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STJ não considera tortura caso em que vítima teve pimenta nos olhos e thinner em genitais

6ª turma da Corte manteve decisão que desclassificou a conduta para lesão corporal grave.

Da Redação

quinta-feira, 23 de agosto de 2018

Atualizado às 18:19

Por maioria apertada de votos (3 a 2), a 6ª turma do STJ negou nesta quinta-feira, 23, recurso do MP e manteve decisão que desclassificou a conduta tipificada como tortura para o crime de lesão corporal grave em caso no qual dois homens foram condenados por submeter um prestador de serviços a castigos como pimenta nos olhos e thinner jogado nos órgãos genitais.

No REsp, o MP aduziu que a expressão "sob sua guarda, poder ou autoridade", prevista no 
art. 1º, II, lei 9.455/97não possui viés exclusivamente estatal, razão pela qual a imposição de tortura como forma de castigo, tal como no caso dos autos, ainda que perpetrada por particular que mantém a vítima sob seu poder, configuraria o crime em referência. No entanto, a maioria do colegiado não entendeu desta forma.

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No caso, os réus contratam a vítima para prestação de serviço de instalação de ar-condicionado. Após efetuarem o pagamento antecipado, o prestador não realizou o serviço e se recusou a atender e responder telefonemas e mensagens. Foi então que, como descreve o acórdão do TJ, eles arquitetaram um plano para reaver a quantia paga pelo serviço. 

Segundo os autos, fingiram interesse num orçamento para instalação de ar-condicionado doméstico. A vítima foi ao endereço indicado, sendo ali subjugada, amarrada, desapossada dos cartões bancários e obrigada, mediante violência e grave ameaça, a revelar as senhas. O saque se frustrou por falta de dinheiro na conta, sendo por isso torturada com pimenta nos olhos e thinner jogado nos órgãos genitais, sofrendo lesões corporais que a deixaram incapacitada para as ocupações habituais por mais de trinta dias.

Desesperada, a vítima ofereceu o televisor da mãe para pagar o prejuízo e foi à casa dela. A mulher, vendo as condições deploráveis do filho, gritou e fez um escarcéu que chamou a atenção dos vizinhos, provocando a fuga dos réus, que deixaram a vítima, ainda amarrada, nos braços da mãe.

Denunciados pelo MP, os pacientes foram condenados em 1º grau pela prática dos crimes de tortura e exercício arbitrário das próprias razões (art. 345 do CP e art. 1º, II, e § 3º, primeira parte, da lei 9.455/97, na forma do art. 70, primeira parte, do CP). A defesa apelou e teve o recurso desprovido pelo TJ/DF.

Contudo, posteriormente, em julgamento de embargos infringentes, a Corte desclassificou a conduta tipificada como tortura para o crime de lesão corporal grave. O entendimento foi o de que, no caso, a violência empregada pelos réus tinha por finalidade única obrigar a vítima a devolver o que recebera indevidamente, e não a de obter uma informação, declaração ou confissão sobre fato juridicamente relevante. "Não se cogita de tortura-castigo, que configura crime próprio e só pode ser cometido por agente que tenha a vítima 'sob sua guarda, poder ou autoridade'."

Relator, o ministro Sebastião Reis Júnior negou provimento ao recurso do MP em 22 de maio, ocasião na qual pediu vista antecipada o ministro Saldanha Palheiro. Na sessão desta terça-feira, Saldanha acompanhou o relator.  Para ele, a tipificação do crime de tortura exige uma guarda preexistente, do contrário, qualquer lesão corporal se configuraria uma tortura porque aquele que estaria sendo agredido, está sob o domínio absoluto do seu agressor. O voto do relator também foi acompanhado pelo ministro Nefi Cordeiro. 

O ministro Rogerio Schietti Cruz abriu a divergência. "Ao meu ver, configurou-se sim o crime de tortura. E o faço dando uma interpretação não meramente literal ao dispositivo legal, porque se trata de um crime praticamente de lesa-humanidade". Para ele, o ato ultrapassou atitude que  pudesse configurar algum exercício arbitrário das próprias razoes, "me pareceu mais um ato de tortura, castigo, uma forma de impingir sofrimento cruel a alguém pelo fato de ser um inadimplente de uma dívida''. O voto foi acompanhado pela ministra Maria Thereza de Assis Moura.