Litígio em relações de consumo: lidando com Procon em nível nacional
Confira texto de Elivelton Felipe Rocha de Faria.
Da Redação
quinta-feira, 3 de setembro de 2020
Atualizado às 09:38
Em 11 de setembro de 2020, o Código de Defesa do Consumidor completará 30 anos de vigência e de protagonismo na solução de conflitos em relações de consumo. Seus mecanismos hoje fazem parte do cotidiano do país, regendo boa parte das transações comerciais que ocorrem diariamente na economia nacional.
A eficácia desse diploma legal não pode ser relativizada. Muito embora haja ainda um caminho longo a se percorrer, hoje o que se vê no Brasil é uma pacificação ampla da posição protegida do consumidor - sendo possível delinear com clareza quais são as práticas corretas a serem seguidas por empresas e consumidores.
Procon: o começo
Um dos legados mais importantes da legislação de proteção ao consumidor foi o de ter consolidado todo um movimento que foi iniciado pelo Estado de São Paulo, que ainda em 1976 criou o Grupo Executivo de Proteção ao Consumidor. Estava estabelecida a pedra de fundação do sistema brasileiro de proteção ao consumidor.
Naquele momento em particular da economia brasileira, não havia somente a necessidade de se atuar em controvérsias geradas na comercialização de produtos ou serviços, mas também de registrar flutuações de preços. Havia, portanto, um papel macroeconômico a ser exercido, e que advinha de uma demanda da sociedade como um todo.
Com o reconhecimento por parte da ONU, em 1985, da importância da defesa do consumidor, e posteriormente com a inclusão do artigo 48 na Carta Magna de 1988, o movimento ganhou proeminência e as condições necessárias para que, em 1990, nascesse a regulamentação finalística representada pelo Código de Defesa do Consumidor. Essa norma passou a prever a aplicação de multas em determinados casos de condutas danosas ao consumidor.
Atualmente
No cenário atual, o sistema protetivo ao consumidor ganha renovada importância, muito em função de um neologismo muito em voga: e-commerce. Em tempos de pandemia, observamos taxas acima de 70% no crescimento do comércio feito através de meios eletrônicos. Essas transações, feitas à distância e com alcance abrangente no território nacional, representam um novo desafio para as relações de consumo.
A título de ilustração do ponto em que estamos, um dado importante: somente até meados de maio, o Procon-SP já havia registrado mais de 15 mil atendimentos a consumidores que tiveram problemas ou dúvidas relacionados à pandemia do novo Coronavírus. O número é oficial do órgão, e representa um aumento de 1.200% em relação ao momento anterior ao período de isolamento social.
Esse dado representa na realidade a antecipação de um futuro que fatalmente viria. A tendência de crescimento do comércio eletrônico j á era observada há mais de uma década. A pandemia, contudo, adicionou urgência ao conjunto de fatores que conspiravam a favor desse canal de compras em detrimento das lojas físicas.
Os desafios do meio digital: notoriedade e abrangência
Para além do aumento no volume de transações, o advento da internet representou uma série de outros desafios que vão desde a logística de entrega até sua maior abrangência geográfica do mercado, passando pela notoriedade.
Como veículo amplo de publicação e troca de informações, a internet trouxe um elemento novo às relações de consumo. De um l ado, representou tornar públicos os índices de satisfação do consumidor; do outro representou a criação de um espaço para manifestações diretas de marcas - e da união desses fatores aos critérios para a tomada de decisão do consumidor quanto a novas aquisições de produtos e serviços.
Em resposta ao avanço representado pelo nascer da era da informação, o próprio funcionamento do sistema de proteção ao consumidor precisou ser revisto. A forma descentralizada como foram criados os Procon no país, tornava virtualmente impossível que as organizações reagissem a contento em todo o território nacional.
Por isso, em 2003 foi criado o SINDEC, com a missão de reunir sob um único sistema toda a base de dados e o próprio funcionamento dos mais de mil Procon espalhados pelo país. O que poderia funcionar a contento, tivesse o SINDEC alcançado de fato a adesão de todos os Procon Brasil afora. Em 2014 foi criado o Consumidor.gov, estabelecido como uma plataforma paralela ao SINDEC, e que também apresenta registro e controle de demandas entre consumidores e empresas.
Monitorando a jornada do reclamante
O comércio eletrônico, por definição, guarda maior abrangência do que os canais de venda mais antigos. O meio digital, aliado à logística apropriada, torna possível alcançar o consumidor onde ele estiver. Esse fator, combinado à profusão de sistemas de consolidação de dados, eleva de forma significativa os riscos envolvidos na exposição da empresa e de sua marca a reclamações de consumidores.
Considerando ainda que hoje a reputação de uma marca está intrinsecamente ligada à forma com que esta lida com reclamações e diferentes demandas advindas do mercado consumidor, o que se delineia é a necessidade de monitoramento, passo a passo, da jornada do reclamante.
Essa jornada começa já no momento da compra, com o estabelecimento da relação de consumo. Nesse momento, ainda administrativamente a empresa já possui obrigações a serem cumpridas. É nesse momento em que as regras de negócios estabelecidas pela empresa são postas à prova.
São essas regras que, se desenhadas da forma correta, irão prevenir já na origem a existência de reclamações em face da empresa. Não é exagero afirmar que regras de negócios estabelecidas em estrita observância da legislação vigente, serão determinantes para diminuir, já no início da relação de consumo, as chances de que determinada transação comercial resulte em reclamação junto aos órgãos de defesa do consumidor e ao poder judiciário.
O monitoramento constante dessas regras pré-estabelecidas, e a certificação de que há compliance ante a legislação vigente, podem significar ganhos importantes em reputação e na mitigação de riscos. A boa notícia é que existe tecnologia atualmente que audita e monitora essas regras em tempo real, prevenindo que regras má desenhadas venham a representar perdas futuras.
O momento posterior é a frustração do consumidor ante aquilo que foi visualizado anteriormente à compra, ou ante às expectativas criadas pelo material comercial ou publicitário da empresa. É nesse momento que a reputação da marca pode ser colocada em xeque por um cliente insatisfeito. Aqui será posto à prova o pós-venda da companhia, que deve atuar no ponto de frustração para evitar que uma reclamação seja estabelecida.
Vencida a etapa, caso a empresa não tenha apresentado resposta satisfatória, será estabelecida a reclamação nos sistemas protetivos ao consumidor. Nesse momento, o órgão competente irá iniciar procedimento administrativo de conciliação. Caso fique comprovada a má-fé ou a inação da empresa ante a demanda de seu consumidor, é possível a posterior aplicação de multa.
É nesse ponto em que a tecnologia atual pode efetivamente mudar o jogo. Isso porque, ante a abrangência e a multitude de órgãos de defesa do consumidor, e também à descentralização de demandas, é comum que as empresas que justamente alcançam maior volume de vendas, tenham dificuldades em responder tempestivamente às diferentes etapas do processo administrativo.
A inteligência artificial é a chave. Com monitoramento em tempo real de diferentes sistemas, a robotização torna possível antecipar demandas e prazos, ordenando processos e possibilitando a aplicação de jurimetria preditiva na esfera administrativa. Dessa forma, nessa etapa da jornada do reclamante a empresa ganha a possibilidade de atuar de forma positiva e efetivamente neutralizar o potencial de eventual criação de passivos derivados de relações de consumo em litígio.
A partir da reclamação, na hipótese de não haver acordo ou solução possível, a judicialização da demanda passa a ser o caminho natural. Aqui também a inteligência artificial atuará com precisão, monitorando demandas e antecipando prazos com assertividade. Nesse ponto em que a reclamação j á se transformou em litígio, o monitoramento se torna ainda mais importante, e a tecnologia atual está pronta a proteger investimentos e a reputação da empresa na esfera judicial.
Por fim, essa jornada pode terminar em Dívida Ativa. Caso a empresa não conte com monitoramento satisfatório das demandas de seus clientes, eventualmente passivos podem ser registrados em dívida ativa antes mesmo de haver a possibilidade de reação à própria demanda. Aqui a inteligência artificial atua de forma preventiva ao início de eventual processo de execução fiscal, monitorando lançamentos e gerando a demanda para que seja buscado pagamento ou acordo.
Com essas cinco etapas da j ornada do reclamante efetivamente cobertos pela tecnologia de inteligência artificial e machine learning, a empresa é capaz de vencer o emaranhado de sistemas e demandas geradas pelo sistema de proteção ao consumidor, à medida que passa a ter acesso a elementos que permitem melhorar a reputação de marca de forma constante.
Lidando com o Procon em nível nacional
Enfrentar a miríade de sistemas e de possibilidades da j ornada do reclamante em nível nacional é hoje uma possibilidade real, graças à tecnologia de inteligência artificial. Tendo em vista que estamos falando de comércio eletrônico e de ganhos de escala proporcionados pelo alcance virtualmente i limitado do meio digital, a robotização de processos se coloca como a resposta da era da informação para suas próprias demandas.
Nesse sentido, navegar os mares digitais do comércio eletrônico, sem contar com sistemas que representam atuação assertiva e em escala junto aos órgãos de defesa do consumidor, equivale a desbravar oceanos somente com a vela. Com a vela você pode avançar, mas navegar com desenvoltura requer outros equipamentos.
Da mesma forma que uma operação de e-commerce requer o desenvolvimento de programação, de frente de loja e check-out virtuais, a retaguarda de marca é também igualmente necessária - e em determinados casos, pode ser ainda mais importante. Afinal, a melhor campanha de marketing dificilmente resistirá à força contrária da publicidade ruim.
Ainda, resultados operacionais positivos podem ser comprometidos por passivos não operacionais que venham a ser gerados por órgãos de defesa do consumidor. A mesma escalabilidade que o empresário busca para suas operações comerciais, precisa ser acompanhada de investimentos no monitoramento de relações de consumo.
Inteligência de negócios na jornada do reclamante
Um aspecto interessante da aplicação de tecnologia no monitoramento de reclamações de clientes, é o ganho em agilidade que o conjunto de soluções tecnológicas representa. Por experiência, podemos afirmar, que companhias que possuem regras de negócios bem estruturadas, mas que não disponham de inteligência voltada para a questão, podem ter na morosidade interna o maior problema ante ao atendimento às demandas do reclamante.
Essa agilidade permite que a empresa se antecipe a potenciais danos em sua reputação, à medida que possibilita a tomada de ações preventivas j unto ao reclamante ou mesmo na mídia.
Com isso, se torna possível liderar ações de forma propositiva, em detrimento de exercer atuação reativa às reclamações de seus clientes. Isso contribui positivamente - e de forma acentuada - para a reputação de marca.
No Brasil, a SmartBPO é pioneira em monitoramento da jornada do reclamante, aplicando inteligência artificial e robotização para antecipar demandas em todas as suas etapas. Com as ferramentas desenvolvidas in-house, a SmartBPO é capaz de identificar e acompanhar reclamações desde a sua origem. Assim, a reação a esses movimentos passam a ser dependentes apenas das políticas internas, das necessidades de investimento na reputação de marca e de manutenção com compliance ante a legislação atual.
Em suma, tão importante quanto estruturar uma operação de e-commerce, é também estruturar operações que representem menor exposição de marca e mitigação de riscos na esfera do Direito do Consumidor. A busca por soluções efetivas nesse sentido, pode representar, em última análise, boa parte das chances de sucesso dos investimentos em comércio eletrônico.