Constitucionalismo abusivo: Barroso chama atenção para atos que corroem a democracia
Ministro Barroso restabeleceu mandatos de antigo Conselho da criança e do adolescente, que haviam sido alterados por decreto de Bolsonaro.
Da Redação
domingo, 22 de dezembro de 2019
Atualizado em 23 de dezembro de 2019 09:34
O ministro Luís Roberto Barroso suspendeu trechos de decreto editado por Bolsonaro e restabeleceu os mandatos dos antigos conselheiros do Conanda - Conselho Nacional dos Direitos da Criança e do Adolescente.
Na decisão, o ministro chama atenção para o "constitucionalismo abusivo", um fenômeno novo caracterizado por atos aparentemente legais, mas que provocam retrocesso democrático.
A ação foi ajuizada pela PGR contra o decreto decreto 10.003/19. Para a Procuradoria, a participação da sociedade civil no Conselho foi esvaziada, em violação aos princípios da democracia participativa, da igualdade, da segurança jurídica, da proteção à criança e ao adolescente e da vedação ao retrocesso institucional.
Liminar
Na liminar deferida em parte, o ministro Barroso restabelece os mandatos dos conselheiros até seu termo final e determina que haja eleição dos representantes das entidades da sociedade civil em assembleia específica, como prevê o regimento interno do órgão.
Determina ainda que sejam realizadas reuniões mensais pelo Conanda com o custeio do deslocamento dos conselheiros que não moram no Distrito Federal e que o presidente do órgão seja eleito por seus pares, também nos termos do regimento interno.
Constitucionalismo abusivo
Na decisão, o ministro Barroso cita uma fenômeno novo que tem acontecido nas democracias: o "constitucionalismo abusivo", uma prática que promove a interpretação ou a alteração do ordenamento jurídico, de forma a concentrar poderes no chefe do Executivo e a desabilitar agentes que exercem controle sobre a sua atuação.
Barroso explica que o combate a organizações da sociedade civil, que atuam em prol da defesa de direitos no espaço público, é uma das condutas de líderes do constitucionalismo abusivo. Países como Venezuela, Hungria, Polônia e Romênia já experimentaram tais experiências.
"Ao contrário, as maiores ameaças à democracia e ao constitucionalismo são resultado de alterações normativas pontuais, aparentemente válidas do ponto de vista formal, que, se examinadas isoladamente, deixam dúvidas quanto à sua inconstitucionalidade. Porém, em seu conjunto, expressam a adoção de medidas que vão progressivamente corroendo a tutela de direitos e o regime democrático."
Embora não seja o caso do Brasil, de acordo com o ministro, "é sempre válido atuar com cautela e aprender com a experiência de outras nações", afirma.
Limites
Segundo o ministro, embora a estruturação da administração pública Federal seja de competência discricionária do chefe do Executivo federal, essa competência encontra limites na Constituição e nas leis, que devem ser respeitadas.
"As novas regras que disciplinam o funcionamento do Conanda, a pretexto de regular, frustram a participação das entidades da sociedade civil na formulação de políticas públicas e no controle da sua execução, como exigido pela Constituição"
- Processo: ADPF 622
Veja a íntegra da decisão.