Quando um crime pode ser classificado como hediondo?
Para o criminalista e professor Pierpaolo Cruz Bottini, não é adequada a tentativa de se ampliar, a torto e a direito, o rol dos crimes hediondos.
Da Redação
quinta-feira, 22 de abril de 2021
Atualizado às 14:04
Dezenas de projetos de lei tramitam no Congresso Nacional com o intuito de incluir novos crimes no rol dos chamados crimes hediondos.
Exemplo disso é o PL 5.900/13, que busca incluir na lei 8.072/90 (lei de crimes hediondos) delitos de peculato, concussão, corrupção e outros. A propósito, tal projeto possui 48 outros a ele apensados, todos com pedido semelhante.
Quando se trata, aliás, de corrupção, percebe-se que houve um aumento de propostas nesse sentido após a onda midiática criada em torno do Mensalão e da Lava Jato.
Mas a corrupção, ou outros crimes de mesma "estatura", devem ser incluídos no rol dos crimes hediondos?
Não se estaria vulgarizando o instituto?
Quando um caso como o do menino Henry vem à baila, é bem o momento de colocar as coisas nos devidos parâmetros.
Com efeito, comparando-se esse caso, se ficar provado que houve condutas criminosas da mãe ou do padrasto, qualquer outra conduta fica de menor monta. E aí sim é possível entender o que seja, efetivamente, um verdadeiro crime hediondo.
O criminalista Pierpaolo Cruz Bottini (Bottini & Tamasauskas Advogados) é professor de Direito Penal, Criminologia e Medicina Forense da Faculdade de Direito da USP. Ele explica que os crimes hediondos são aqueles previstos na Constituição e na lei como muito graves, com pena e condições de cumprimento mais duras que os demais.
Estes crimes devem afetar um bem jurídico existencial, como a vida ou a saúde, por meio de uma conduta com reprovabilidade mais alta que os crimes em geral, esclarece Bottini.
"Os crimes hediondos têm por núcleo a afetação de bens pessoais, indispensáveis para o desenvolvimento humano. Embora a Administração Pública seja relevante para o funcionamento social, sua afetação não tem gravidade suficiente para justificar a hediondez. (...) Vale lembrar que na corrupção nem sempre há desvio de verbas públicas ou lesão ao erário. O mero pedido de vantagens por parte de um funcionário para praticar ato lícito é considerado corrupção pela lei."
Para ele, trata-se de crime que merece reprovação, mas que não se enquadra no conceito de hediondo, seja no plano jurídico, seja no plano social.
"Equipará-la a um homicídio qualificado, a lesões graves ou a privação de liberdade de maneira qualificada afeta a própria sistemática do nosso ordenamento jurídico. Portanto, entendo que não é adequado transformar a corrupção em crime hediondo."