Plenário virtual: um ambiente secreto de votação?
Omissões computadas como votos e falta de publicidade durante a análise levantam questionamentos sobre julgamento virtual.
Da Redação
sexta-feira, 5 de outubro de 2018
Atualizado às 18:03
O plenário virtual do STF foi criado em 2007 com o objetivo de reduzir a quantidade de processos remetidos à Corte.
A princípio ele foi elaborado para que os ministros deliberassem sobre a existência de repercussão geral em matéria discutida em REs, e também para possibilitar o julgamento de mérito dos REs com repercussão geral reconhecida nas hipóteses de reafirmação de jurisprudência consolidada do Tribunal.
Quase dez anos depois, em 2016, a utilização do plenário virtual foi ampliada e a Corte também passou a permitir o julgamento de agravos internos e embargos de declaração em ambiente eletrônico.
Agora, ao que tudo indica, o plenário virtual deve ser novamente ampliado durante a presidência do ministro Dias Toffoli. Com efeito, por meio de uma mudança no regimento interno da Corte, ele pretende que seja possibilitado o julgamento do mérito dos recursos com repercussão geral reconhecida e das ações de controle concentrado de constitucionalidade com liminar deferida ad referendum, além da adoção de sustentação oral virtual.
Na prática, o método pode até agilizar os julgamentos na Corte, contudo, há de se questionar se a transparência dos julgados não fica comprometida. Para entender o porquê, veja abaixo, caro leitor, como funciona o plenário virtual.
Agravos e embargos
O julgamento de agravos internos e embargos de declaração em ambiente eletrônico é regulamentado pela resolução 587/16 do STF, editada pelo ministro Ricardo Lewandowski. A disposição é fruto da emenda regimental 51, aprovada em 22 de junho de 2016, em sessão administrativa pelos ministros do STF.
- E como funciona o julgamento?
As sessões virtuais são realizadas semanalmente, com início às sextas-feiras, respeitado o prazo de cinco dias úteis exigido pelo artigo 935 do CPC entre a data da publicação da pauta no DJe, com divulgação da lista no site da Corte, e o início do julgamento.
O relator, então, insere ementa, relatório e voto no ambiente virtual e, com o início do julgamento, os demais ministros têm até sete dias corridos para manifestação.
Os ministros podem votar nas listas como um todo ou em cada um dos processos separadamente.
As opções de voto são as seguintes: "acompanho o relator"; "acompanho o relator com ressalva de entendimento"; "divirjo do relator"; e "acompanho a divergência".
Até aqui o leitor pode entender que não há nenhum problema, no entanto, chamamos atenção para o disposto no parágrafo 2º, art. 2º, da resolução: o ministro que não se pronuncia no prazo de sete dias tem voto computado como "acompanho o relator".
Ou seja, ele não vota, mas mesmo assim computa voto.
Veja exemplo de um processo julgado na sessão virtual de 28/9 a 4/10/18. O acompanhamento processual informa que o julgamento se deu por unanimidade, mas não informa qual ministro efetivamente participou.
O parágrafo 3º, do mesmo art. 2º da resolução, estabelece que nos julgamentos ocorridos virtualmente, a ementa, o relatório e o voto somente se tornam públicos depois de concluído o julgamento. Até lá, partes, interessados e sociedade como um todo, ficam no escuro. E, como se poder ver, no exemplo utilizado acima a divulgação ainda não foi feita.
Levantamento feito por Migalhas já mostrou que apenas 21% das análises de repercussão geral contam com a participação de todos os ministros. Isso demonstra que, na prática, os processos são julgados na maioria das vezes sem a participação efetiva de todos os membros da Corte.
Repercussão geral
No caso de reconhecimento de repercussão geral, a deliberação funciona da seguinte forma: após o ministro relator afetar um recurso representativo da controvérsia, com manifestação a favor ou contra o apanágio da repercussão geral, os demais colegas têm 20 dias para votar.
A possibilidade de voto é "sim" ou "não". E, neste caso, diferentemente do que ocorre no julgamento virtual de agravos e embargos, a manifestação do relator e os votos que vão sendo computados no sistema ficam públicos e acessíveis no site do STF.
Veja abaixo o exemplo de um RE que está sob análise no momento:
De acordo com a CF (art. 102), para o não reconhecimento da repercussão gera é necessária manifestação expressa de pelo menos oito ministros.
Neste contexto, o voto de cada um dos integrantes da Corte assume caráter imprescindível, visto que a "omissão", no caso, é computada como "sim", o que faz com que o silêncio, por vezes, culmine com o reconhecimento de repercussão geral, mesmo quando há boa parte dos ministros se manifestando negativamente.
Como vimos, no julgamento virtual de embargos e agravos o não-voto do ministro é computado como "acompanho o relator". No caso da repercussão geral, a omissão é computada como "sim".
Palavra do presidente
Em entrevista à TV Migalhas nesta quarta-feira, 3, Toffoli afirmou que, com a ampliação do plenário virtual, a intenção é que o voto proferido pelo plenário virtual seja também, assim como é o voto proferido no plenário físico, de acesso aos advogados.
Confira:
O que os ministros dizem
"Plenário virtual não é plenário: o sentido de colegiado é a troca de ideias, é nos completarmos mutuamente." A partir dessa premissa, o ministro Marco Aurélio sustentou em entrevista à TV Migalhas, em 2016, que o julgamento de listas no plenário virtual implica "retrocesso".
Já o ministro do STF Edson Fachin acredita que o julgamento de listas no plenário virtual garantirá maior celeridade, sem prejuízo à prestação jurisdicional.