STJ: Venda de drogas em frente de casa não autoriza invasão domiciliar
6ª turma reconheceu a nulidade do ato policial.
Da Redação
terça-feira, 8 de dezembro de 2020
Atualizado às 15:13
A 6ª turma do STJ concedeu HC para homem que teve a residência invadida por policiais após ser flagrado vendendo drogas na frente de casa.
No caso, diante de denúncia anônima, os policiais foram até a frente da residência e viram o paciente vendendo 1kg de cocaína na rua. Em razão disso, entraram na residência, onde encontraram mais drogas.
O relator do writ, ministro Nefi Cordeiro, assentou a compreensão de que "venda de droga na rua não é indício de posse de droga, armazenamento da droga dentro da residência e não autoriza o ingresso por presunção de crime em desenvolvimento no domicílio".
"A Constituição, ao estabelecer o acesso no domicílio para crime em desenvolvimento, o fez em favor do proprietário, do morador, não contra ele. É um direito do cidadão de ter seu domicílio indevassável, salvo crime em desenvolvimento. Admitimos, sim, que possa vir a ser prejudicado por crime em desenvolvimento, mas isso será uma interpretação casuisticamente feita, a depender da situação, e que deve ser raro. Em situações muito claras. Aqui era uma denúncia anônima, e venda de um quilo de cocaína na frente."
Ministro Schietti acompanhou o entendimento do relator quanto à inviolabilidade do domicílio, "que protege todos que habitam aquela residência", e destacou que tal análise deve ser feita caso a caso.
"O simples fato de alguém ser preso fora da sua casa não autoriza a polícia a entrar na casa, a não ser que haja uma indicação de que está indo para dentro de casa, pega um pouco da droga e vai vender na frente."
Em destaque, ministra Laurita Vaz leu trecho de depoimento dos policiais envolvidos na prisão do paciente e disse que as provas dos autos apontam que ele já era conhecido por venda de drogas, havendo razões para a entrada na residência.
Ministro Antonio Saldanha, ao votar com o relator, afirmou que as circunstâncias narradas nos autos são "lugar comum".
"Todas as vezes em que alguém é preso na comunidade, com determinada quantidade de entorpecente, alguns elementos se reiteram. Primeiro, que o local é conhecido ponto de venda de drogas. Que o preso é conhecido na localidade como traficante. E que ele autorizou o ingresso no domicílio, que é nas proximidades. Isso para mim não traz verossimilhança."
Para o presidente da turma, quem está com um quilo de cocaína não leva a polícia, espontaneamente, para dentro de casa, onde pode ter mais quarenta. "Sempre a dinâmica é essa. Precisamos começar a mitigar esse tipo de arroubo policial."
Schietti ainda demonstrou preocupação ao dizer que "estamos chancelando ingresso em domicílio de acordo com o resultado desse ingresso", validando o ingresso se foi encontrado entorpecente.
"Temos que pensar quantos domicílios são invadidos neste país pela polícia sem que se encontre nada dentro. E fica por isso mesmo. Ninguém vai reportar isso. Não vai gerar nenhum tipo de responsabilização. Porque se alguém ingressa em um domicílio sem fundada suspeita, concreta, é abuso de autoridade. E isso está na lei. É preciso que realmente a polícia reveja sua rotina em relação a estes fatos e tenha mais cuidado, documentando o que justificou o ingresso e o próprio ingresso. E filmando a operação."
A decisão final da turma foi unânime.
- Processo: HC 611.918