Vazamentos: Dallagnol sugeriu que Moro protegeria Flávio Bolsonaro para não perder indicação ao STF
Novos chats foram publicados neste domingo, 21, pelo site The Intercept Brasil.
Da Redação
domingo, 21 de julho de 2019
Atualizado às 15:06
Procuradores do MPF avaliaram que Flávio Bolsonaro mantinha um esquema de corrupção em seu gabinete quando foi deputado estadual no RJ. O esquema, operado pelo assessor Fabrício Queiroz, seria similar a outros escândalos em que deputados estaduais foram acusados de empregar funcionários fantasmas e recolher parte do salário como contrapartida.
Em chats privados, Deltan Dallagnol, coordenador da operação Lava Jato, concordou com a conclusão, dizendo que o filho do presidente "certamente" seria implicado no esquema. Dallagnol, no entanto, demonstrou uma preocupação: ele temia que Sergio Moro não continuasse a investigação por pressões políticas do então recém eleito Jair Bolsonaro, e pelo desejo do ex-juiz de ser indicado ao STF.
A revelação foi divulgada na tarde deste domingo, 21, pelo site The Intercept Brasil, na "parte 11" dos vazamentos envolvendo a Lava Jato.
Até hoje, como presumia Dallagnol, não há indícios de que Moro, que na época das conversas já havia deixado a 13ª vara Federal de Curitiba e aceitado o convite de Bolsonaro para assumir o Ministério da Justiça, tenha tomado qualquer medida para investigar o esquema de funcionários fantasmas que Flávio é acusado de manter e suas ligações com poderosas milícias do Rio de Janeiro.
Caso Queiroz
O escândalo envolvendo Flávio, cuja investigação está nas mãos do MP/RJ, parece ter entrado em um ritmo mais lento do que o esperado para um caso dessa gravidade. Moro também não deu sinais de que prosseguirá com investigações sobre ramificações federais do caso, como suposto empréstimo de Queiroz para a primeira-dama, Michelle Bolsonaro.
Nas poucas vezes em que respondeu a questionamentos sobre a situação do filho do presidente, ele repetiu que "não há nada conclusivo sobre o caso Queiroz".
O caso teve uma recente reviravolta quando, no último dia 15, o presidente do STF, ministro Dias Toffoli, atendeu a pedido de Flávio Bolsonaro e suspendeu investigações iniciadas a partir de informações compartilhadas por órgãos de controle, como o Coaf, sem autorização judicial.
Transação atípica
Em 8 de dezembro de 2018, Dallagnol postou em um grupo de procuradores no Telegram chamado Filhos do Januario 3, o link para uma reportagem no UOL sobre um depósito de R$ 24 mil feito por Queiroz numa conta em nome da primeira-dama, Michelle Bolsonaro.
Segundo o texto, a "transação foi apontada como 'atípica' pelo Coaf e anexada a uma investigação do MPF na Lava Jato".
"Queiroz movimentou R$ 1,2 milhão entre janeiro de 2016 e janeiro de 2017. A comunicação do Coaf não comprova irregularidades, mas indica que os valores movimentados são incompatíveis com o patrimônio e atividade econômica do ex-assessor", escreveu o site UOL na reportagem.
Preocupação
A notícia levou Dallagnol a pedir a opinião dos colegas sobre os desdobramentos do caso, e sobre como seria a reação de Moro. A procuradora Jerusa Viecilli, crítica da aproximação de Moro com o governo Bolsonaro, respondeu: "Falo nada. Só observo".
Dallagnol manifestou sérias preocupações com a forma que o ministro da Justiça conduziria o caso, sugerindo que o ex-juiz poderia ser leniente com Flávio, seja por limites impostos pelo presidente ou pela intenção de Moro de não pôr em risco sua indicação ao Supremo.
"É óbvio o q aconteceu. E agora, José? (...) Seja como for, presidente não vai afastar o filho. E se isso tudo acontecer antes de aparecer vaga no supremo?"
Dallagnol completou, sobre o presidente: "Agora, o quanto ele vai bancar a pauta Moro Anticorrupcao se o filho dele vai sentir a pauta na pele?"
Segundo site The Intercept, a força-tarefa da Lava Jato e os procuradores citados nas mensagens publicadas foram procurados para comentários, mas não responderam até a publicação da reportagem.
Veja o diálogo:
8 de dezembro de 2018 - grupo Filhos do Januario 3
Deltan Dallagnol - 00:56:50 - (link)
Dallagnol - 00:58:15 - [imagem não encontrada]
Dallagnol - 00:58:15 - [imagem não encontrada]
Dallagnol - 00:58:38 - COAF com Moro
Dallagnol - 00:58:40 - Aiaiai
Julio Noronha - 00:59:34 -
Dallagnol - 01:04:40 - [imagem não encontrada]
Januário Paludo - 07:01:20 - Isso lembr
Paludo - 07:01:48 - Lembra algo Deltan?
Paludo - 07:03:08 - Aiaiai
Jerusa Viecilli - 07:05:24 - Falo nada . Só observo
Dallagnol - 08:47:52 - Kkk
Dallagnol - 08:52:01 - É óbvio o q aconteceu. E agora, José?
Dallagnol - 08:53:37 - Moro deve aguardar a apuração e ver quem será implicado. Filho certamente. O problema é: o pai vai deixar? Ou pior, e se o pai estiver implicado, o que pode indicar o rolo dos empréstimos?
Dallagnol - 08:54:21 - Seja como for, presidente não vai afastar o filho. E se isso tudo acontecer antes de aparecer vaga no supremo?
Dallagnol - 08:58:11 - Agora, Bolso terá algum interesse em aparelhar a PGR, embora o Flávio tenha foro no TJRJ. Última saída seria dar um ministério e blindar ele na PGR. Pra isso, teria que achar um colega bem trampa
Athayde Ribeiro Costa - 08:59:41 - É so copiar e colar a ultima denuncia do Geddel
Roberson Pozzobon - 09:02:52 - Acho que Moro já devia contar com a possibilidade de que algo do gênero acontecesse
Pozzobon - 09:03:19 - A questão é quanto ele estará disposto a ficar no cargo com isso ou se mais disso vir
Dallagnol - 09:04:38 - Em entrevistas, certamente vão me perguntar sobre isso. Não vejo como desviar da pergunta, mas posso ir até diferentes graus de profundidade. 1) é algo que precisa ser investigado; 2) tem toda a cara de esquema de devolução de parte dos salários como o da Aline Correa que denunciamos ou, pior até, de fantasmas.
Dallagnol - 09:05:54 - Agora, o quanto ele vai bancar a pauta Moro Anticorrupcao se o filho dele vai sentir a pauta na pele?
Andrey Borges de Mendonça - 09:21:16 - Uma vez pedi no caso da custo brasil e o pt alegou q era impenhorável segundo a lei eleitoral. O juiz acabou desbloqueando sem ouvir a gente. Mas confesso q nao sei se procede.
Paludo - 09:37:52 - Tem que investigar. E isso que ele sempre diz. Na pior das hipóteses, Podem ir os anéis (filho e mulher), mas ficam os dedos. Seria muito traumático o general assumir no lugar dele.
Viecilli - 10:06:32 - [imagem não encontrada]
Viecilli - 10:06:51 -
Dallagnol - 10:22:31 - Rsrsrs
Dallagnol - 10:39:47 - [imagem não encontrada]
Dallagnol - 10:41:04 - [imagem não encontrada]
Antonio Carlos Welter - 10:52:11 - O $$ termina na conta da esposa. Vao argumentar que alimentou a campanha. Periga terminar em AIME
Evitando a imprensa
Ainda segundo os vazamentos divulgados neste domingo, a situação de Moro levou Deltan a evitar entrevistas por temer perguntas envolvendo o caso Queiroz.
Ao procurador Roberson Pozzobon, Deltan teria dado a entender que estava relutante em fazer uma condenação mais severa de Flávio por temer as consequências políticas de desagradar o presidente.
8 de dezembro de 2018 - chat privado
Roberson Pozzobon - 09:12:41 - Em entrevistas, certamente vão me perguntar sobre isso. Não vejo como desviar da pergunta, mas posso ir até diferentes graus de profundidade. 1) é algo que precisa ser investigado; 2) tem toda a cara de esquema de devolução de parte dos salários como o da Aline Correa que denunciamos ou, pior até, de fantasmas.
Pozzobon - 09:13:05 - Tava escrevendo esse tuíte agora mesmo
Pozzobon - 09:13:11 - "Informação de que um ex-assessor do deputado estadual e senador eleito pelo PSL, Flávio Bolsonaro, movimentou 1,2 milhão de reais entre 2016 e 2017". Se deve ser investigado? É certo que sim. É para isso que servem os relatórios de inteligência financeira do COAF. Pontuar as suspeitas no meio de bilhões de transações diárias
(link)
Dallagnol - 10:04:00 - Não sei se convém o nível 2. Não podemos ficar quietos, mas é neste momento um pouco como com RD. Vamos depender dele pra reformas. Não sei se vale bater mais forte
Pozzobon -10:07:15 - Pois é
Pozzobon - 10:07:26 - To na msm dúvida
Um mês e meio depois, no dia 21 de janeiro de 2019, no mesmo grupo, Dallagnol disse ter sido convidado pelo Fantástico, da rede Globo, para uma entrevista sobre foro privilegiado. Ele, no entanto, teria negado o convite, justamente por receio de que tivesse que falar também sobre o caso de Flávio e tentativas do filho do presidente de usar o foro para barrar investigações.
Os procuradores concordaram que não seria uma boa ceder à entrevista, devido à "bola dividida Flávio Bolsonaro".
"Mensalinho"
Em outras conversas privadas, procuradores do MPF comentaram o escândalo envolvendo Flávio Bolsonaro e Queiroz. "Não tenho dúvida de que isso é mensalinho", escreveu o procurador Danilo Dias, acrescentando em seguida: "No mesmo esquema de Mato Grosso com Silval Barbosa".
No dia 11 de dezembro de 2018, em um grupo chamado Winter is Coming, a subprocuradora-geral da República Luiza Frischeisen compartilhou um link para uma matéria do Jornal Nacional sobre o caso. O telejornal explicou que "a análise do relatório do Coaf revela que a maior parte dos depósitos em espécie na conta do ex-motorista de Flávio Bolsonaro coincidem com as datas de pagamento na Assembleia Legislativa do Rio". Frischeisen está na lista tríplice escolhida pelos membros do MPF para substituir a PGR Raquel Dodge, cujo mandato se encerra em setembro.
Uma outra procuradora do MPF, Hayssa Kyrie Medeiros Jardim, explicou que o esquema praticado por Flávio se tratava de "esquema equivalente ao descoberto na Dama de espadas". Em seguida, a procuradora compartilhou um artigo da Tribuna do Norte, publicado no dia 12 de novembro de 2018, que revelava o funcionamento de um esquema similar na Assembleia Legislativa do RN. No caso, uma organização criminosa formada por servidores e ex-presidentes da casa realizou desvios milionários por meio de um esquema com funcionários-fantasma.
Frischeisen comparou o caso de Flávio a um outro, também no RJ, envolvendo a deputada estadual Lucia Helena Pinto de Barros, conhecida como Lucinha, "acusada de desviar dinheiro público em contratação de funcionário fantasma". Citando uma nota do MP/RJ, a procuradora disse que "MPRJ já fez denúncia sobre caso semelhante envolvendo funcionário fantasma", indicando que haveria precedente para uma denúncia contra Flávio.
No decorrer da conversa, nenhum dos procuradores discordou da declaração enfática de que Flávio teria praticado corrupção.
Segundo a revista Veja, que teve acesso ao documento que embasou a quebra de sigilo de Flávio Bolsonaro, o Ministério Público do Rio de Janeiro vê indícios que sugerem a prática dos crimes de peculato, lavagem de dinheiro e organização criminosa no gabinete do então deputado. O caso seria, então, ainda mais grave do que os outros casos citados pelos procuradores.
Vazamentos
Migalhas reuniu, em site exclusivo, todas as informações e desdobramentos dos vazamentos envolvendo a operação Lava Jato. Acesse: vazamentoslavajato.com.br