Desembargador Nucci avalia pontos da lei anticrime que voltam a valer
Nesta semana, o Congresso derrubou vetos à lei anticrime.16 dos 24 dispositivos vetados serão inseridos na lei.
Da Redação
sexta-feira, 23 de abril de 2021
Atualizado às 18:16
Pena triplicada para crimes contra honra na web; audiência de custódia presencial e progressão de regime são tópicos tratados pela lei anticrime, mas que, até esta semana, estavam vetados por Bolsonaro. Na última segunda-feira, 19, o Congresso derrubou tais vetos e as disposições serão inseridas na lei. Os textos vão à promulgação presidencial.
Sobre estes três pontos específicos, Migalhas entrevistou o doutrinador Guilherme Nucci, desembargador de SP, que avaliou de forma positiva a atuação do parlamento em afastar os vetos.
- Internet e crimes contra a honra
A lei anticrime triplica a pena para crimes contra a honra cometidos ou divulgados em redes sociais ou na rede mundial de computadores. Para Jair Bolsonaro, a medida viola o princípio da proporcionalidade.
Guilherme Nucci explicou que os motivos do veto não eram compatíveis com a realidade, pois o aumento da pena "objetiva punir mais gravemente a prática do crime contra a honra, quando cometido na presença de várias pessoas ou outro meio facilitador da divulgação".
O desembargador esclareceu que esse aumento era plausível se uma ofensa fosse proferida numa reunião de condomínio, por exemplo, dela tomando conhecimento vários condôminos ao mesmo tempo. "Entretanto, esse número sempre seria reduzido ou muito baixo se agora for confrontado com a divulgação extremamente ampla provocada pelo lançamento da ofensa na Internet", observou.
"Nessa rede, em minutos, milhares de pessoas têm acesso ao crime contra a honra, maculando a reputação da vítima ou ferindo a sua autoestima de modo muito mais intenso e grave."
Por isso, segundo o magistrado, o veto foi corretamente derrubado.
- Audiência de custódia
A lei deu prazo de 24 horas para apresentação do preso ao juiz de garantias, em audiência com participação do Ministério Público e da Defensoria Pública ou de advogado constituído, sendo proibida a videoconferência. Para o Bolsonaro, "suprimir a possibilidade da realização da audiência por videoconferência gera insegurança jurídica". Com a derrubada do veto, a audiência de custódia só poderá ser por videoconferência durante a pandemia.
De acordo com Nucci, a proposta legislativa objetivou consagrar os princípios da oralidade e da imediatidade, "possibilitando ao juiz colher, de pronto, em audiência, os argumentos da acusação e da defesa para decidir sobre a mantença da prisão ou a concessão da liberdade".
No entanto, o desembargador observa que à época da edição da lei anticrime, não existia a pandemia. Para o magistrado, a experiência vivenciada com a crise da covid-19, pode servir de base ao Congresso para que audiência ocorra por videoconferência para algumas exceções.
"Visualizou-se algumas vantagens da utilização da videoconferência, largamente utilizada na atualidade, inclusive por tribunais. Assim sendo, para solucionar alguns casos particulares, poderia ser estabelecida alguma exceção à realização da audiência de custódia por meio da videoconferência, como, por exemplo, o caso de inexistir um magistrado na Comarca, onde o indivíduo for preso. Cabe ao Congresso Nacional avaliar essa situação à luz dos acontecimentos que forçaram o Judiciário a trabalhar por meio da rede mundial de computadores."
- Bom comportamento e progressão de regime
Segundo a lei anticrime, o bom comportamento poderia ser readquirido um ano após a ocorrência da falta cometida pelo encarcerado, o que, para o Executivo, poderia gerar "a percepção de impunidade" e assegurar "benesses aos custodiados".
De acordo com o desembargador, estabelecer um prazo objetivo, em lei federal, para a reabilitação é positivo. "Isto não significa conceder imunidade ou garantir impunidade para o preso, pois se ele cometer outra falta grave, antes do prazo de um ano, por exemplo, acaba eliminando a sua reabilitação", explicou.
Nucci ainda elucidou que, caso ultrapasse esse período de um ano e o condenado tornar a praticar falta grave, terminará por não receber o benefício almejado.
"Resoluções e regimentos internos de presídios têm estabelecido um prazo para a reabilitação do preso que tenha cometido falta grave, algo que, em nosso entendimento, fere o princípio da legalidade, embora muitos tribunais aceitem e sigam tal prazo. Portanto, é favorável haver uma lei federal disciplinando o tema, como agora existe, com a derrubada do veto ao § 7º do art. 112 da LEP."
Leia a íntegra da entrevista.
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1- Agora será reinserido na lei dispositivo que triplica a pena para crimes contra a honra cometidos ou divulgados em redes sociais ou via Internet. O senhor concorda com esta previsão?
Sim, concordo. A Lei 13.964/2019 introduziu o § 2º ao art. 141 do Código Penal, que prevê disposições aplicáveis aos crimes contra a honra, nos seguintes termos: "se o crime é cometido ou divulgado em quaisquer modalidades das redes sociais da rede mundial de computadores, aplica-se em triplo a pena". As razões do veto, derrubado pelo Congresso Nacional, foram as seguintes: "a propositura legislativa, ao promover o incremento da pena no triplo quando o crime for cometido ou divulgado em quaisquer modalidades das redes sociais da rede mundial de computadores, viola o princípio da proporcionalidade entre o tipo penal descrito e a pena cominada, notadamente se considerarmos a existência da legislação atual que já tutela suficientemente os interesses protegidos pelo Projeto, ao permitir o agravamento da pena em um terço na hipótese de qualquer dos crimes contra a honra ser cometido por meio que facilite a sua divulgação. Ademais a substituição da lavratura de termo circunstanciado nesses crimes, em razão da pena máxima ser superior a dois anos, pela necessária abertura de inquérito policial, ensejaria, por conseguinte, superlotação das delegacias, e, com isso, redução do tempo e da força de trabalho para se dedicar ao combate de crimes graves, tais como homicídio e latrocínio".
Os motivos apresentados pelo veto não eram compatíveis com a realidade, visto que a existência de um aumento de 1/3 (art. 141, III, CP) objetiva punir mais gravemente a prática do crime contra a honra, quando cometido na presença de várias pessoas ou outro meio facilitador da divulgação, dentro de circunstância normais, levando-se em conta a época de sua previsão, quando não havia a rede mundial de computadores em pleno funcionamento. Portanto, esse aumento era plausível se uma ofensa fosse proferida numa reunião de condomínio, por exemplo, dela tomando conhecimento vários condôminos ao mesmo tempo. Entretanto, esse número sempre seria reduzido ou muito baixo se agora for confrontado com a divulgação extremamente ampla provocada pelo lançamento da ofensa na Internet. Nessa rede, em minutos, milhares de pessoas têm acesso ao crime contra a honra, maculando a reputação da vítima ou ferindo a sua autoestima de modo muito mais intenso e grave. A previsão de aplicação do triplo da pena é proporcional à potencialidade lesiva do crime cometido pelas redes sociais. Por outro lado, os delitos contra a honra, como regra, são de ação privada (art. 145, CP), razão pela qual não há como elevar o serviço policial, impedindo o resguardo à segurança pública. Esses delitos somente serão apurados quando houver iniciativa da vítima. Outrossim, nenhuma estatística criminal conhecida faz um paralelo entre crimes contra a honra e delitos graves, como homicídio ou latrocínio, de forma que a investigação de uns não interfere em nada na apuração de outros. O veto foi, corretamente, derrubado.
2- E quanto à obrigatoriedade da audiência de custódia 24 horas após a prisão em flagrante, que só poderá ser presencial, com a participação do juiz?
O veto foi adequadamente afastado pelo Parlamento. O art. 3º-B, § 1º, do CPP, foi introduzido pela Lei 13.964/2019: "o preso em flagrante ou por força de mandado de prisão provisória será encaminhado à presença do juiz de garantias no prazo de 24 (vinte e quatro) horas, momento em que se realizará audiência com a presença do Ministério Público e da Defensoria Pública ou de advogado constituído, vedado o emprego de videoconferência". O veto se deu com base nos seguintes motivos: "a propositura legislativa, ao suprimir a possibilidade da realização da audiência por videoconferência, gera insegurança jurídica ao ser incongruente com outros dispositivos do mesmo código, a exemplo do art. 185 e 222 do Código de Processo Penal, os quais permitem a adoção do sistema de videoconferência em atos processuais de procedimentos e ações penais, além de dificultar a celeridade dos atos processuais e do regular funcionamento da justiça, em ofensa à garantia da razoável duração do processo, nos termos da jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça (RHC 77580/RN, Quinta Turma, Rel. Min. Reynaldo Soares da Fonseca, DJe de 10/02/2017). Ademais, o dispositivo pode acarretar em aumento de despesa, notadamente nos casos de juiz em vara única, com apenas um magistrado, seja pela necessidade de pagamento de diárias e passagens a outros magistrados para a realização de uma única audiência, seja pela necessidade premente de realização de concurso para a contratação de novos magistrados, violando as regras do art. 113 do ADCT, bem como dos arts. 16 e 17 LRF e ainda do art. 114 da Lei de Diretrizes Orçamentárias para 2019 (Lei nº 13.707, de 2018)".
A audiência de custódia passou a constar expressamente em lei como um procedimento indispensável para quem é preso em flagrante ou por força de mandado de prisão provisória (arts. 287 e 310, caput, do CPP). Cuida-se de política criminal adotada pelo Estado para que o magistrado exerça maior controle acerca da legalidade da prisão, visualizando e ouvindo o acusado pessoalmente, inclusive com o objetivo de verificar se houve agressão ou coerção ilegal. A proposta legislativa objetivou consagrar os princípios da oralidade e da imediatidade, possibilitando ao juiz colher, de pronto, em audiência, os argumentos da acusação e da defesa para decidir sobre a mantença da prisão ou a concessão da liberdade.
A realização da referida audiência por videoconferência poderia amenizar o controle sobre as condições físicas e mentais do preso; eis o motivo de se ter exigido fosse ela realizada de modo presencial. Entretanto, não se esperava, quando editada a Lei 13.964/2019, o advento da pandemia da covid-19, que surpreendeu o mundo inteiro. Portanto, atualmente, tem sido melhor realizar a audiência de custódia por videoconferência do que não a produzir, visto que o contato direto entre juiz e preso, com as partes presentes, está vedado. Pode ser que essa experiência vivenciada ao longo do ano de 2020 e até a presente data possa servir de base ao Parlamento para, querendo, alterar o disposto nesse parágrafo, agora vigente, pois derrubado o veto, para que a mencionada audiência ocorra por videoconferência.
Parece-nos que o ideal seria manter a regra de que as audiências de custódia bem como as referentes à instrução do feito devam realizar-se de maneira presencial, para maior eficiência na colheita dos elementos necessários à decisão sobre a prisão cautelar e à coleta da prova, passada a fase da pandemia. No entanto, visualizou-se algumas vantagens da utilização da videoconferência, largamente utilizada na atualidade, inclusive por tribunais. Assim sendo, para solucionar alguns casos particulares, poderia ser estabelecida alguma exceção à realização da audiência de custódia por meio da videoconferência, como, por exemplo, o caso de inexistir um magistrado na Comarca, onde o indivíduo for preso. Cabe ao Congresso Nacional avaliar essa situação à luz dos acontecimentos que forçaram o Judiciário a trabalhar por meio da rede mundial de computadores.
3- Em relação à progressão de pena, será inserida na lei a possibilidade para que o condenado que cometer falta grave na prisão readquira a condição de "bom comportamento". Como o senhor avalia esse dispositivo?
O dispositivo é positivo e encontra-se harmonizado com os julgados dos tribunais. A Lei 13.964/2019 introduziu o § 7º ao art. 112 da Lei de Execução Penal, nos seguintes termos: "o bom comportamento é readquirido após 1 (um) ano da ocorrência do fato, ou antes, após o cumprimento do requisito temporal exigível para a obtenção do direito". O veto apresentava a seguinte motivação: "a propositura legislativa, ao dispor que o bom comportamento, para ?ns de progressão de regime, é readquirido após um ano da ocorrência do fato, ou antes, após o cumprimento do requisito temporal exigível para a obtenção do direito, contraria o interesse público, tendo em vista que a concessão da progressão de regime depende da satisfação de requisitos não apenas objetivos, mas, sobretudo de aspectos subjetivos, consistindo este em bom comportamento carcerário, a ser comprovado, a partir da análise de todo o período da execução da pena, pelo diretor do estabelecimento prisional. Assim, eventual pretensão de objetivação do requisito vai de encontro à própria natureza do instituto, já pré-concebida pela Lei nº 7.210, de 1984, além de poder gerar a percepção de impunidade com relação às faltas e ocasionar, em alguns casos, o cometimento de injustiças em relação à concessão de benesses aos custodiados".
O veto não deveria mesmo ter subsistido, pois não se sustenta pelos seus próprios fundamentos. Estabelecer um prazo objetivo, em lei federal, portanto, válida para todo o Brasil, para a reabilitação é positivo. Isto não significa conceder imunidade ou garantir impunidade para o preso, pois se ele cometer outra falta grave, antes do prazo de um ano, por exemplo, acaba eliminando a sua reabilitação. Caso ultrapasse esse período de um ano e o condenado tornar a praticar falta grave, terminará por não receber o benefício almejado. Resoluções e regimentos internos de presídios têm estabelecido um prazo para a reabilitação do preso que tenha cometido falta grave, algo que, em nosso entendimento, fere o princípio da legalidade, embora muitos tribunais aceitem e sigam tal prazo. Portanto, é favorável haver uma lei federal disciplinando o tema, como agora existe, com a derrubada do veto ao § 7º do art. 112 da LEP.