"Direito potestativo incondicionado", diz juiz ao declarar divórcio antes da citação do cônjuge
Para o magistrado, "o contraditório será formado no futuro e tem por finalidade apenas a ciência ao outro cônjuge".
Da Redação
quarta-feira, 17 de junho de 2020
Atualizado às 17:41
O juiz de Direito Leonardo Aigner Ribeiro, da 4ª vara da Família e Sucessões de SP, deferiu tutela provisória de evidência para decretar divórcio de um casal antes da citação da esposa. Ao decidir, o juiz considerou que atualmente o divórcio é um direito potestativo incondicionado.
Em sua decisão, o juiz citou que a EC 66/20 autoriza o divórcio independentemente de qualquer condição, bastando para sua concessão a manifestação da vontade de um dos cônjuges. Para o magistrado, "o contraditório será formado no futuro e tem por finalidade apenas a ciência ao outro cônjuge".
O processo, que contou com a atuação da defensora pública Claudia Aoun Tannuri, corre em segredo de justiça.
Quando um não quer, dois não ficam casados?
Migalhas noticiou em fevereiro deste ano decisão na qual também foi decretado o divórcio antes mesmo da citação do cônjuge. A decisão da juíza gerou e ainda gera controvérsia: pode o divórcio ser decretado antes mesmo da citação?
Sobre o assunto, o professor Flávio Tartuce, que comanda a coluna "Família e Sucessões" no Migalhas, destacou que não há nos Códigos Civil e de Processo Civil previsão que propicie este tipo de decisão, que conduz ao divórcio unilateral. Mas, por interpretação do art. 356 do CPC/15, que trata do julgamento parcial de mérito, o professor entende que seria possível chegar a essa conclusão.
Já para o advogado e desembargador aposentado do TJ/SP Carlos Alberto Garbi, diretor nacional de publicações da ADFAS - Associação de Direito de Família e das Sucessões, a decisão enfrenta dificuldades do ponto de vista processual.
Ele explica que, caso deferida como tutela provisória, o art. 300 do CPC/15 proíbe a tutela provisória de medida irreversível. "No caso, o divórcio, como questão de Estado, é irreversível. Ninguém pode ser declarado divorciado hoje, e voltar a ser casado amanhã."
Divórcio unilateral - Relembre
Em maio do ano passado, o Estado de Pernambuco regulamentou o divórcio unilateral. Pelo provimento 6/19, foi possibilitado o "divórcio impositivo", que se caracteriza por ato de autonomia de vontade de um dos cônjuges. De acordo com o provimento, desde a EC 66/10 o único requisito para a decretação do divórcio é a demonstração da vontade do(a) requerente, estando extinta a necessidade da prévia separação de fato (por dois anos) ou judicial (por um ano) para a dissolução do vínculo conjugal. A medida também leva em conta o art. 226 da Constituição e que "a autonomia de vontade da pessoa se insere no elevado espectro do princípio da autonomia privada em sua dimensão civil-constitucional".
O Estado foi o primeiro a adotar a medida, mas não demorou para que o Maranhão também fizesse a regulamentação. O provimento do Maranhão considera "os princípios basilares do Estado Democrático de Direito", notadamente a individualidade, a liberdade, o bem-estar, a justiça e a fraternidade; e menciona que a CF "acolhe, como corolários, o direito individual à celeridade na resolução das lides e a autonomia da vontade nas relações intersubjetivas".
Mas, após as alterações, a ADFAS - Associação de Direito de Família e das Sucessões ingressou no CNJ com pedido de providências contra a regulamentação do divórcio unilateral, o que resultou em recomendação do corregedor nacional, ministro Humberto Martins, orientando os Tribunais a se absterem de editar atos que permitissem o "divórcio impositivo".
Para o corregedor, além do vício formal e de não observar a competência da União, o provimento 6/19 descumpre o princípio da isonomia uma vez que estabeleceu uma forma específica de divórcio nos estados de Pernambuco e Maranhão, criando disparidade com outros Estados brasileiros que não possuem provimento semelhante.