STJ: Falta de registro de compra e venda não descaracteriza usucapião
3ª turma deu provimento ao recurso de herdeiros de um homem que, segundo alegam, ocupava a área em discussão desde 1988.
Da Redação
sexta-feira, 9 de abril de 2021
Atualizado às 16:58
A 3ª turma do STJ reafirmou o entendimento de que a falta de registro do compromisso de compra e venda não é suficiente para descaracterizar o justo título - requisito necessário ao reconhecimento da usucapião ordinária.
O colegiado deu provimento ao recurso dos herdeiros de um homem que, segundo alegam, ocupava a área em discussão desde 1988, quando teria celebrado escritura pública de cessão de posse com o antigo proprietário.
De acordo com o Tribunal de origem, em 1990, os dois pactuaram compromisso de compra e venda, que não foi registrado na matrícula do imóvel.
Em 2009, contudo, um casal ajuizou ação reivindicatória a fim de consolidar o suposto direito de propriedade advindo da arrematação do imóvel perante um banco. O juízo de primeiro grau deu provimento ao pedido e fixou indenização pelas benfeitorias realizadas.
Os herdeiros recorreram ao TJ/MS, o qual entendeu que, apesar do decurso do prazo legal, o compromisso de compra e venda do imóvel, por não ser registrado, não seria capaz de configurar a usucapião ordinária.
Além disso, para o TJ/MS, houve a interrupção do prazo da usucapião em virtude da lavratura de boletim de ocorrência e do ajuizamento de uma ação de imissão na posse, em 2004, por um terceiro. A ação transcorreu sem a citação dos ocupantes do imóvel e foi extinta sem o julgamento do mérito.
Documento apto
O relator do recurso, ministro Villas Bôas Cueva, explicou que o justo título, na usucapião ordinária, pressupõe a existência de uma falha - no caso, a ausência de registro - que o decurso do tempo trata de sanar, se presentes os demais requisitos previstos pelo art. 551 do Código Civil de 1916 ou 1.242 do Código Civil de 2002.
O ministro citou Pontes de Miranda para dizer que, na usucapião, seria absurdo exigir título justo transcrito e boa-fé, pois o título registrado já transfere a propriedade, sendo desnecessário falar em qualquer forma de usucapião.
A doutrina - acrescentou -, por meio do Enunciado 86 aprovado na I Jornada de Direito Civil, consolidou esse mesmo entendimento ao dispor que a expressão "justo título" do Código Civil "abrange todo e qualquer ato jurídico hábil, em tese, a transferir a propriedade, independentemente de registro".
Segundo o relator, a jurisprudência também pacificou que "o contrato de promessa de compra e venda constitui justo título apto a ensejar a aquisição da propriedade por usucapião".
No tocante, especificamente, ao compromisso de compra e venda não registrado, Villas Bôas Cueva ressaltou que as turmas de direito privado do STJ já se posicionaram no sentido de que esse seria um documento apto a configurar o requisito do justo título para a usucapião ordinária.
Interrupção
Em relação à interrupção do prazo, o ministro ressaltou que o STJ já manifestou entendimento no sentido de que nem toda resistência do proprietário é válida para interromper a prescrição aquisitiva.
Para o relator, o julgamento de improcedência, ou extinção sem resolução de mérito, de ação possessória ou petitória - como ocorreu nos autos - é uma das situações em que não se interrompe o prazo para aquisição do imóvel pela usucapião.
Quanto à lavratura de boletim de ocorrência, o relator afirmou que tampouco é possível considerá-la fato interruptivo da prescrição aquisitiva, uma vez que apenas retrata relato unilateral do comunicante - o qual, embora prestado perante autoridade policial, não credita veracidade inconteste às informações.
"Além do mais, a interrupção somente poderia ocorrer na situação em que o proprietário do imóvel usucapiendo conseguisse reaver a posse para si, o que não se verificou no caso dos autos."
Os advogados Luciano Godoy e Ricardo Zamariola Junior, do escritório LUC Advogados, representaram os herdeiros.
- Processo: REsp 1.584.447
Veja a decisão.
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