Inquérito do MPF/SP contra meios de comunicação é trancado por falta de capacidade postulatória
Decisão do TRF-3 foi liderada pelo desembargador Fábio Prieto, que criticou investidura precária de procurador, por mandato, para funções vinculadas a órgão de execução do parquet.
Da Redação
quinta-feira, 13 de agosto de 2020
Atualizado em 14 de agosto de 2020 08:18
A 6ª turma do TRF da 3ª região trancou inquérito civil público do MPF/SP contra meios de comunicação, por falta de capacidade postulatória do subscritor da portaria de instauração do inquérito e de sua posterior direção. A decisão unânime foi liderada pelo voto-vista do desembargador Federal Fábio Prieto de Souza.
O mandado de segurança coletivo foi impetrado pelo Sertesp - Sindicato das Empresas de Rádio e Televisão no Estado de São Paulo, buscando arquivar o inquérito que visava colher elementos e informações com o fim de verificar efeitos da remuneração de agências publicitárias por meio de Planos de Incentivo, conhecidos como Bônus de Volume, relacionados à concentração dos meios de comunicação.
O sindicato alegou a ausência de justa causa para atuação do parquet, por inexistência de interesse difuso ou coletivo na matéria; inexistência da justa causa para a instauração do ICP, uma vez que o pagamento de Bônus de Volume é devidamente autorizado por lei; e que as informações requisitadas são protegidas pelo sigilo comercial, motivo pelo qual somente poderiam ser fornecidas por ordem judicial.
Na sessão de julgamento, a relatora, a desembargadora Federal Diva Malerbi, apresentou voto pela denegação da segurança, no que foi acompanhada pelo desembargador Federal Johonsom di Salvo. Então, o desembargador Federal Fábio Prieto pediu vista dos autos.
Investidura precária
No voto-vista apresentado aos colegas, Fábio Prieto assentou a falta de capacidade postulatória do órgão de execução subscritor da petição inicial da ação civil pública.
Isso porque o procurador da República oficiante na Procuradoria Regional dos Direitos do Cidadão foi investido por meio de "eleição" realizada por órgão público inexistente, "sem qualquer critério republicano, para o exercício temporário das funções, em regime de mandato, constrangido pela imperatoria approbatione de outro órgão da instituição".
"Se é verdade que ninguém domina todas as leis, espera-se que o Procurador da República, pelo grau do ofício, conheça, ao menos, o básico direito de investidura de seu cargo público - e assuma as responsabilidades por isso."
Fábio Prieto creditou a violação à degradação da presidência da República e da PGR, lembrando a tradição dos governos Lula e Dilma de nomearem, para chefe da PGR, os que liderassem a lista tríplice da ANPR - o que chamou de "expediente privatizante":
"Não obstante a clareza da Constituição, entidade privada, a Associação Nacional dos Procuradores da República, decretou eleição censitária - só entre os seus mensalistas - ao cargo público de Procurador-Geral da República, sem a exigência de qualquer critério relacionado à proteção da res publica. (...)
Mas a própria lista tríplice parecia reminiscência piorada da República Velha, quando o povo podia votar, mas não podia escolher. Agora, o povo e o seu representante eleito não podiam votar, nem escolher. Nem os demais integrantes da carreira do Ministério Público da União. Como outrora, havia obstáculo censitário: não eram mensalistas da associação privada."
Para o desembargador, a recente escolha de Augusto Aras como PGR recolocou a entidade "no seu lugar cívico-constitucional", eis que "sob o escrutínio exclusivo do povo brasileiro": "Como deve ser, segundo a Constituição, seja quem for o vencedor nas urnas para a Presidência da República."
Quanto ao caso concreto, prosseguiu S. Exa., a investidura do procurador da República oficiante na Procuradoria Regional dos Direitos do Cidadão ocorreu de modo precário, para o exercício "pro tempore" das funções.
"Em prol da Sociedade e dos integrantes dos Ministérios Públicos, o regime constitucional veta a precarização das funções ministeriais - o seu exercício pro tempore -, para assegurar a independência funcional."
De acordo com o voto-vista, se lei complementar não pode submeter as funções ministeriais a rodízio, em sistema de mandato, "menos, ainda, singela portaria". "É a garantia constitucional da inamovibilidade das funções, cláusula de segurança da independência funcional", afirmou Prieto.
"Qualquer movimentação na carreira, quanto aos órgãos de execução do Ministério Público, fica na estrita dependência dos procedimentos de promoção ou remoção, pelos critérios alternados do merecimento e da antiguidade. Interpreta-se a lei complementar a partir da Constituição Federal, não o inverso."
Como, no caso, a portaria de instauração do inquérito civil público é de 29/9/16, quando seu subscritor estava investido na Procuradoria Regional dos Direitos do Cidadão por meio da portaria PGR 411/15, para mandato de dois anos, "falta-lhe, portanto, capacidade postulatória para atuar como órgão de execução no inquérito civil público", concluiu o desembargador Federal.
Assim, concedeu a segurança para trancar o inquérito civil público, desde a sua instauração, e, em consequência, determinar a devolução de todos os documentos encartados nos autos. Após o voto-vista, retificaram seus votos para acompanhá-lo a relatora Diva Malerbi e o desembargador Johonsom Di Salvo.
- Processo: 5007746-46.2017.4.03.6100
Veja o acórdão.