MIGALHAS QUENTES

  1. Home >
  2. Quentes >
  3. STJ reconhece usucapião extraordinária de caminhão furtado após 20 anos de uso por terceiro
Direito Privado

STJ reconhece usucapião extraordinária de caminhão furtado após 20 anos de uso por terceiro

Decisão é da 3ª turma.

Da Redação

domingo, 24 de novembro de 2019

Atualizado em 25 de novembro de 2019 07:15

A 3ª turma do STJ negou provimento ao recurso de proprietário de um caminhão furtado ao reconhecer a aquisição por usucapião extraordinária em favor de um terceiro, que comprou o veículo de boa-fé e exerceu a posse sobre ele por mais de 20 anos.

O caminhão foi furtado em 1988 e recuperado em 2008. Até ser apreendido, o veículo estava em posse do terceiro, que o comprou de uma pessoa que aparentava ser o dono, por meio de financiamento bancário, e obteve registro no departamento de trânsito, além do licenciamento regular.

O pedido de reintegração foi julgado improcedente em 1ª grau, mas o TJ/MG deu provimento à apelação, ao entendimento de que houve usucapião extraordinária pelo terceiro. No recurso especial, o proprietário original do caminhão sustentou que a proteção possessória deveria ser deferida àquele que provasse a propriedade do veículo e que não seria possível a usucapião em razão da detenção de bem furtado.

Usucapião extraordinária

t

O relator, ministro Marco Aurélio Bellizze, lembrou que a turma, em acórdão anterior à vigência do CC/02, concluiu não ser admissível a usucapião ordinária de veículo furtado, pois a posse a título precário jamais poderia ser transformada em justa, mesmo que o possuidor usucapiente fosse terceiro que desconhecesse a origem dessa posse.

No entanto, para o ministro, o caso em análise amplia o debate, pois trata da possibilidade de aquisição da propriedade de bem móvel por usucapião extraordinária e sua incidência sobre bem objeto de furto. O relator afirmou que a posse é protegida pelo direito por traduzir a manifestação exterior do direito de propriedade.

"Esta proteção prevalecerá, sobrepondo-se ao direito de propriedade, caso se estenda por tempo suficiente previsto em lei, consolidando-se a situação fática que é reconhecida pela comunidade, sem se perquirir sobre as causas do comportamento real do proprietário."

Além do transcurso do prazo de prescrição aquisitiva, observou Bellizze, a legislação estabelece tão somente que a posse deve ser exercida de forma contínua e sem oposição, conforme os artigos 1.260 e 1.261 do CC/02.

"Nos termos do artigo 1.261, aquele que exercer a posse de bem móvel, ininterrupta e incontestadamente, por cinco anos, adquire a propriedade originária, fazendo sanar todo e qualquer vício anterior. (...) Nota-se que não se exige que a posse exercida seja justa, devendo-se atender o critério de boa-fé apenas nas hipóteses da usucapião ordinária, cujo prazo para usucapir é reduzido."

Início da posse

O relator destacou que o artigo 1.208 do CC estabelece que a posse não é induzida por atos violentos ou clandestinos, passando a contar após a cessação de tais vícios. De acordo com S. Exa., o furto é equiparado ao vício da clandestinidade, enquanto o roubo, ao da violência.

"Nesse sentido, é indiscutível que o agente do furto, enquanto não cessada a clandestinidade ou escondido o bem subtraído, não estará no exercício da posse, caracterizando-se assim a mera apreensão física do objeto furtado. Daí porque, inexistindo a posse, também não se dará início ao transcurso do prazo de usucapião", disse ao destacar que, uma vez cessada a violência ou a clandestinidade, a apreensão física do bem induzirá a posse.

O ministro concluiu que não é suficiente que o bem sub judice seja objeto de crime contra o patrimônio para se generalizar o afastamento da usucapião. Para ele, é imprescindível que se verifique, nos casos concretos, se a situação de clandestinidade cessou, especialmente quando o bem furtado é transferido a terceiros de boa-fé.

"As peculiaridades do caso concreto, em que houve exercício da posse ostensiva de bem adquirido por meio de financiamento bancário com emissão de registro perante o órgão público competente, ao longo de mais de 20 anos, são suficientes para assegurar a aquisição do direito originário de propriedade, sendo irrelevante se perquirir se houve a inércia do anterior proprietário ou se o usucapiente conhecia a ação criminosa anterior a sua posse."

Veja o acórdão.

____________

Informações: STJ

Patrocínio

Patrocínio Migalhas