Justiça Militar: Um raio-x da Justiça mais antiga do Brasil
Criada em 1808, a Justiça Militar é o ramo que custa menos para o Judiciário e objetiva manter a hierarquia e disciplina das Forças Armadas.
Da Redação
terça-feira, 19 de fevereiro de 2019
Atualizado em 18 de fevereiro de 2019 10:50
O ano é 1808 e já fazia alguns meses que a família Real havia chegado ao Brasil. Na onda de uma série mudanças, o príncipe regente de Portugal, D. João, resolveu, então, criar o Conselho Supremo Militar e de Justiça, estabelecendo a instituição que viria a ser o embrião do Judiciário brasileiro.
A Justiça Militar, portanto, existe há mais de 200 anos e é responsável por julgar crimes previstos no Código Penal Militar. Em 1891 foi organizado o Supremo Tribunal Militar, com as mesmas competências do extinto Conselho e composto por 15 ministros.
Durante o Império e início da República, a JM fazia parte do Executivo, mas com a Constituição de 1934 ela foi incluída no Poder Judiciário. Alguns anos depois, veio a CF de 1946 e, com ela, mais uma mudança: o órgão máximo da JM, que até então se chamava Supremo Tribunal Militar, passou a ser Superior Tribunal Militar.
Foi na Carta Magna de 1946 que também, pela primeira vez, a Justiça Militar Estadual foi instituída. A Constituição da época a organizou em duas instâncias, sendo a primeira com os Conselhos de Justiça e a segunda com os TJs. Atualmente, três Estados mantêm Tribunais de Justiça Militar: São Paulo, Minas Gerais e Rio Grande do Sul.
A Constituição cidadã, de 1988, reafirmou a instituição da Justiça Militar e manteve suas ramificações em Justiça Militar da União e Justiça Militar Estadual, estabelecendo suas competências.
Funcionamento e composição
Hoje, a Justiça Castrense se divide em: Justiça Militar da União e a Justiça Militar Estadual. Enquanto a JMU tem competência para julgar crimes militares cometidos por integrantes das Forças Armadas (Marinha, Exército e Aeronáutica) ou por civis que atentem contra a Administração Militar Federal, a Justiça Militar Estadual é competente para julgar os militares dos Estados (Polícia Militar e Corpo de Bombeiros) nos crimes militares definidos em lei e as ações judiciais contra atos disciplinares.
A 1ª instância da JMU é composta por 39 juízes Federais, aprovados em concurso, distribuídos em 12 Circunscrições Judiciárias Militares (CJM), que por sua vez abrigam uma ou mais Auditorias Militares. Os julgamentos nesta instância são realizados por Conselhos Permanentes de Justiça, quando os réus são praças, ou por Conselhos Especiais de Justiça, quando os réus são oficiais.
A 2ª instância da Justiça Militar da União é exercida pelo STM, composto de 15 ministros vitalícios, nomeados pelo presidente da República, depois de aprovada a indicação pelo Senado.
Na composição, três deles são oficiais-generais da Marinha, quatro oficiais-generais do Exército, três oficiais-generais da Aeronáutica, todos da ativa. A Corte ainda é composta por 5 ministros civis, que também são indicados pelo presidente, sendo três advogados de notório saber jurídico e conduta ilibada, com mais de dez anos de efetiva atividade profissional e dois por escolha paritária dentre juízes auditores e membros do Ministério Público da Justiça Militar.
Essa formação é conhecida como escabinato, isto é, os julgamentos são realizados a partir da experiência que os juízes militares trazem dos quartéis e do conhecimento dos juízes civis acerca da ciência jurídica.
JM em números
De acordo com o relatório "Justiça em números 2018", do CNJ, a despesa total da JMU foi de R$ 473,5 milhões, tendo 2017 como ano base e previsto no orçamento aprovado da União. Esse valor representa 0,52% da despesa total do Judiciário, que ficou em mais de R$ 90 bi. Já a Justiça Militar Estadual teve um gasto de R$ 151,6 milhões. Em comparação com as outras Justiças brasileiras, a Justiça Militar foi a que menos gastou:
Os gastos com recursos humanos representam a maior fatia de despesas na JM. Eles compreendem a remuneração de magistrados, servidores, inativos, terceirizados e estagiários, todos os demais auxílios e assistências devidos, tais como auxílio-alimentação, diárias, passagens, entre outros. O salário do presidente do STM, por exemplo, é de R$ 37,3 mil, que, somado a benefícios, pode chegar a mais de R$ 48 mil.
Tratando-se de acervo, 1.054 processos foram distribuídos para o STM ao longo de 2018. Entre os processos distribuídos estão aqueles referentes à deserção, tráfico ou posse de entorpecente, estelionato e peculato. No ano passado, os ministros julgaram 993 casos. Este número é bem diferente quando comparamos com o STF, por exemplo. Só em 2018, foram distribuídos para a Suprema Corte mais de 100 mil processos. No final do ano passado, o STF havia proferido cerca de 125 mil decisões judiciais.
De acordo com o boletim estatístico da JMU, a quantidade de processos julgados em 2018 no STM não foi suficiente para diminuir o estoque processual. O balanço foi de 993 julgamentos para uma quantidade de 1.054 processos distribuídos, além de 351 processos que estavam em andamento por terem sido distribuídos e não julgados até 31/12/2017.
Assim, o STM terminou 2018 com estoque de 412 processos, tendo havido um acréscimo de 61% processos em relação ao ano anterior.
É uma Justiça necessária?
Desde sua criação, o papel da JMU é o de garantir que as Forças Armadas não representem uma ameaça à paz social, à democracia, às instituições e à estabilidade política, social e econômica. No entanto, sua importância chegou a ser questionada em 2014 pelo CNJ. Juristas, magistrados, conselheiros e sociedade civil se reuniram para debater sobre sua necessidade e importância.
A então conselheira do CNJ e presidente da comissão, Luiza Cristina Fonseca Frischeisen, explicou que a necessidade do diagnóstico ficou clara após inspeções em Tribunais em que se descobriu muitos processos prescritos em um dos tribunais militares, além do descumprimento de orientações do CNJ.
À época, a vice-presidente do Superior Tribunal Militar, ministra Maria Elizabeth Guimarães Teixeira Rocha, defendeu que seria maléfico para a estabilidade do regime jurídico o fim da JM.
"A Justiça Militar, apesar de desconhecida, é uma Justiça que funciona, é célere. Além de ter um efeito pedagógico para a tropa, se o processo não é julgado com rapidez a vida do militar fica estagnada. Modificar uma justiça que funciona bem e jogá-la na vala comum da Justiça Federal, no caso, assoberbada de processos, não vai nos ajudar. Vai gerar prescrição, impunidade e desgoverno dentro dos quartéis."
No texto conclusivo da discussão, o grupo sugeriu uma "reestruturação" da Justiça Militar, propondo a diminuição da quantidade de ministros do STM e a ampliação da competência das Cortes especiais no 1º e no 2º graus para que pudessem julgar, além de crimes militares, questões relacionadas ao regime e à carreira militar (como ações relativas a pensões, reajustes, salários). Planos que até hoje não saíram do papel.
- Veja a íntegra do relatório.
Em entrevista ao Migalhas, o ministro aposentado do STM Flavio de Sá Bierrenbach, afirmou que a JM funciona a partir de regras internacionalmente reconhecidas, assegura a igualdade de todos perante a lei, respeita os princípios do Estado Democrático de Direito e observa os Direitos Humanos. "Enfim, está perfeitamente conforme os mais exigentes critérios de imparcialidade, integridade e independência estabelecidos nos padrões internacionais dos povos civilizados", completou.
A Justiça Militar da União e a História Constitucional do Brasil
A história da Justiça Militar no Brasil foi contada no livro "A Justiça Militar da União e a História Constitucional do Brasil - Obra Coletiva". De coordenação de Artur Vidigal de Oliveira e Maria Elizabeth Guimarães Teixeira Rocha, o livro reúne artigos que tratam da Justiça Militar de ontem, hoje e de amanhã, trazendo um resgate de decisões históricas e análises das competências da JM.