TJ/DF condena pai por abandono afetivo: "amar é possibilidade, cuidar é obrigação civil"
Pai pagará R$ 50 mil pelo tempo que se manteve ausente física, emocional e financeiramente. "Não tendo tido o filho o melhor, que o dinheiro lhe sirva, como puder, para alguma melhoria."
Da Redação
quarta-feira, 15 de maio de 2019
Atualizado às 11:02
"Um juiz não pode obrigar um pai a amar uma filha. Mas não é só de amor que se trata quando o tema é a dignidade humana dos filhos e a paternidade responsável. Há, entre o abandono e o amor, o dever de cuidado. Amar é uma possibilidade; cuidar é uma obrigação civil."
Com esta lição a 8ª turma Cível do TJ/DF manteve condenação fixada em R$ 50 mil a um pai por abandonar afetivamente sua filha. O colegiado acompanhou voto do desembargador Diaulas Costa Ribeiro, relator designado para o acórdão, tendo ficado vencida a relatora Nídia Corrêa Lima. Com a decisão, o genitor terá de pagar indenização pelo tempo que se manteve ausente física, emocional e financeiramente da vida da descendente.
O caso
A requerente entrou com uma ação de reparação de danos morais contra o pai com quem, segundo os autos, só teria tido contato aos dois anos de idade e, novamente, 14 anos mais tarde.
Condenado em 1º grau, o pai recorreu da sentença, mas teve o recurso negado. Segundo os julgadores, os chamados "órfãos de pais vivos" têm direito à reparação extrapatrimonial, aquela que segue a lógica jurídica do dano moral decorrente da morte efetiva dos pais das vítimas de ato ilícito.
O desembargador cujo voto foi seguido por maioria observou que a mesma lógica jurídica dos pais mortos pela morte deveria ser adotada para "órfãos de pais vivos - abandonados voluntariamente. "Esses filhos não têm pai para ser visto. No simbolismo psicanalítico, há um ambicídio. Esse pai suicida-se oralmente como via para sepultar as obrigações da paternidade, ferindo de morte o filho e a determinação constitucional da paternidade responsável."
Dano moral
Neste caso, o colegiado entendeu que o dano moral é presumido, in re ipsa, ou seja, quando a parte afetada tem sua honra, dignidade e moralidade lesada de forma objetiva e absoluta, não havendo, portanto, necessidade de apresentação de provas que demonstre essa ofensa sofrida.
O desembargador relator entendeu que "não se pode exigir (...) o cumprimento da 'obrigação natural' do amor". Por outro lado, "cuidar é uma obrigação civil". O colegiado considerou que negligenciar esse cuidado gera dano ao direito da personalidade do descendente. Além disso, a CF prevê, entre outras coisas, os critérios de respeito à dignidade da pessoa humana, a obrigação da paternidade responsável e a proteção integral do interesse da criança.
Dessa forma, o colegiado negou provimento ao recurso do genitor e manteve a condenação em R$ 50 mil reais, estipulada pelo juízo de 1ª instância. Além disso, reforçou que o objetivo da sentença não é obrigar os pais a amarem seus filhos, mas mitigar a falta de cuidado daqueles que têm o dever de prestá-lo.
"A indenização do dano moral por abandono afetivo não é o preço do amor, não se trata de novação, mas de uma transformação em que a condenação para pagar quantia certa em dinheiro confirma a obrigação natural (moral) e a transforma em obrigação civil, mitigando a falta do que poderia ter sido melhor: faute de pouvoir faire mieux, fundamento da doutrina francesa sobre o dano moral. 'Não tendo tido o filho o melhor, que o dinheiro lhe sirva, como puder, para alguma melhoria.'"
Quantum
Quanto ao valor fixado na sentença e mantido em 2º grau, o magistrado entendeu que não é absurdo, nem desarrazoado, nem desproporcional.
"R$ 50 mil equivalem, no caso, a R$ 3,23 por dia e a R$ 3,23 por noite. Foram cerca de 7.749 dias e noites. Sim, quando o abandono é afetivo, a solidão dos dias não compreende a nostalgia das noites. Mesmo que nelas se possa sonhar, as noites podem ser piores do que os dias. Nelas, também há pesadelos."
- Processo: 0015096-12.2016.8.07.0006
Veja a decisão.