Nova lei que altera CLT traz mudanças substanciais e gera dúvidas, avaliam especialistas
Advogadas trabalhistas entendem que a lei 13.876/19 tem claro intuito arrecadatório e apresenta contradições.
Da Redação
sexta-feira, 27 de setembro de 2019
Atualizado em 3 de outubro de 2019 07:35
No último dia 23, foi publicada a lei 13.876/19, que dispõe sobre os honorários periciais em ações nas quais o INSS figura como parte. Além de alterar a legislação previdenciária, a norma também traz mudanças na CLT, inserindo dois novos parágrafos em no artigo 832 da norma.
Com o acréscimo dos dispositivos, o trecho passa a vigorar da seguinte forma:
Art. 832 - Da decisão deverão constar o nome das partes, o resumo do pedido e da defesa, a apreciação das provas, os fundamentos da decisão e a respectiva conclusão.
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§ 3º As decisões cognitivas ou homologatórias deverão sempre indicar a natureza jurídica das parcelas constantes da condenação ou do acordo homologado, inclusive o limite de responsabilidade de cada parte pelo recolhimento da contribuição previdenciária, se for o caso. (Incluído pela Lei nº 10.035, de 2000)
§ 3º-A. Para os fins do § 3º deste artigo, salvo na hipótese de o pedido da ação limitar-se expressamente ao reconhecimento de verbas de natureza exclusivamente indenizatória, a parcela referente às verbas de natureza remuneratória não poderá ter como base de cálculo valor inferior: (Incluído pela Lei nº 13.876, de 2019)
I - ao salário-mínimo, para as competências que integram o vínculo empregatício reconhecido na decisão cognitiva ou homologatória; ou (Incluído pela Lei nº 13.876, de 2019)
II - à diferença entre a remuneração reconhecida como devida na decisão cognitiva ou homologatória e a efetivamente paga pelo empregador, cujo valor total referente a cada competência não será inferior ao salário-mínimo. (Incluído pela Lei nº 13.876, de 2019)
§ 3º-B Caso haja piso salarial da categoria definido por acordo ou convenção coletiva de trabalho, o seu valor deverá ser utilizado como base de cálculo para os fins do § 3º-A deste artigo. (Incluído pela Lei nº 13.876, de 2019)
Embora a mudança se dê em um pequeno trecho da CLT, para especialistas, ela é considerada substancial. De acordo com a advogada Amanda Assreuy, da Advocacia Maciel, a introdução dos dispositivos na legislação trabalhista se deu para "represar a realização de acordos na justiça do trabalho de natureza exclusivamente indenizatória, sob os quais não há incidência previdenciária ou fiscal".
Isso porque, segundo Amanda, a mudança estabelece que apenas nos casos em que a ação contemple parcelas de natureza exclusivamente indenizatórias não haverá incidência fiscal e previdenciária sobre o acordo homologado entre as partes.
"Em todos os demais casos a homologação do acordo deverá observar a natureza das parcelas objeto da pactuação, estabelecendo inclusive que seja observada a base de cálculo mínima, qual seja, o salário mínimo ou piso da categoria."
As advogadas Denise Alvarenga e Gabriela Giacomin, sócias do Motta Fernandes Advogados, entendem que um dos novos dispositivos - o parágrafo 3º-A - gera dúvidas quanto a sua interpretação, não sendo possível averiguar exatamente, na leitura do texto, qual foi a intenção do legislador. Já o parágrafo 3º-B, por sua vez, também não esclarece como ficam casos em que não há discussão sobre o piso da categoria, em que a convenção coletiva determine diferentes pisos salariais ou em casos nos quais sequer há instrumento normativo acostado aos autos.
"A conclusão, naturalmente, é de que o novo texto conferido pela lei 13.876/19 não foi claro e que advogados e partes ficarão à mercê da interpretação subjetiva de cada julgador."
Segundo as advogadas, a alteração incide principalmente na questão da liberdade das partes na discriminação de verbas nos acordos celebrados. "Ao que parece, a intenção do legislador era evitar que os acordos celebrados em sede de ações trabalhistas transmutassem verbas de natureza remuneratória em indenizatória, evitando a incidência de encargos previdenciários e fiscais."
Isso porque, pontuam Denise e Gabriela, antes era possível, caso não houvesse sentença no processo, discriminar verbas do acordo livremente, desde que respeitados os limites dos pedidos formulados na petição inicial, sendo admissível a classificação dessas verbas como indenizatórias em sua totalidade.
Natureza arrecadatória
Para a advogada trabalhista Maria Lucia Benhame, da banca Benhame Sociedade de Advogados, a alteração legislativa tem claro intuito arrecadatório, e visa impedir que os acordos anteriores a uma sentença sejam efetuados sem que nenhum recolhimento previdenciário ocorra.
Maria Lucia explica que, atualmente, a orientação jurisprudencial 376 da SDI-1 do TST já impede que acordos posteriores à prolação de sentença transitada em julgado sejam efetuados sem considerar a natureza das verbas efetivamente deferidas. No entanto, destaca que a alteração na CLT, ao fixar a base mínima no valor de uma salário mínimo ou de um piso da categoria a cada competência, pode inviabilizar a efetivação de acordos.
"Suponhamos que um pedido de diferenças de equiparação salarial por 36 meses indique uma diferença salarial de R$ 400,00. Pelo texto da lei, a base de incidência não seria R$ 400,00 a cada competência, mas sim o salário mínimo. Assim, melhor que a empresa aguarde uma condenação, que pode ou não ocorrer, e se ocorrer gerará um recolhimento sobre R$ 400,00 e não sobre um salário mínimo."
Maria Lucia considera que se a ideia é evitar acordos sem pagamento previdenciário, que seja aplicada a orientação, para que as verbas remuneratórias sejam calculadas na proporção do pedido e do acordo.
De acordo com a especialista, não se pode descartar, ainda, a possibilidade de divisão de ações, em que os pedidos indenizatórios são propostos numa ação e os salariais em outro. "Faz-se o acordo na indenizatória, possível de acordo sem recolhimento, e a quitação envolve ambas as ações."
"A lei pode ter efeito de aumentar o tempo de trâmite das ações, esvaziar as conciliações em primeira audiência, e mesmo aumentar o número das ações se a receita usada no passado de divisão das ações for retomada", conclui Maria Lucia.
A natureza arrecadatória da nova lei é explicada pelo advogado Agostinho Zechin Pereira, responsável pela área Trabalhista da banca LEMOS Advocacia Para Negócios. Segundo ele, antes, por meio da aplicação do artigo 475-N, inciso III, do CPC/15, era possível ter uma ação trabalhista sobre horas extras e fazer um acordo, nesta mesma ação, sobre indenização por dano moral, por exemplo. Também há a súmula 67 da AGU que dá liberdade total aos litigantes de discriminar a natureza das verbas nesses acordos.
"E a razão disso é muito simples: se eu faço um acordo e pago uma parcela que tem natureza indenizatória, essa parcela não gera encargos, não vai ter recolhimento de previdência social, em alguns casos, de imposto de renda, ao passo que, se o objeto do acordo envolve parcelas de natureza salarial, aí, além de pagar a verba do acordo, haveria recolhimentos."
No entanto, destaca Pereira, agora que há uma legislação específica trabalhista, não há mais como se buscar, como fonte subsidiária as regras do CPC/15 em uma ação trabalhista.
"Esses recolhimentos poderiam desestimular as partes a fazer um acordo, porque, no final das contas, vai sair mais caro do que aquilo que você estava planejando a pagar na ação trabalhista para o outro litigante. (...) O artigo 3º-A do artigo 832 diz que só há uma maneira de não se ter recolhimento previdenciário do acordo, que é quando o pedido da ação se limitar expressamente ao reconhecimento de verbas de natureza exclusivamente indenizatória."
Mudança positiva
O advogado Willer Tomaz, sócio do escritório Willer Tomaz Advogados Associados, diverge da opinião dos especialistas. Isso porque, para ele, a lei é positiva e resguarda ao trabalhador o acesso à Justiça Trabalhista. "A nova lei vem para substituir a MP 854 e para fazer valer o direito de acesso do trabalhador ao Poder Judiciário. Tendo em vista que o orçamento da Justiça Federal foi impactado pela PEC do teto dos gastos públicos, houve um comprometimento da assistência jurídica a pessoas carentes", afirma.
Tomaz avalia ainda que a norma é positiva por contornar essa limitação fiscal, mantendo em dia o pagamento das perícias com recursos antecipados do Poder Executivo.
"Nada mais salutar para a Administração da Justiça e para o próprio empregado, pois se evitará atrasos e a falta de pagamento de honorários dos peritos judiciais, condição indispensável para a manutenção de um quadro de profissionais qualificados e interessados na prestação do serviço."