Advogados divergem sobre lei do pacote anticrime
Ao Migalhas, especialistas falam sobre pontos controversos da nova norma, sancionada no último dia 24.
Da Redação
sexta-feira, 27 de dezembro de 2019
Atualizado em 2 de janeiro de 2020 12:26
Na última terça-feira, 24, o presidente Jair Bolsonaro sancionou o pacote anticrime - lei 13.964/19 -, que torna a legislação penal e processual penal mais rigorosa. O texto, sancionado com diversos vetos, trouxe dispositivos com previsões que geraram controvérsias entre operadores do Direito, como a criação do juiz de garantias e o aumento da pena máxima a ser cumprida por condenados à prisão.
Para a advogada criminalista e conselheira da Abracrim/SP, Adriana Filizzola D'Urso (D'Urso e Borges Advogados Associados), a criação do juiz de garantias é um ponto positivo da nova lei. No entanto, ela avalia que a norma não terá efeito prático no combate à criminalidade.
"A sanção do pacote anticrime, embora traga mudanças positivas em alguns aspectos, como a criação do juiz das garantias, propõe alterações legislativas, como as que buscam o recrudescimento das penas, a alteração no instituto da prescrição e a ampliação do rol dos crimes hediondos, que não terão efeito prático para o fim a que se propõe: combater a criminalidade. Uma pena!"
A opinião é compartilhada pelo advogado criminalista Luiz Flávio Borges D'Urso (D'Urso e Borges Advogados Associados). Para ele, o pacote "pouco contribuirá para evitar a ocorrência do episódio criminoso".
O advogado entende que a nova lei tem alguns méritos, mas considera que o aumento da pena máxima, de 30 para 40 anos, é "uma das maiores falácias históricas". Isso, porque, segundo D'Urso, o Brasil tem insistido no aumento da pena e no endurecimento do sistema penal desde a lei 8.072/90 - dos crimes hediondos - para tentar reduzir a criminalidade que, por sua vez, aumentou nas últimas três décadas.
"Todas as vezes que, historicamente, a humanidade tentou reduzir criminalidade aumentado penas, colheu frustração. O que reduz a criminalidade é a certeza da punição (independentemente do tempo dessa punição), e antes dela, condições sociais de dignidade, educação e oportunidade para todos. (...) Mais uma vez o legislador brasileiro insiste no equívoco."
Juiz de garantias
Um dos pontos mais controversos da nova norma é a criação da figura do juiz de garantias. Esse magistrado terá a função de cuidar do processo criminal, mas não será o responsável por proferir a sentença, que ficará a cargo de outro juiz.
O veto ao trecho havia sugerido pelo ministro da Justiça e Segurança Pública, Sergio Moro, mas, a sugestão não foi acatada pelo presidente.
Para o advogado criminalista Antônio Carlos de Almeida Castro, o Kakay, a decisão de Bolsonaro de não vetar a criação do instituto foi uma "derrota acachapante" para Moro. Kakay entende, no entanto, que a previsão é benéfica para a sociedade.
"O ministro tem o apoio de sempre dos setores conhecidos e ele continua posando como se seu projeto tivesse sido vitorioso. Porém para quem entende do assunto sabe que, felizmente, a realidade é outra. Ganhou a sociedade, o cidadão e o Estado Democrático de Direito."
O advogado especialista em Direito Administrativo Adilson Dallari pondera que a figura do juiz de garantias é desnecessária, já que, segundo ele, o sistema de Justiça em sua forma atual é suficiente para que eventuais erros advindos de decisões judiciais de 1º grau sejam corrigidos.
"O Poder Judiciário, integrado por juízes, desembargadores e ministros dos Tribunais Superiores, é, em sua absoluta maioria, integrado por pessoas vocacionadas para o correto exercício da magistratura. Não precisamos de um juiz de garantia; o melhor é garantir o livre exercício da magistratura pelos verdadeiros juízes que temos hoje. Juízes erram, pois são seres humanos; mas temos um sistema recursal que é suficiente para corrigir eventuais erros."
Colaboração premiada
Outro ponto trazido pela lei 13.964/19 é uma seção que trata especificamente da colaboração premiada, dispondo que o acordo de colaboração é "negócio jurídico processual e meio de obtenção de prova, que pressupõe utilidade e interesse públicos".
Para o advogado Marlus Arns de Oliveira, do escritório Arns de Oliveira & Andreazza Advogados Associados, a nova legislação é um avanço nesse sentido.
"As alterações legislativas sancionadas avançam no tema da colaboração premiada trazendo alterações sugeridas desde sempre: marco inicial das negociações; melhor formalização das tratativas; e alteração do papel do juiz; entre outras. Muito a evoluir nesse tema ainda, entretanto, a nova lei apresenta o acordo de não persecução penal para os crimes com penas até 4 anos. Considero esse ponto um bom avanço de política criminal."
Improbidade
A nova norma também alterou dispositivos da lei de improbidade administrativa. A advogada Inaiá Botelho, também do escritório Arns de Oliveira & Andreazza Advogados Associados, explica a importância das novas previsões em relação a ações que versem sobre o tema. Segundo ela, a nova lei autoriza o uso da solução consensual nas ações desse tipo.
"Com isso o acordo envolvendo os atos de improbidade está autorizado não apenas no âmbito dos acordos de colaboração premiada ou de leniência, como também em sede de negociação direta com a Administração Pública."
A advogada avalia que a mudança "garante maior segurança jurídica aos agentes públicos e particulares que queiram regularizar pendências perante a Administração Pública, bem como possibilita a esta outras formas de ressarcimento por danos sofridos".
Mecanismos rígidos
O pacote anticrime também traz características específicas para presídios Federais de segurança máxima: cela individual, visitas de parentes e amigos somente em dias determinados e sem contato, e monitoramento de todos os meios de comunicação, inclusive correspondência escrita. Com autorização do juiz, poderá haver monitoramento de vídeo e áudio na cela e no atendimento advocatício.
O advogado Willer Tomaz (Willer Tomaz Advogados Associados) avalia o pacote:
"O pacote anticrime busca oferecer respostas à sociedade ao implementar mecanismos rígidos de segurança pública no sistema penitenciário, porém acaba por violar a integridade moral e física do preso ao estabelecer um regime disciplinar altamente gravoso e desumano que elimina totalmente o direito à intimidade e à privacidade do preso e de sua família visitante."