CNMP vai apurar conduta de promotor contrário à adoção homoparental
Para Conselho, o promotor faltou com zelo e presteza no exercício de suas funções institucionais.
Da Redação
terça-feira, 26 de maio de 2020
Atualizado em 28 de maio de 2020 15:57
O plenário do CNMP referendou a instauração de PAD para apurar a conduta de um promotor de Justiça do MP/ES que opinou pela impossibilidade de deferimento de pedido de adoção homoparental, afastando a validade de certidão de casamento acostada pelos pais, que constituem união matrimonial entre duas pessoas do mesmo sexo.
A decisão do colegiado foi unânime, após o voto-vista do conselheiro Luiz Fernando Bandeira de Mello, apresentado nesta terça-feira, 26.
De acordo com a portaria de instauração do PAD, assinada pelo corregedor nacional do MP Rinaldo Reis, ainda no mesmo processo, o promotor apresentou Recurso de Apelação Cível, pedindo ao juízo a reconsideração da sentença que havia deferido a adoção.
O corregedor sugeriu como sanção duas penalidades de advertência, uma para cada conduta: "O processado desempenhou com falta de zelo e presteza as funções ministeriais, o que causou inegável desprestígio ao Sistema de Justiça e prejudicou a defesa da ordem jurídica e dos interesses sociais e individuais indisponíveis. No mais, não observou um dos objetivos fundamentais da República Federativa do Brasil, consistente na promoção do bem de todos, sobretudo da família, tenha ela qualquer dos seus arranjos, sem preconceito de sexo ou qualquer outra forma de discriminação."
Abuso de interpretação e preconceito odioso
O julgamento do caso foi retomado com o voto-vista do conselheiro Luiz Fernando Bandeira de Mello, para quem as manifestações processuais do promotor tiveram caráter homofóbico e preconceituoso, em completa inobservância à jurisprudência consolidada perante o STJ, bem como às decisões proferidas no âmbito do STF (ADI 4.277 e ADPF 132), com eficácia vinculante à Administração Pública e aos demais órgãos do Judiciário e do MP, que reconheceram a união entre pessoas do mesmo sexo como entidade familiar.
"Enquanto representava o Ministério Público Brasileiro, o reclamado, mediante o emprego de grifos linguísticos, uso de negrito, notas de roda pé e interpretação jurídica inadequada nas referidas peças processuais, superou os limites da independência funcional e expôs a própria Instituição, ao proferir posicionamento isolado, dissociado das previsões contidas no ordenamento jurídico brasileiro, marcada por abuso de interpretação e preconceito odioso, faltando com zelo e presteza no exercício de suas funções institucionais e retardando a adoção do menor, em desrespeito ao princípio do melhor interesse da criança."
Bandeira de Mello anotou ainda que as manifestações, além de gerarem atraso ao processo da adoção, violando o princípio do melhor interesse do menor, ignoraram a validade de certidão de casamento homoafetivo, desrespeitando a resolução 175/13 do CNJ.
"Acompanhando a linha histórica e a luta do movimento LGBT, não pode o CNMP negar a validade da certidão de casamento dos reclamantes, limitando-se a aplicar a justificativa de que o membro se encontra respaldado pela independência funcional, uma vez que o comportamento descrito configuraria grave injustiça."
Luiz Fernando Bandeira de Mello ainda pontuou que a independência funcional assegurada aos membros do parquet brasileiro comporta limites.
"Não há como se manter a ideia de que os atos relativos à atividade-fim do Ministério Público são insuscetíveis de revisão ou desconstituição pelo CNMP, quando irrefutável que a conduta de membro consistiu em ofensa a direitos fundamentais garantidos na Constituição Federal. (...)
Ademais, o manancial probatório demonstrou que as manifestações processuais prolatadas pelo Promotor de Justiça do MPES evidenciaram, a meu ver, seu preconceito odioso contra uniões homoafetivas e adoções homoparentais, bem como sua consciência de injustiça, ao desconsiderar a validade de uma certidão de casamento homoafetivo."
No mesmo sentido foi o voto da conselheira Sandra Krieger Gonçalves, relatora, que destacou que a independência funcional "não pode servir de carta branca para qualquer hipótese de atuação finalística do Membro do Ministério Público".
"Pelo contrário, ainda que possua tal independência, o Agente Ministerial deve atuar nos estritos limites do ordenamento jurídico, sempre em busca do interesse público e sem se deixar levar por interesses que reflitam meras convicções pessoais."
Segundo a conselheira, embora seja um "juízo difícil de ser realizado", é, "sem dúvida alguma, necessário para que o Conselho cumpra fielmente seu papel constitucional".
- Processo: Reclamação Disciplinar 1.00969/2019-34
Confira o voto-vista do conselheiro Bandeira de Mello.
Confira o voto-vista da conselheira Sandra Krieger Gonçalves.