Rosa Weber: Disponibilização de mensagens do WhatsApp só pode ocorrer para persecução penal
Segundo a relatora, a proibição do WhatsApp somente pode ocorrer mediante o descumprimento da legislação referente à coleta, à guarda, ao armazenamento, tratamento de dados, bem como os direitos da privacidade.
Da Redação
quarta-feira, 27 de maio de 2020
Atualizado em 28 de maio de 2020 11:47
Nesta quarta-feira, 27, o plenário do STF deu início ao julgamento de ações que tratam da suspensão dos serviços do aplicativo de conversas WhatsApp e de dispositivos do marco civil da internet. A sessão de hoje contou com as sustentações orais e o voto da relatora de uma das ações, a ministra Rosa Weber.
Rosa Weber votou no sentido de que a disponibilização do conteúdo das comunicações privadas dos usuários de aplicações de internet somente pode se dar mediante ordem judicial para fins de persecução penal.
Quanto às penalidades de suspensão temporária das atividades e de proibição do exercício das atividades, a ministra votou no sentido de que elas somente podem ser impostas aos provedores de conexão nas hipóteses de descumprimento da legislação referente à coleta, à guarda, ao armazenamento, tratamento de dados, bem como ao direito da privacidade, à proteção dos dados pessoais e ao sigilo das comunicações privadas e dos registros.
Ações
A ADIn foi ajuizada pelo PR - Partido da República, atual Liberal, para questionar dispositivos da lei 12.965/14, conhecida como marco civil da internet. O partido argumenta que o parágrafo 2º do artigo 10 ampara a concessão de ordens judiciais para que as aplicações de internet disponibilizem o conteúdo de comunicações privadas. Já o artigo 12 prevê aplicação de sanções pelo descumprimento da ordem pela empresa responsável pelo serviço, que variam desde advertência até proibição do exercício da atividade.
A ADPF discute se decisões judiciais podem interromper serviços de mensagens do aplicativo WhatsApp. O processo questiona decisão do juízo da 2ª vara Criminal de Duque de Caxias/RJ e do juízo da vara Criminal de Lagarto/SE, que suspenderam o serviço de aplicativo de mensagens. O então presidente do STF, ministro Ricardo Lewandowski, deferiu medida liminar e restabeleceu o funcionamento do WhatsApp.
Relatora
A relatora da ADIn, ministra Rosa Weber, ressaltou a importância do marco civil da internet, dizendo que tal lei foi amplamente celebrada e colocou o Brasil em posição de vanguarda no que se refere a proteção à privacidade e responsabilização dos agentes de acordo com as suas atividades.
Em tom poético, a ministra falou sobre a virtualização da vida privada dos nossos dias, nos quais os celulares passaram a guardar muito mais da vida privada e da intimidade, do que as portas e gavetas do que os armários de cada um. Segundo a relatora, os celulares converteram-se em janelas luminosas para nossa intimidade e para o mundo externo, principalmente em tempos de pandemia.
A relatora enfatizou a importância da proteção à privacidade dentro de uma sociedade democrática. De que servirá a liberdade de expressão se aos cidadãos não for assegurada o direito à privacidade? questionou a ministra.
Ao analisar os dispositivos impugnados, a ministra Rosa Weber afirmou que o art. 10 do marco civil da internet veicula hipótese de relativização do sigilo das comunicações. Assim, segundo a S. Exa., a inviolabilidade das comunicações realizadas pela internet somente pode ser excepcionada por ordem judicial no âmbito da persecução penal.
"O art. 10 parágrafo 2º, confere suporte normativo para comando judicial de disponibilização do conteúdo de mensagens privadas travadas por meio de aplicações apenas no âmbito de investigação criminal."
O Estado pode obrigar empresas como WhatsApp adotar mecanismos que assegurem o acesso ao conteúdo das conversas caso seja licitamente determinada? E, mais, pode ser a empresa apenada em razão da não observância de ordem judicial? Segundo a ministra, a resposta é não. A empresa não deve oferecer um serviço menos seguro, pois isto seria tornar ilegal a criptografia.
"Não há no marco civil da internet nada que autorize a conclusão de que o art. 12, nos arts. 3 e 4, ampare ordem de suspensão dos serviços de comunicação oferecido por provedores de aplicativo, em caso de atendimento de ordem judicial de conhecimento do conteúdo de comunicações."
Em suma, o voto da se deu no seguinte sentido:
- Improcedente o pedido de declaração de inconstitucionalidade, do art. 12 da lei 12.965/14, mas julga procedente o pedido de interpretação conforme à Constituição do art. 10, parágrafo 2º, da referida lei, para assentar que o conteúdo das comunicações privadas somente poderá ser disponibilizado mediante ordem judicial para fins de investigação criminal.
- Interpretação conforme à CF apenas para assentar que as penalidades de suspensão temporária das atividades e de proibição do exercício das atividades somente podem ser impostas aos provedores de conexão nas hipóteses de descumprimento da legislação à coleta, à guarda, ao armazenamento, tratamento de dados, bem como os direitos da privacidade.registro ou de comunicações, ficando afastada qualquer exegese de modo a abarcar o sancionamento de ordem judicial de disponibilização de conteúdo de comunicações passível de obtenção mediante fragilização deliberada dos mecanismos de proteção da privacidade
Sustentações
O advogado Jorge Galvão, representando o Partido da República (atual Liberal), defendeu que a decisão de Sergipe, que suspendeu o WhatsApp em todo o território nacional, prejudicou milhões de brasileiros. Para ele, tal bloqueio violou o direito à liberdade de comunicação e esta ação representa proteção à esfera pública.
Também pelo Liberal, o advogado Pedro Ivo Velloso ressaltou que os aplicativos como o WhatsApp ganham uma relevância ainda maior em tempos de pandemia. Se aquela decisão de bloqueio acontecesse hoje, segundo o advogado, ela teria um grande potencial de colapsar o país, causando prejuízos à economia. O marco civil é uma norma excelente, no entanto, as aplicações da norma ofendem princípios constitucionais, porque atingem pessoas que nada têm a ver com o litígio.
Pelo partido Cidadania, o advogado Renato Galuppo destacou que o que se questiona na ação são conflitos de interpretações e hermenêuticas, ao relembrar que o juízo de 1º grau de Lagarto/SE determinou a suspensão do app, mas o TJ/SE determinou o desbloqueio. Por isso, segundo o causídico, é necessário que o STF venha pacificar tal entendimento, pois o WhatsApp está instalado em 99% dos celulares no Brasil, segundo pesquisa.
O advogado Tércio Sampaio Ferraz, pelo WhatsApp, afirmou que nestes 30 anos da nova Constituição a confluência tecnológica alterou o fluxo da comunicação e, por isso, é necessário um novo olhar para equilibrar o direito à segurança pública e à vida privada. O causídico disse concordar com os autores das ações, pois as decisões de bloqueio do app, feriram diversos princípios constitucionais. De acordo com o representante do WhatsApp, o poder sancionador do Estado existe para situações que ameacem a liberdade da comunicação coletiva, "a liberdade de um começa onde começa a liberdade do outro", disse.
O advogado Rafael Carneiro, pela Frente Parlamentar pela Internet Livre e sem Limites admitida como amicus curiae, opina pela interpretação do marco civil da internet de forma a impedir qualquer interpretação que resulte na quebra de confidencialidade dos sistemas dos aplicativos.
Gustavo Brasil, pelo amicus curiae IBIDEM - Instituto Beta para Internet e Democracia, afirmou que o bloqueio do WhatsApp atualmente significaria uma dupla tragédia, tanto para a internet, quanto para a democracia. Assim, opinou pelo provimento da ADPF.
O amicus curiae ITS - Instituto de Tecnologia e Sociedade, representado pelo Carlos Afonso Pereira de Souza, lembrou que o princípio da liberdade de expressão aparece inúmeras vezes no marco civil da internet. Os tempos atuais, segundo o causídico, pedem mais criptografias para melhorar os direitos na internet.
Pela Federação Assespro - Federação das Associações das Empresas Brasileiras de Tecnologia da Informação, o ministro aposentado do STF Carlos Ayres Britto falou sobre a importância do sigilo inviolabilidade do sigilo de dados e ressaltou que, nem em Estado de defesa, se quebra o sigilo da comunicação de dados.
O advogado Sydney Sanches, pela UBC - União Brasileira de Compositores, defendeu a preservação dos direitos das pessoas, de modo que o entendimento do STF não confira uma interpretação elástica que iniba eventuais medidas de melhorias para o ambiente online.
A AMB - Associação dos Magistrados Brasileiros, representada pelo advogado Alberto Ribeiro, sustentou que o julgamento das duas ações envolve a resposta da pergunta: é possível a existência de uma comunicação ou de transmissão de dados que seja insuscetível de interceptação pelo Estado para fins de persecução penal? Para ele, a resposta deve ser negativa. Segundo ele, qualquer meio de comunicação somente pode existir se dispuser meios de o Estado realizar intercepção para fins de persecução penal.
O defensor-Geral Federal Gabriel Oliveira, pela DPU, destacou que muitas famílias usam o aplicativo como meio lícito de subsistência. O advogado defendeu que o aplicativo seja regido pelo marco civil da internet e pela LDGP, sendo inaplicáveis no caso as regras de interceptação telefônica. Para ele, o bloqueio do app, por desatender decisão judicial, censura a liberdade de expressão e comunicação.