
Para Marco Aurélio, as formalidades legais, consideradas a espontaneidade, a voluntariedade e a legalidade do ajuste, foram atendidas.
"A eficácia do que versado pelo delator, levando em conta a veracidade das declarações, é definida mediante sentença, observado pronunciamento do Órgão julgador."
Veja a íntegra do voto de Marco Aurélio.
Voto de Alexandre de Moraes: invalidar o acordo
Alexandre de Moraes, o sexto ministro a votar, acolheu a questão preliminar suscitada, tornando sem efeito a decisão homologatória de colaboração premiada, porém por fundamentos diversos do relator e sem a fixação de tese erga omnes e vinculante que subtraia da Polícia Judiciária, em tese, a possibilidade de celebrar acordos de colaborações premiadas.
Caso seja afastada a questão preliminar, Moraes dá provimento ao agravo da PGR para reformar a decisão de homologação do acordo firmado entre Cabral e a PF.
Em seu voto, o ministro ponderou que, assim como concluiu no julgamento da ADIn 5.508, em regra será possível a realização do acordo de colaboração premiada pela Polícia Judiciária. S. Exa., porém, ressaltou a necessidade de um trabalho junto entre a PF e o MP, sob pena de ineficácia na utilização desse instrumento de obtenção de prova.
No caso em questão, Moraes afirmou que há graves vícios no acordo de colaboração premiada que não permitem sua homologação, uma vez que o referido ajuste não cumpre os requisitos legais, nos termos do art. 4º, §7º, da lei 12.850/13.
"A conduta inicial da autoridade policial na elaboração do acordo de colaboração premiada, após taxativa e fundamentada negativa por parte do Ministério Público; e, a conduta posterior de continuidade da elaboração de anexos e realização de investigações preliminares sem observância da legislação, mesmo após o arquivamento dos inquéritos instaurados com base em seus anexos pelo SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL, a partir de requerimentos do Procurador Geral da República, demonstraram o extravasamento dos limites razoáveis da discricionariedade da Polícia Judiciária, com efetiva demonstração de arbitrariedade e, consequentemente, ineficácia do acordo de colaboração premiada celebrado pela Polícia Federal com frontal oposição do Ministério Público."
Na avaliação do ministro, é "incompatível com as finalidades ao acordo de colaboração premiada que o colaborador, ao mesmo tempo em que celebra o acordo e garante os benefícios legais, continue a praticar crimes, afinal, é cláusula implícita a qualquer acordo de colaboração premiada a obrigação de o colaborador cessar a prática criminosa e não voltar a delinquir".
Veja a íntegra do voto de Alexandre de Moraes.
Voto de Ricardo Lewandowski: invalidar o acordo
Lewandowski acolheu a preliminar levantada pelo relator a fim de tornar sem efeito a decisão que homologou o acordo de colaboração premiada. O ministro, porém, ficou nos limites do caso concreto, sem, por ora, formular qualquer tese de abrangência maior.
Superada a preliminar, Lewandowski votou pelo provimento do recurso da PGR, ou seja, pela anulação da decisão que homologou o acordo de colaboração premiada firmado entre Cabral e a PF.
Conforme explicou o ministro, o MPF do Rio de Janeiro negou-se a celebrar acordo de colaboração premiada com o ex-governador, por reputar que o caso não preenchia, minimamente, os requisitos legalmente estabelecidos e por considerar que ele seria o líder de organização criminosa, além de ostentar inúmeras condenações, cujas penas ultrapassam 260 anos de prisão.
"Ora, se o Ministério Público local não considerou suficientemente relevantes nem tampouco inéditas as informações que seriam fornecidas pelo pretenso colaborador, não caberia ao interessado buscar a celebração de acordo com órgão estatal diverso."
Além dessa ilegalidade flagrante e dos gravíssimos fatos noticiados pelo MP para repudiar o acordo de colaboração premiada, o ministro observou que "o referido ajuste, tal como formulado, servirá não mais como um meio de obtenção de prova, mas terá o condão de conferir um atestado de regularidade à parte considerável do produto do crime que ainda remanesce sob controle do colaborador".
Veja a íntegra do voto de Ricardo Lewandowski.
Voto de Cármen Lúcia: validar o acordo
A ministra Cármen Lúcia, em seu voto, rejeitou a questão preliminar suscitada pelo relator. Para a ministra, por ser a colaboração premiada negócio jurídico cujo objetivo é propiciar meios de obtenção de provas, sua negociação e celebração pela polícia judiciária harmoniza-se com a função investigativa daquele órgão.
"Formalizado acordo de colaboração premiada entre a autoridade policial e o investigado, cabe ao magistrado analisar e concluir sobre a presença dos requisitos legais para homologação. Eventual manifestação contrária do Ministério Público não vincula o Poder Judiciário, que pode decidir pela homologação ou não do pactuado, atentando às condições legais."
No mérito, a ministra acompanhou Fachin para negar provimento ao agravo da PGR e validar o acordo. Carmén Lúcia ressaltou que se trata de questão a ser decidida em momento processual adequado, após apreciação do material probatório obtido pela colaboração premiada.
A ministra salientou que a homologação do acordo de colaboração premiada não significa o reconhecimento de veracidade de qualquer das declarações prestadas pelo colaborador, mas apenas de aferir a possibilidade dessa utilidade.
Veja a íntegra do voto de Cármen Lúcia.
Voto de Rosa Weber: validar o acordo
A ministra Rosa Weber ressaltou que, no julgamento da ADIn 5.508, o STF fixou que a capacidade negocial outorgada aos órgãos policiais pode ser exercida independentemente da anuência do Ministério Público. Para a ministra, não se justifica a revisão do tema nesta assentada, em franco desprestígio ao postulado da segurança jurídica.
Diante disso, a ministra rejeitou a questão preliminar suscitada pelo relator. No mérito, Rosa Weber analisou que a celebração e posterior homologação do acordo de colaboração premiada, por si só, não permite, nem mesmo, a posterior formalização, em procedimento próprio, de investigações criminais contra o delatado.
"Em suma: adstrita, nesta sede delibatória, ao mero exame da regularidade, da voluntariedade, da legalidade e da adequação do acordo celebrado, neste não vislumbro qualquer vício que o impeça de receber o selo de homologação do Estado-juiz, na forma procedida pela decisão ora impugnada."
Assim, votou por negar provimento ao agravo.
Veja a íntegra do voto de Rosa Weber.
Voto de Luiz Fux: invalidar o acordo
Com a ressalva de não adentrar o caso concreto, o ministro Luiz Fux acompanhou o posicionamento do relator para acolher a preliminar suscitada e prover o agravo regimental, reafirmando a tese jurídica já defendida no julgamento da ADIn 5.508, no sentido de que a colaboração premiada firmada por órgão policial deve se submeter à anuência do Ministério Público.
Veja a íntegra do voto de Luiz Fux.
Voto de Toffoli: invalidar o acordo
Assim como Fux, Dias Toffoli também não adentrou o caso concreto, mas acompanhou o relator tão somente quanto à preliminar para prover o agravo da PGR, reconhecendo a necessidade - nos acordos firmados entre autoridade policial e colaborador - da anuência do MP, como condição para a homologação do ato.
"A conclusão a que chega o i. Relator, que estou a subscrever, no sentido de que a manifestação favorável do Ministério Público ao acordo - quando dele não for parte - é condição para sua homologação é a única, com todo respeito a posições divergentes, dentro de nosso sistema legal e constitucional que soluciona, com segurança jurídica e proteção da confiança, o aparente conflito."
Veja a íntegra do voto de Dias Toffoli.
- Processo: Pet 8.482