Conselheiros do Carf se sentem ameaçados por não aplicar súmula
Eles seriam representando à presidência do órgão, mesmo fazendo o distinguishing. E uma das consequências da representação é a perda de mandato a quem "deixar de observar enunciado de Súmula".
Da Redação
quarta-feira, 31 de março de 2021
Atualizado em 1 de abril de 2021 07:15
Na última quinta-feira, 25, durante julgamento da 1ª turma da 4ª Câmara da 3ª Seção do Carf, alguns conselheiros foram avisados por Lázaro Antonio Souza Soares, presidente daquele colegiado, que sofreriam representações. O motivo? Em suma, por votarem de forma distinta do presidente.
O pano de fundo do agastamento entre os conselheiros foi a aplicação, ou não, da súmula 11 do Conselho a um caso de prescrição intercorrente. Enquanto alguns conselheiros não aplicavam a súmula ao caso, por entenderem se tratar de situação distinta (distinguishing), Lázaro Antonio Souza Soares afirmou que a súmula deveria, sim, ser aplicada e entendimento contrário significaria violação à norma, conduta passível de representação.
Quando ouviu o voto de seus pares, que foi em sentido contrário do seu posicionamento, o presidente afirmou:
"Por dever de lealdade a todos os colegas, antes que sejam proferidos todos os votos, tenho que ressaltar que consultei a administração do Carf sobre essa situação e fui orientado que caso o voto seja contrário ao conteúdo da súmula, a questão deve constar em ata, de forma mais detalhada possível, e, em seguida, o presidente do colegiado deve fazer uma representação à Presidência do Carf dando notícia do ocorrido, que é exatamente o que eu irei fazer."
Uma das consequências da representação, segundo o art. 42, VI, do Regimento interno do Carf, é a perda de mandato a quem "deixar de observar enunciado de Súmula".
Distinguishing
Quem votou em sentido contrário ao do presidente do colegiado o fez sob o fundamento do distinguishing - quando há distinção entre o caso concreto em julgamento e o paradigma - após concluir pela inaplicabilidade da súmula 11 ao caso, uma vez que a situação em julgamento não se subsumia aos parâmetros de incidência do enunciado sumular.
Pegos de surpresa, alguns conselheiros se manifestaram depois da fala do presidente, ainda durante a sessão:
Conselheira Fernanda Kotzias: "Se o senhor consignar em ata dizendo que eu descumpri súmula, o senhor está dizendo que eu não tenho direito a fazer um distinguishing, nos termos do manual do próprio conselho. Não quero ser representada. Esse é o meu trabalho, dependo disso para sobreviver, por isso me sinto, sim, coagida. Não é o caso de agir dessa forma".
Conselheiro Leonardo Branco: "Eu preciso de serenidade, tranquilidade para dizer que a esse caso a súmula não se aplica. Estou contrariando a regra do Carf que diz que há perda de cargo se violar a súmula? De jeito nenhum. O manual do presidente diz: se houver distinguishing, basta consignar no voto e pronto".
Após as discussões, Lázaro Antonio Souza Soares retirou o processo de pauta por entender que não havia condição de dar continuidade ao julgamento.
Nota de repúdio
A ACONCARF - Associação dos Conselheiros dos Contribuintes do CARF emitiu nota de repúdio após o episódio. De acordo com a entidade, a ameaça, por si só, "reflete uma interferência indevida e contrária ao livre convencimento dos conselheiros, que independente da bandeira de representação - fisco ou contribuinte, devem pautar suas decisões em entendimentos técnicos e fundamentos legais; e não em arguições de cunho pessoal".
- Veja a íntegra da nota.
O CESA - Centro de Estudos das Sociedades de Advogados também se manifestou:
"O CESA - Centro de Estudos das Sociedades de Advogados vem manifestar seu mais profundo e veemente repúdio aos episódios verificados na sessão de julgamento, no peri'odo da manhã, na 1a Turma Ordinária, 4a Câmara, 3a Seção, do Conselho Administrativo de Recursos Fiscais, no dia 25 de março de 2021, na qual alguns conselheiros foram submetidos à inaceitável tentativa de intimidação no exercício regular de suas funções julgadoras, com o objetivo de submetê-los a posicionamento contrário ao que manifestaram na legítima manifestação de seu livre convencimento técnico e motivado.
A independência dos julgadores administrativos é imperativo fundamental ao Estado Democrático de Direito. Qualquer ameaça, tentativa de intimidação e constrangimento para compelir o julgador a adotar posição contrária àquela manifestada na análise técnica da matéria submetida a julgamento compromete toda a legitimidade do processo de revisão do crédito tributário e a confiança que a sociedade deposita em suas instituições, devendo ser prontamente rechaçada."
Para o MDA - Movimento de Defesa da Advocacia, é "afronta ao estado democrático de direito a tentativa de apropriação ideológica do órgão, conduta típica de estados autoritários não condizentes com o nosso país".
- Leia a íntegra da nota.