Moraes homologa acordo que destina fundo da Lava Jato para Educação e Amazônia
Ministro também declarou a nulidade de acordo que criava fundo privado da Lava Jato e destacou sua ilegalidade.
Da Redação
terça-feira, 17 de setembro de 2019
Atualizado em 18 de setembro de 2019 09:11
O ministro Alexandre de Moraes homologou, nesta terça-feira, 17, acordo para utilização do Fundo bilionário da Petrobras, verba obtida pela operação Lava Jato. O acordo foi firmado no último dia 5 entre governo, representantes da Câmara e do Senado e a PGR.
Pelo acordo, o montante do fundo - cerca de R$ 2,6 bilhões - será dividido da seguinte forma: R$ 1,6 bilhão para a Educação; e R$ 1,06 bilhão para a Amazônia Legal.
Na decisão, o ministro autorizou a imediata transferência dos recursos, devidamente corrigidos, para uma conta única do Tesouro Nacional para cumprimento do acordo. O ministro também concedeu pedido da Caixa para que a instituição desconte a remuneração relativa ao tempo em que permaneceu com a guarda dos valores.
Ficam, com a decisão, extintos dois processos no STF que tratavam da destinação do dinheiro (ADPF 568 e Rcl 33.667).
"Fundação Lava Jato"
O ministro Alexandre de Moraes também suspendeu os efeitos de acordo firmado entre a Petrobras e procuradores do MPF em Curitiba.
A negociação é resultado de um primeiro acordo entre a Petrobras e autoridades dos EUA relacionada à perda de acionistas devido a ilícitos investigados na Lava Jato, o que gerou o montante de R$ 2,5 bilhões.
Posteriormente, em um novo e polêmico acordo entre a Petrobras e procuradores, ficou definido que metade do valor depositado pela Petrobras (R$ 1,2 bi) iria para um "fundo privado", criado pela Lava Jato e comandado pela força-tarefa, que teria como objetivo "a promoção da cidadania; formação de lideranças; aperfeiçoamento das práticas políticas; e conscientização da população brasileira". A proposição foi homologada pela juíza Federal em Curitiba, à época substituta de Moro, Gabriela Hardt.
À época, Migalhas revelou uma série de questionamentos que colocaram a Petrobras e o MPF/PR em suspeição. A própria Raquel Dodge pediu no STF a suspensão da criação da fundação. O mesmo pedido foi feito pela Câmara. Por fim, a própria força-tarefa desistiu da ideia e anunciou a suspensão da fundação diante do "debate social existente acerca da destinação dos recursos".
Por determinação de Moraes, o valor, então depositado na conta da 13ª vara Federal de Curitiba/PR, foi bloqueado.
"À margem da legalidade"
Na decisão desta terça-feira, o ministro Moraes destacou a ilegalidade do Fundo e da atitude dos procuradores do Paraná, que "inexplicavelmente" resolveram "de maneira sigilosa e à margem da ilegalidade e da moralidade administrativa", definir que o órgão de execução do MP de 1ª instância era o "Brasil" e "autoridades brasileiras" citados no acordo.
"Não há qualquer dúvida sobre a nulidade absoluta do 'Acordo de Assunção de Compromissos', que, realizado pela Procuradoria da República no Paraná com a Petrobras e homologado pela 13ª Vara Criminal Federal de Curitiba, desrespeitou os preceitos fundamentais da Separação de Poderes, do respeito à chefia institucional, da unidade, independência funcional e financeira do Ministério Público Federal e os princípios republicano e da legalidade e da moralidade administrativas, pois ambas as partes do acordo não possuíam legitimidade para firmá-lo, o objeto foi ilícito e o juízo era absolutamente incompetente para sua homologação."
O ministro destacou que a execução e a fiscalização do cumprimento de obrigações assumidas pela Petrobras no exterior, ainda que visem à mitigação da responsabilidade da empresa por fatos relacionados à operação LavaJato, "não correspondem às atribuições específicas dos membros do MPF em exercício na força-tarefa respectiva, ou com a competência jurisdicional do juízo da 13ª vara Criminal Federal, juízo absolutamente incompetente para analisar a presente hipótese".
"Em patente e ilícito desvio de finalidade, o conteúdo do segundo acordo - homologado pela 13ª Vara Criminal Federal de Curitiba - estabeleceu inúmeras providências não previstas no Non Prosecution Agreement, que apenas previu o creditamento da multa em favor do Brasil, sem nenhum condicionamento relacionado à constituição de uma pessoa jurídica de direito privado ou afetação desse montante a atividades específicas."
O ministro prossegue na decisão descrevendo ilicitudes cometidas pelos procuradores de Curitiba. Destaca que as atividades previstas no acordo ilegal - de instituição, fiscalização e participação de membros do MP na gestão de entidade de direito privado -, implicam "ilegal extrapolação dos limites estabelecidos pela CF e pela LC 75/93 para a atuação do MPF", em especial, como destacado pela PGR, a independência finalística e orçamentária informada pela Constituição, bem como de "regras de integridade" a garantir a independência funcional dos membros do MP "mediante a necessária equidistância em relação às partes envolvidas nos litígios".
"A eventual apropriação, por determinados membros do Ministério Público, da administração e destinação de proveito econômico resultante da atuação do órgão, além de desrespeitar os princípios da legalidade, da impessoalidade e da moralidade administrativa, implicou séria agressão ao perfil constitucional fortalecido da Instituição, atribuído de maneira inédita e especial pela Constituição Federal de 1988, ao prever sua autonomia funcional, administrativa e financeira, retirando-lhe atribuições próprias do Poder Executivo e vedando o recebimento, por seus Membros, de quaisquer vantagens pecuniárias relacionadas ao exercício da função (honorários, percentagens, etc), bem como vendando-lhes o exercício de atividade político-partidária e, principalmente, "receber, a qualquer título ou pretexto, auxílios ou contribuições de pessoas físicas, entidades públicas ou privadas" (art. 128, § 5º, II, "f", da CF)."
Por fim, o ministro ressalta a "ilegal previsão" de reserva de metade do valor depositado para eventuais pagamentos a acionistas minoritários da própria empresa. "Mais uma vez, reitere-se, por se tratar de receita pública, não poderia ter destinação diversa do Tesouro." "Caso se autorizasse a realização desses pagamentos, teríamos uma situação em que a multa paga pela Petrobras estaria sendo utilizada para a satisfação de passivo da mesma Petrobras."
Como já havia definido, o ministro destacou que o montante pertence à União, e anulou o acordo porque foi realizado por partes ilegítimas e porque transforma verba destinada ao Brasil em dinheiro privado para gerir Fundação da Lava Jato.
- Processos: ADPF 568 e Rcl 33.667
Veja a decisão.